Um dos lugares mais significativos na vida de Pedro Casaldáliga foi o Santuário dos Mártires da Caminhada, construído no local onde, em 11 de outubro de 1976, um de seus grandes amigos, o jesuíta João Bosco Penido Burnier, foi baleado por um policial, o que lhe custou a vida. Juntos, eles tinham acudido em defesa de duas mulheres que estavam sendo torturadas. De fato, algumas pessoas acham que Burnier foi confundido com Casaldáliga. A defesa dos mais pobres sempre foi uma constante na vida do bispo do Araguaia, que nunca hesitou em arriscar sua vida para defender os últimos.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O Santuário dos Mártires da Caminhada, em Ribeirão Cascalheira, reúne a memória de tantos homens e mulheres que nas últimas décadas, especialmente na América Latina, deram suas vidas em defesa das Causas de Deus e dos mais pobres. É um lugar que impressiona, pois ao visitá-lo, descobre-se o sangue derramado de tantos homens e mulheres cujos retratos são pendurados em suas paredes. Nestas paredes também se encontram alguns dos murais de Cerezo Barredo, o também claretiano, amigo de Casaldáliga desde sua juventude, conhecido como o pintor da libertação. Ali, a cada cinco anos, no mês de julho, é celebrada a Romaria dos Mártires da Caminhada, um momento de encontro de uma multidão de peregrinos vindos de todos os cantos do Brasil e de diferentes países.
Foto: Irmandade dos Mártires da Caminhada
A memória dos mártires sempre foi importante na vida de Pedro Casaldáliga, pois como ele disse, "um povo ou uma Igreja que esquece seus mártires não merece sobreviver". Foi por esta razão que a Prelazia de São Félix do Araguaia decidiu construir um santuário que o próprio bispo definiu durante a celebração dos 25 anos do martírio do Padre João Bosco como "único em seu gênero, acolhendo ecumenicamente o testemunho de todos aqueles homens e mulheres que têm dado suas vidas pela grande Causa de Deus, que é também a Causa maior da própria Humanidade".
Foto: Irmandade dos Mártires da Caminhada
Chegando de Batatais, em uma viagem de mais de 1.100 quilômetros, a primeira parada do caixão quando chegou ao território da Prelazia de São Félix do Araguaia foi no Santuário. Colocado em dois troncos, adornados com uma rede, do tipo em que o povo do Araguaia descansa seus corpos exaustos após um dia de trabalho árduo, às vezes quase escravo, ele tem sido recebido por seu povo, em pequeno número, já que a situação que o Brasil está atravessando como resultado da pandemia não permite grandes multidões. Em um clima de esperança, neste espaço com muitos dos elementos que ele encontrou em seus mais de 50 anos na região, o velório foi um momento de celebração, também de ação de graças por sua vida e ministério.
Foto: Irmandade dos Mártires da Caminhada
Foi um momento de oração, na forma como o povo da região, o povo das comunidades eclesiais de base, reza, repetindo o que sustenta sua fé em tantos lugares onde a presença sacerdotal sempre foi escassa, onde os ministérios, na maioria das vezes assumidos pelas mulheres, sustentam a caminhada da Igreja, como em tantos lugares da Amazônia, do Brasil e da América Latina. O Ofício dos Mártires da Caminhada também foi rezado, algo que surgiu dentro da Prelazia de São Félix, em torno da Romaria, querendo ser um elemento que ajude a celebrar a partir do compromisso e da memória daqueles que deram e continuam entregando a vida por toda a América Latina pelas Causas da Vida.
Foto: Valdemir de Souza
Essas Causas da Vida são as Causas do Reino, aquelas que sustentaram a vida daquele que nunca olhou para o lado quando se tratava de defender a justiça. Isso é conhecido por aqueles que viveram e celebraram com ele por mais de meio século, sempre entendendo que vale a pena dar sua vida pelo Reino. A vida de Pedro, como a de tantos outros homens e mulheres, foi um sinal de resistência, presente na memória coletiva de um povo, sobretudo daqueles que viram em seu bispo por mais de 30 anos a figura do Deus encarnado, d'Aquele que faz uma escolha pelos últimos.