01 Outubro 2020
"Não se trata, evidentemente, de criminalizar a política do Rio de Janeiro, capital e estado. De resto, ela não passa da ponta de um iceberg do que ocorre com a administração pública pelo restante do país. Trata-se, ao invés, de evidenciar determinadas práticas criminosas que, no interior mesmo da prática política, converteram-se num vírus poderoso, no sentido de desgastar e degenerar a ação pública", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais e vice-presidente do SPM – São Paulo.
Por unanimidade, a ALERG-Assembleia Legislativa RJ vota pela continuidade do processo de impeachment do ex-governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson José Witzel. O processo baseia-se no uso indevido das verbas públicas destinadas ao combate da pandemia Covid-19. Por sua vez, o prefeito da capital do Rio de Janeiro, Marcelo Bezerra Crivella, também sofreu no TRE-Tribunal Regional Eleitoral um processo que o torna inelegível pelos próximos seis anos, devido ao uso abusivo do poder em benefício da campanha do filho. Isso sem voltar ao caso dos chamados “Guardiões do Crivella”. E mais, o atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, cuja base política localiza-se na cidade do Rio de Janeiro, enfrenta no Congresso Nacional uma série de pedidos de Impeachment, por ataques frequentes às aos demais poderes da democracia, bem como por seu comportamento no combate à pandemia do novo coronavírus. Outros processos e investigações correm no Ministério Público e nos tribunais contra o presidente, seus filhos e seus correligionários.
Mas isso não é tudo! Dos 7 governadores do estado do Rio de Janeiro desde 1982, nada menos do que 6 estiveram (ou estão) envolvidos com a justiça. Nessa triste trajetória da administração do estado, Witzel representa o sexto governador na mira da justiça. Somente Benedita da Silva, ligada ao movimento negro, não frequentou as páginas policiais. Convém manter a memória viva: o ex-governador Sérgio Cabral segue preso por diversos esquemas de corrupção, com uma pena que já ultrapassa os 250 anos de detenção. O ex-governador Luiz Fernando Pezão, teve seu mandato cassado e também foi preso por corrupção; posteriormente teve a prisão revogada, com a obrigação de cumprir uma série de medidas cautelares. O ex-governador Anthony Garotinho foi condenado e preso diversas vezes, entre outras coisas, por suposta formação de quadrinha. O mesmo aconteceu com sua esposa, Rosinha Garotinho, investigada e presa distintas vezes por crimes eleitorais. O ex-governador Moreira Franco foi acusado e esteve preso no inquérito que investigava o pagamento de propina no âmbito das obras da Usina de Angra 3.
Não se trata, evidentemente, de criminalizar a política do Rio de Janeiro, capital e estado. De resto, ela não passa da ponta de um iceberg do que ocorre com a administração pública pelo restante do país. Trata-se, ao invés, de evidenciar determinadas práticas criminosas que, no interior mesmo da prática política, converteram-se num vírus poderoso, no sentido de desgastar e degenerar a ação pública. Semelhantes atuações fraudulentas, em geral, desenvolvem-se num duplo contexto sociopolítico: a partir de um legado histórico e estrutural de séculos, por uma parte e, por outra, com a ajuda de milícias organizadas nos bairros e fortemente armadas. As duas dimensões se cruzam e se entrelaçam, com privilégios e benefícios para ambas as partes. A herança do passado mergulha suas raízes no conceito de patrimonialismo, onde se misturam e se confundem os interesses públicos, corporativos, familiares e privados. Os desvios do presente e o horizonte incerto do futuro, por sua vez, se assentam na força de intimidação desses grupos que ditam e controlam o poder particularmente nas comunidades periféricas.
Se é verdade que as milícias costumam atuar onde o Estado se encontra ausente, também é certo que não raro o fazem em cumplicidade com representantes diretos dos mais diversos escalões do governo. Não é novidade, por outro lado, que normalmente os milicianos são recrutados entre ex-policiais e/ou servidores públicos afastados por conduta suspeita. Tais grupos paramilitares, em lugar de combater o crime organizado, muitas vezes o substituem através de uma série de formas de exploração dos serviços públicos ligados, por exemplo, ao abastecimento de luz, de água, de gás, bem como ao controle dos alugueis e do comércio local. Resulta que, fatalmente, a própria rede do Estado acaba tecendo nós escusos e perversos com a rede das milícias. Um e outra se auto sustentam, e não é difícil constatar que policias civis ou militares são pagos para encobrir e desconhecer ações criminosas.
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Rio de Janeiro, ponta do iceberg da política nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU