25 Mai 2020
Como agir e fazer uma conversão de vida, na perspectiva da encíclica Laudato Si’? O teólogo William Clapier propõe começar por uma revolução interior em nossas estruturas de pensamento, que combine contemplação e ação cidadã.
A entrevista é de Élisabeth Marshall, publicada por La Vie, 22-05-2020. A tradução é de André Langer.
Seu livro era premonitório. Em meados de março, o ensaísta e teólogo William Clapier anunciou, em um ensaio bem documentado, o fim de um mundo e lançou um apelo a um despertar espiritual. Ao explorar os caminhos da resiliência humana diante das mudanças socioecológicas necessárias, ele agora propõe fundamentar o nosso compromisso na contemplação, duas maneiras inseparáveis de realizar uma mudança de vida. Para La Vie, ele oferece seis passos para aliar ação e tomada de consciência.
William Clapier nasceu para a fé em contato com as espiritualidades orientais, aprofundou na vida religiosa a oração carmelitana antes de se envolver na pastoral, no diálogo interespiritual e na transição ecológica. Teólogo, ele é autor de vários ensaios, entre os quais está Effondrement ou révolution (Le Passeur, 2020).
Estou impressionado com a correlação dos diferentes aspectos da questão ecológica. Absolutamente tudo interage, porque tudo está ligado: clima, poluição, biodiversidade, recursos naturais. A crise atual nos faz redescobrir essa unidade e a interdependência interna do ecossistema Terra. Não podemos resolver o problema do aquecimento global sem proteger a biodiversidade, nem reduzir o impacto da poluição sem rever completamente nossa maneira de explorar os recursos naturais e nosso modo de vida consumista.
De fato, “a deterioração do meio ambiente e da sociedade afeta de maneira especial os mais necessitados do planeta”, enfatiza corretamente o Papa Francisco na Laudato Si’. Além disso, o ritmo acelerado da vida e a pressão que essa aceleração exerce tornaram-se um dos estresses mais devastadores da nossa sociedade. Esse fenômeno esgota nossas capacidades de recuperação e de reflexão. Nossa sociedade está cansada, exausta. Uma das urgências, tanto para a saúde pessoal como para a coesão social, é desativar essa engrenagem disruptiva, que joga uma grande parte da população para fora do circuito da vida em sociedade.
Isso demanda tempo, determinação e, sobretudo, uma mudança de consciência. A parábola do filho pródigo é emblemática a esse respeito. O Evangelho especifica que, após a experiência de sua queda, o filho pródigo “caiu em si”. Começa então uma conversão de vida e seu retorno para a casa do pai. O início de uma mudança de vida é muitas vezes realizado em meio a turbulências e numa situação em que nossas certezas são postas à prova.
A crise da Covid-19 é talvez um momento favorável para mudar a estrutura de pensamento e entrar em “conversão ecológica”, conforme fala o Papa Francisco. Encontramo-nos, talvez, diante de uma oportunidade aguardada para reconhecer a caducidade de nosso software existencial. Tomar consciência de um modo de vida e de um ritmo que não quero mais, de uma mudança dos padrões consumistas e poluentes aos quais não adiro mais é o primeiro passo para reconstruir nosso estilo de vida e a organização da vida comum.
Nos últimos quatro ou cinco anos, notei um aumento das conversões de vida. O movimento Cidades em Transição, apolítico e muito emblemático dessa evolução, já se espalhou por todo o planeta. Em Nîmes, onde comecei a fazer um trabalho há um ano, existem quase quarenta associações à escolha para assumir um engajamento prático, desde o “desperdício zero” a bancos alternativos, passando pela moeda local ou pela horta compartilhada.
É urgente descer ao fundo de si mesmo para fazer repousar a mente, para clarear o próprio pensamento. Perguntar-se a si mesmo para quem e para que vivemos, e não somente contra quem e contra o quê. Eu dirijo, em Nîmes, uma oficina de meditação e oração sobre a Laudato Si’; percebo que a motivação é a mesma para todos: os participantes vêm para tomar um tempo para si, para se recolher para refletir sobre o que estão vivendo, o que não conseguem mais fazer em suas vidas. Pode-se meditar e rezar, mas também existem muitas outras portas de entrada para alimentar essa “ecologia interior”: respirar na natureza, fazer uma horta, praticar uma arte...
Sem um trabalho interior, dentro e sobre si mesmos, dificilmente evitaremos cair em uma forma de militância ideológica, fadada ao fracasso. Da mesma forma, sem um compromisso externo, a serviço dos outros e da vida da cidade, nossas convicções pessoais permanecerão no estágio das ideias. Em outras palavras, não existe ecologia externa sem ecologia interna. Nem ecologia interna sem ecologia externa traduzida por um compromisso cidadão associativo, dentro de um movimento local ou nacional.
A guardiã dos valores do espírito é a aptidão à gratuidade do ser e da vida, na busca do bem comum. Isso requer vigilância em relação à nossa cultura interior, como é descrita na parábola evangélica do semeador, contada por três dos evangelistas. A semente, caindo em quatro solos diferentes, ilustra a dificuldade que a pessoa humana experimenta ao fazer frutificar suas escolhas em sua vida. Seja por desatenção (“caiu na beira da estrada”), incapacidade de enraizar as coisas (“caiu em terreno pedregoso”) ou por uma propensão às riquezas e prazeres que sufocam a busca de sentido em nós (“caiu no meio dos espinhos”). A falta de aprofundamento ou a sufocação do ser pela preocupação com o mundo ilustram bem nossas dificuldades contemporâneas de entrar em uma cultura interior de mudança. Esses textos falam de nossa responsabilização com uma extraordinária modernidade.
Devido à extrema urbanização, experimentamos uma anemia, uma atrofia: não vemos mais vegetação, nem árvores ou animais suficiente. Nossos sentidos, muito estimulados pela tecnologia digital, perderam a gramática da natureza. Portanto, temos que reintegrá-la, como vemos fazer com a criação de bairros ecológicos ou de jardins compartilhados em muitas cidades. Mas contemplar a natureza não é simplesmente olhá-la, é também ouvi-la com o coração através de todos os sentidos do corpo, ser receptivo ao que ela nos comunica sobre sua beleza e diversidade e ouvir a mensagem que ela nos dirige: “Como todos os seres humanos, você também faz parte dos seres vivos”. O fruto da contemplação da natureza é redescobrir essa relação vital que nos une a ela para começar a amá-la. Este é o núcleo central da ecologia integral.
Além dos preconceitos difíceis de superar que cercam na França a palavra “espiritualidade”, tomada muitas vezes apenas no sentido religioso, a gravidade da crise cria um choque existencial que nos reenvia às raízes do nosso ser, à falência do comportamento humano e à consciência do que nos une a todos os seres vivos. Acessar o espiritual significa abrir-se à percepção dessa unidade, dessa fraternidade até a intuição de sua origem misteriosa.
Levar em conta a dimensão espiritual da megacrise, o que vemos hoje na maioria dos líderes ambientais, é um motivo de esperança. Yann Arthus-Bertrand chega a falar em “Revolução Espiritual”. A partir desta crise, tenho uma fé crescente na beleza preciosa e frágil da vida, de toda vida. A dor também de uma lucidez refinada sobre os ataques que ela sofre. Finalmente, estou convencido de que estamos atingindo um umbral, uma encruzilhada da história, um ponto de inflexão na civilização. E que juntos, devemos agir sem mais delongas. A salvaguarda da vida, da nossa vida, está aí, em nossas mãos e nas nossas consciências.
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Seis dicas espirituais para uma transição ecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU