19 Agosto 2020
Donald Trump há dias não fala sobre o seu projeto de comprar a Groenlândia, mas certamente suas aspirações imobiliárias permanecem intactas. Sem mencioná-lo diretamente, o atual inquilino da Casa Branca parece conhecer os dados científicos que apontam que a mudança climática está alterando as condições naturais da Groenlândia a ponto de deixar grande parte de sua superfície livre de gelo (embora o processo será concluído a médio prazo e Trump não estará vivo para vê-lo).
A reportagem é de Joaquim Elcacho, publicada por La Vanguardia, 18-08-2020. A tradução é Cepat.
Os dados mais recentes e alarmantes sobre o degelo nesta grande ilha ártica, atualmente considerada “uma nação constituinte do Reino da Dinamarca”, foram publicados na edição online (13 de agosto) da revista do grupo Nature Communications Earth Environment, e sua principal conclusão é que o processo de degelo das geleiras da Groenlândia já atingiu um ponto de não retorno. Em outras palavras, a perda dessas grandes massas de gelo em movimento é irreversível.
Mesmo que no caso fossem colocadas em prática, de forma imediata, as medidas necessárias para conter a mudança climática em escala global - possibilidade bastante remota em vista dos obstáculos enfrentados por iniciativas como o Acordo de Paris -, a perda de gelo nas geleiras da Groenlândia seguiria a tendência negativa atual, apontam os autores deste estudo liderado pela Universidade Estadual de Ohio (Estados Unidos).
As geleiras da Groenlândia passaram por uma espécie de ponto de inflexão, onde a nevada que repõe a camada de gelo, a cada ano, não consegue acompanhar o ritmo do gelo que flui das geleiras para o oceano.
“Estivemos analisando essas observações de sensoriamento remoto para estudar como a descarga e o acúmulo de gelo variam”, disse Michalea King, principal autora do estudo e pesquisadora do Centro de Pesquisa Polar e Climática da Universidade Estadual de Ohio. “E o que descobrimos é que o gelo que é descarregado no oceano excede em muito a neve que se acumula na superfície da camada de gelo”.
King e outros pesquisadores analisaram dados de satélite mensais de mais de 200 grandes geleiras que desembocam no oceano ao redor da Groenlândia. Suas observações mostram o quanto de gelo se quebra em icebergs e derrete das geleiras para o oceano. Também mostram a quantidade de neve que cai todos os anos, a principal fonte de reposição dessas geleiras.
Os pesquisadores descobriram que, ao longo dos anos 1980 e 1990, a neve acumulada e o gelo derretido e descolado das geleiras estavam em grande parte em equilíbrio, mantendo a camada de gelo intacta. Ao longo dessas décadas, descobriram os pesquisadores, as camadas de gelo normalmente perdiam ao redor de 450 gigatoneladas (cerca de 450 bilhões de toneladas) de gelo, por ano, pelas geleiras de saída que fluíam, que foram substituídas por nevadas.
“Estamos medindo abalo na camada de gelo, a quantidade de gelo que as geleiras drenam nas bordas da camada de gelo, que aumenta no verão. E o que vemos é que se manteve relativamente estável até um grande aumento na descarga de gelo para o oceano, em um curto período de cinco a seis anos”, disse King.
A análise dos pesquisadores descobriu que a linha de base desse sistema, ou o abalo - a quantidade de gelo que é perdida a cada ano -, começou a aumentar de forma constante por volta do ano 2000, com as geleiras perdendo cerca de 500 gigatoneladas por ano. As nevadas não aumentaram ao mesmo tempo e, durante a última década, a taxa de perda de gelo das geleiras permaneceu quase a mesma, o que significa que a camada de gelo vem perdendo volume mais rápido do que está sendo reposto.
“As geleiras são sensíveis ao derretimento sazonal, desde que pudemos observar, com picos de descarga de gelo no verão", disse. "Mas a partir de 2000, começa a se sobrepor aquele derretimento sazonal em uma linha de base mais alta, então teremos ainda mais perdas".
Antes de 2000, a camada de gelo teria aproximadamente a mesma chance de ganhar ou perder massa a cada ano. No clima atual, a camada de gelo ganhará massa em apenas um em cada 100 anos.
King disse que as grandes geleiras da Groenlândia recuaram cerca de 3 quilômetros em média, desde 1985, "isso é muita distância", disse. As geleiras encolheram o suficiente para que muitas delas estejam em águas mais profundas, o que significa que há mais gelo em contato com a água. A água quente do oceano derrete o gelo da geleira e também torna difícil para as geleiras voltarem às suas posições anteriores.
Isso significa que mesmo se os humanos fossem de alguma forma milagrosamente capazes de parar a mudança climática em seu caminho, o gelo perdido pelas geleiras que drenam gelo para o oceano provavelmente ainda excederia o gelo obtido pelo acúmulo de neve, e a camada de gelo continuaria encolhendo por algum tempo.
"O retrocesso das geleiras golpeou a dinâmica de toda a camada de gelo para um estado constante de perda", disse Ian Howat, coautor do artigo, professor de ciências da terra e ilustre acadêmico da Universidade Estadual de Ohio. "Mesmo se o clima permanecesse o mesmo e até esfriasse um pouco, a camada de gelo ainda perderia massa".
A redução das geleiras na Groenlândia é um problema para todo o planeta, lembram os autores do estudo. O gelo que derrete ou se desprende das camadas de gelo da Groenlândia acaba no oceano Atlântico e no Ártico e, eventualmente, se soma à água global de todos os oceanos do mundo.
O gelo da Groenlândia é um dos principais contribuintes para o aumento do nível do mar. No ano passado, foram derretidos ou desprendidos gelos da Groenlândia responsáveis por fazer os oceanos subirem 2,2 milímetros, em apenas dois meses.
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O derretimento das geleiras da Groenlândia é irreversível e Trump está ciente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU