07 Abril 2020
O jejum nacional convocado por Jair Bolsonaro (sem partido) para o domingo, 5 de abril, com o propósito de enfrentar a pandemia do Covid-19, reuniu alguns poucos crentes que se postaram no Palácio do Planalto e intercederam pelo mandatário brasileiro. No final da tarde, informa o El País, o presidente participou de uma rodada de orações e anunciou o encerramento do seu jejum religioso.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista, já foi professor e coordenador do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.
Antes das orações do grupo de crentes – cerca de 20 apoiadores segundo o El País – o presidente aproveitou para mandar alguns recados, inclusive para integrantes do seu governo, sem, no entanto, mencionar nomes. “Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona”, ameaçou. Também queixou-se da imprensa, que o teria “massacrado” por ter ido a Taguatinga no domingo anterior, quando visitou lojas que estavam funcionando.
Depois, Bolsonaro ajoelhou-se para orar o “Pai Nosso” e acompanhou as palavras de um padre e de um pastor. “Em nome de Jesus, eu quero proclamar que no Brasil não haverá mais morte pelo coronavírus”, disse o padre.
A proposta de um jejum nacional contra a pandemia foi do pastor Willian Ferreira, da Igreja Assembleia de Deus Ministério Cruzada de Fogo, de Monte Sião (MG). Em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro reiterou a ideia. “Sou católico e minha esposa, evangélica. É um pedido dessas pessoas”, disse.
O presidente foi duramente criticado pelo coordenador da Rede Fala, o missionário e teólogo Caio Marçal. Bolsonaro, afirmou, não sabe o significado da disciplina espiritual do jejum. “Para o profeta Isaías, jejum que não observa o direito dos empregados e não rompe com o jugo da desigualdade, não agrada a Deus”, explicou. Ele reportou-se ao profeta Isaías – o jejum que agrada a Deus é que vocês repartam a sua comida com os famintos, recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não têm e nunca deixem de socorrer os seu parentes (Isaías 58,6-7).
De nada adianta jejuar se o governo opta em dobrar os joelhos ao deus mercado. “É uma vergonha socorrer banqueiros enquanto o povo passa por dificuldades nesses tempos de Covid-19”, disse Marçal ao repórter Marcelo Santos, da Rede Brasil Atual.
Recorrendo ao conceito “guerra dos deuses”, desenvolvido em 1980 pelo Departamento Ecumênico de Investigações, da Costa Rica, que trata da batalha entre o deus mercado e o Deus da vida, Bruno Reikdal Lima, Doutorando em Economia Política Mundial pela Universidade Federal do ABC, assinala, em artigo para o GGN, que para o jejum ser verdadeiro é necessário que as relações de violência e exploração sejam transformadas. “Sem esse passo de arrependimento e mudança nas formas sociais, de nada adiantaria o rito”, frisa.
Também reportando-se ao profeta Isaías, Bruno Reikdal Lima comenta que “no caso do jejum ‘convocado’ aparece como falso a partir de uma tomada de posição, que o acusa por não cumprir o papel comunitário do ritual religioso: prática de reflexão e arrependimento do povo e suas lideranças dos caminhos tomados”.
Essa é a proposta original do jejum: “não como meio de fazer com que Deus se compadecesse e movesse sua mão, de modo que o jejum como sofrimento fosse o caminho sádico para que a divindade aceitasse cuidar de suas criaturas, mas como ritual de transformação das relações sociais até então dispostas”.
Lembrando a guerra dos deuses, Bruno Reikdal Lima indaga a qual das divindades a prática do jejum convocado por Bolsonaro serve? “Quais interesses cumpre? Qual o papel verdadeiro e efetivo que cumpre na comunidade que precisa se defender de uma pandemia?”-
A secretária-geral do Conselho Latino-Americano de Igrejas (Conic), a pastora evangélica luterana Romi Márcia Bencke, destacou, à Rede Brasil Atual, que “a melhor prática de jejum é o cuidado com o outro. Jejum não é sacrifício, mas é ação em oração”.
Até mesmo quem já apoiou Bolsonaro assumiu uma postura crítica diante do jejum por ele convocado. Nas redes sociais, o pastor e teólogo da Igreja Esperança de Belo Horizonte, Guilherme de Carvalho, escreveu: “Presidente pode pedir a autoridades religiosas para orar e cooperar com o país. Mas presidente não convoca autoridades religiosas nem pastores evangélicos. Ele não tem autoridade para isso. Temos aqui uma clara violação do princípio da soberania das esferas”.
A pastora Romi reforçou o argumento: “Em um Estado laico, não é papel do presidente da República convocar jejum e oração. A tarefa do presidente é seguir a Constituição, colocar toda a sua energia para resolver junto com os demais poderes instituídos esta crise gigantesca que está instalada no país”.
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Bolsonaro, de presidente a sumo sacerdote - Instituto Humanitas Unisinos - IHU