18 Setembro 2020
Entrevista com Cecilia Dall'Oglio, diretora associada de programas europeus do Global Catholic Climate Movement; faz parte do comitê ecumênico do Tempo da Criação e colabora com o Escritório Justiça e Paz da Conferência Episcopal.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada Settimana News, 17-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cara Cecilia, você pode apresentar brevemente o Movimento Católico pelo Clima aos leitores?
O Movimento Católico Mundial pelo Clima atualmente forma uma aliança entre mais de setecentas organizações em nível mundial, uma expressão dos muitos e diversos carismas que compõem a Igreja Católica: das ordens religiosas às Caritas, às organizações totalmente laicas.
O Movimento nasceu com a encíclica Laudato si' do Papa Francisco. O propósito pastoral era e continua sendo bem evidente já nos títulos: penetrar nos modos de sentir da fé expressos pela encíclica nas comunidades cristãs católicas. Há cinco anos, de fato, percebeu-se a necessidade de uma urgente animação interna para a conversão à dimensão da criação.
O Movimento nasceu com uma forte marca ecumênica. Não é por acaso que precisamente neste mês de setembro, estamos animando - junto com as outras Igrejas - o Tempo da Criação.
Como você chegou a se engajar no Movimento?
Trabalhei mais de vinte anos na FOCSIV que é uma federação, ou seja, uma associação de associações. Aproximar e unir as diversidades - digo isso a mim mesma - é a minha vocação. Portanto, estou muito feliz em continuar a desempenhar esse papel no Movimento pelo Clima: trata-se de tecer redes entre diferentes organizações e, claro, promover muitas relações pessoais.
A Laudato si' diz que tudo está conectado, enquanto na Igreja Católica e entre as Igrejas frequentemente estamos desconectados: como podemos ser credíveis ao mundo desta maneira? A conversão ecológica e a conversão sinodal - na Igreja e entre as Igrejas - devem certamente andar de mãos dadas, ainda que certamente custe muito, para as realidades individuais, renunciar aos próprios projetos exclusivos.
Não devemos esquecer que estamos ao serviço do despojamento. São Francisco, o outro Cristo, literalmente se despojou.
Quais figuras da gênese do Movimento e da sua história pessoal você gostaria de lembrar, além do Papa Francisco?
Desejo mencionar a figura do Cardeal Tagle que, por ocasião da visita do Papa Francisco às Filipinas, entregou-lhe o ato constitutivo do Movimento. A Laudato si' ainda não havia sido promulgada, mas era evidentemente próxima. Tagle continuou muito próximo do Movimento, em cujos organismos estatutários estão hoje cardeais de todos os continentes.
Também gostaria de mencionar a figura do Cardeal Martini, certamente um precursor do Movimento. Pude participar pessoalmente do processo “Paz, Justiça e Salvaguarda da Criação” que culminou na Assembleia Ecumênica em Basel em 1989. Martini era presidente do Conselho das Conferências Episcopais europeias - COMECE. Devo muito a ele na minha formação e na motivação do meu comprometimento.
O documento de Basileia dizia na época coisas de natureza profética. O nosso Movimento ainda está falando sobre isso em uma situação ambiental muito pior. A política e a economia não foram e ainda não estão à altura da situação. Da Igreja vem um impulso amplo e urgente para mudar de atitude e agir. O Movimento pelo Clima é uma manifestação disso.
O que é o Tempo da Criação? Por que tem valor ecumênico?
Este é um tempo favorável - o Kairós - para a oração, a cultura e a ação: o Tempo da Criação caracteriza cada ano pastoral de 1º de setembro a 4 de outubro, festa de São Francisco. Recordo que foi o patriarca de Constantinopla Dimitrios I que instituiu nas Igrejas do Oriente, Dia de Oração pela Criação identificando-o no primeiro dia de setembro - a partir de 1990 em diante - para coincidir com a abertura do ano litúrgico ortodoxo.
O Papa Francisco em 2016 levou a Igreja Católica a partilhar esse Dia Mundial de Oração e, por isso, no ano passado, por ocasião da mensagem de 1º. de setembro, quis levar a Igreja Católica a participar também na iniciativa ecumênica do Tempo da Criação. Neste ano, ele ficou particularmente satisfeito com o fato de a comunidade ecumênica ter escolhido o Jubileu da Terra como seu motivo inspirador.
Precisamente neste período - certamente não fácil para as relações ecuménicas - a nossa experiência mostra que é possível colaborar concretamente para enfrentar os problemas da terra e da humanidade. Eu sou uma testemunha direta disso. O Comitê Ecumênico Internacional é atualmente coordenado pelo Reverendo Rimmel da Federação Luterana: o Comitê inclui os representantes oficiais de muitas Igrejas. Aqui, o conhecimento e a estima pessoal daqueles que trabalham juntos para fins comuns são de fundamental e feliz importância.
Qual é o “coração” da Laudato si ' que faz o Movimento pulsar?
O Papa Francisco nos convida a escutar, juntos, o grito dos pobres e o grito da terra. Os pobres estão gritando e a terra também está gritando. Crise humanitária e crise ambiental não são separadas, como talvez se pensasse até recentemente. Minha primeira atenção foi para o grito dos pobres. Agora também aprendi a estar atenta e a ouvir melhor: a terra também está gritando!
Jubileu da Terra significa, portanto, antes de mais nada, colocar-se à escuta: o Jubileu bíblico foi aberto por uma trombeta que soou para anunciar a urgência de um novo tempo caracterizado pela restituição aos pobres daquilo que anteriormente lhes havia sido tirado. Francisco falou de uma dívida ecológica a ser reparada.
A dívida contraída, portanto, deve ser devolvida a Deus e aos irmãos e irmãs de toda a terra: aliás, a dívida ecológica para com o Criador deve ser devolvida através dos irmãos e das irmãs na pobreza que mais sofrem no estado de coisas que foi gerado. Ao som da corneta jubilar - já no ar - juntou-se o rugido produzido pela Covid-19 em todo o mundo.
Há muito mais pessoas que sofrem e que gritam. Como não ouvir esse som dramático? Há um verdadeiro chamado e, portanto, uma grande oportunidade a ser aproveitada. Poderia ser a última.
A política, a economia e as empresas multinacionais ainda não estão ouvindo de maneira adequada. Continua-se a produzir para o lucro, devastando o meio ambiente, enriquecendo aquela pequena parte da humanidade que já é rica, continuando a empobrecer ainda mais a grande parte que é muito pobre.
O magistério de Francisco encontra muitas oposições sobre isso - e não só sobre isso -: por quê?
Estou bem ciente das objeções e resistências ao magistério do Papa Francisco, bem como ao trabalho do meu Movimento. São movidas por pessoas, lobbies e poderes que negam a crise climática, bem como agora negam a gravidade da pandemia.
Aqueles que se opõem à mudança são simplesmente parte integrante de uma economia doente, deliberadamente cega e surda. Por interesses egoístas, não se quer compreender que a conversão ecológica e humanitária é o único caminho de salvação para toda a humanidade.
Caso contrário, não haverá futuro para ninguém. Se essas pessoas não querem ouvir o clamor dos pobres e da terra - se não querem ouvir o Papa e a Igreja - que pelo menos ouçam a voz clara dos cientistas, aqueles livres das manipulações urdidas pelas grandes empresas!
Inevitavelmente - enquanto tento responder a esta pergunta - penso nas grandes fortunas e riquezas das multinacionais, em particular as da extração de combustíveis fósseis, ou penso na riqueza produzida pelo agronegócio que devasta as florestas: os fartos rendimentos certamente não são distribuídos em benefício das populações dos países pobres, de cujas terras derivam tais riquezas.
Como diz Francisco, as pessoas são espremidas como laranjas e jogadas para as beiras das ruas com incômodo e até violência.
Você pode esperar que algo realmente possa mudar?
Estou confiante, apesar de tudo, pelo menos do lado das Igrejas. Este ano, nos cursos de formação de animadores Laudato si’ realizados na Itália na primavera e no verão - obrigatoriamente realizados online nas duas fases da pandemia - tivemos mais de mil inscritos, incluindo muitos jovens: é um número que expressa uma sensibilidade e um desejo de agir que estão crescendo.
Percebo uma grande vontade de mudar. No entanto, bem sei que o nosso trabalho de animação é uma cópia da imagem evangélica dos pescadores que, desanimados, lançam as suas redes na escuridão da noite, simplesmente com base numa palavra, humana e divina: talvez possamos descobrir de manhã, com surpresa, que as redes estão cheias e que a pesca deu resultados!
Obviamente, há muitos motivos para preocupação, especialmente do ponto de vista político. Mas mesmo nesse sentido, percebo alguns sinais de positividade e quero ser confiante, mas de forma ativa e não passiva: a Europa parece querer adotar uma política verde acelerada pela crise produzida pelo vírus. Muitos recursos também serão investidos na Itália.
Parece-me uma grande oportunidade. Como Movimento Católico pelo Clima, queremos justamente ser ativos: em breve, promoveremos um webinar europeu sobre o assunto. Pedimos que o dinheiro não volte a cair nas mãos das multinacionais dos combustíveis fósseis e do agronegócio. Vamos monitorar isso.
"O Clamor da Terra e o Clamor dos Pobres" – Alterações Climáticas, Direitos Humanos e Pobreza: A urgência de agir
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