19 Dezembro 2019
O diretor cult está ao lado de Jeremy Corbyn, acusado de ser o artífice da derrota eleitoral de 12 de dezembro.
Fala isso sem pretensão: "Estamos sangrando. A do Labour é a pior derrota eleitoral que já testemunhei". No entanto, ele continua a defender Jeremy Corbyn, ou pelo menos "a linha política que ele e John McDonnell imprimiram ao partido: porque o blairismo não deve retornar". Ken Loach, autor de filmes inesquecíveis sobre o declínio da classe trabalhadora britânica, está em Bolonha para a prévia de seu último filme, Sorry, we missed you [Você não estava aqui, em português], mais uma denúncia dos danos da era neoliberal inaugurada há quarenta anos por Margaret Thatcher e – esta é sua sentença sem apelo - nunca questionada por Tony Blair.
Desta vez, no entanto, Loach não fala de mineiros, mas de uma figura muito moderna, o motorista de uma plataforma de comércio eletrônico que assiste impotente à desintegração de sua família enquanto trabalha como escravo para acompanhar o ritmo desenfreado das entregas, um trabalhador autônomo totalmente sujeito à ditadura do armazém central. Um soco no estômago, como todos os seus filmes. Que lhe rendeu os aplausos dos raiders bolonheses, os entregadores de bike que foram à Cineteca para assistir ao primeiro longa-metragem dedicado às consequências da "gig-economy" e contar ao diretor, que os ouvia atentamente, sua primeira embrionária experiência de sindicalização.
A entrevista é de Marco Contini, publicada por La Repubblica, 17-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sr. Loach, o resultado da eleição é incontestável: os conservadores venceram em todos os lugares, exceto em Londres, no sul de Gales e em algumas fortalezas industriais como Manchester, Birmingham e Liverpool. Como você explica um desastre dessas proporções?
As razões são muitas: desde a guerra interna desencadeada pela direita trabalhista desde que perdeu a liderança do partido, até o papel da mídia, mesmo aqueles próximos aos trabalhistas como o Mirror e o Guardian, que ajudaram a demonizar Corbyn com uma campanha de ódio, descrevendo-o como um extremista e um defensor do terrorismo, até o fato de que durante a campanha eleitoral se falava em tudo, exceto de programas.
Falando nisso, você não acha que os eleitores consideraram em geral a plataforma trabalhista demasiado “de esquerda”, como uma tentativa de retornar aos anos 1970?
Não, acho que não. Sobre os temas individuais - desde o relançamento do NHS (Serviço Nacional de Saúde, ndr), até o retorno à propriedade pública do sistema de transporte coletivo, à restauração da viabilidade sindical em todos os lugares de trabalho - a maioria dos britânicos afirma concordar. No máximo, e aqui certamente foram cometidos erros táticos, o Partido Trabalhista não conseguiu esclarecer quais fossem os pontos prioritários. O resultado é que o programa também apareceu como um conjunto muito elaborado de intenção, demasiado ambicioso e, como tal, irrealizável.
Um erro semelhante que Corbyn já havia cometido no referendo do Brexit, com uma posição incompreensível.
É verdade, mas aquele foi o resultado da paralisação interna do Partido Trabalhista, em que opiniões irreconciliáveis coexistiam: a ala direita do partido queria permanecer na União independentemente, havia aqueles que queriam permanecer na UE para mudá-la de dentro e aqueles que queriam sair. A verdade é que a esquerda nunca esclareceu completamente sua análise. Acredito que a UE seja uma união econômica que visa proteger os interesses das grandes empresas. E, no entanto, acho que o Reino Unido deveria permanecer dentro dela para mudá-la radicalmente. O problema é que ninguém nunca explicou como essa mudança poderia acontecer.
Essas são dúvidas comuns a muitos. Mas não são uma linha política. No referendo, o Partido Trabalhista se quebrou e agora - em uma eleição na qual Johnson fez do Brexit seu cavalo de batalha - apareceu mais uma vez sem uma linha clara.
O Partido Trabalhista deveria ter dito que aceitava o resultado do referendo, mas que rejeitava o acordo negociado por Johnson com Bruxelas porque era muito ruim. Ele tinha que dizer ‘ok, estamos saindo, mas com um acordo completamente diferente’. As pessoas teriam entendido, mas novamente, as divisões internas eram muito fortes.
Ainda assim, você continua a defender Corbyn. Você realmente acha que ele pode ficar à frente do Partido Trabalhista, mesmo depois de tal derrota?
Talvez não ele pessoalmente, mas o que importa é que o Partido Trabalhista não retorne à ala blairiana. Desde que foi liderado por Corbyn e McDonnell, o partido triplicou seus membros e finalmente começou a se preocupar com as questões sociais mais urgentes, como a pobreza desenfreada, a desintegração da saúde pública, a emergência habitacional, a precarização do trabalho e a erosão dos direitos dos trabalhadores. São questões inevitáveis. Basta pensar que na Grã-Bretanha existem 14 milhões de pessoas pobres e que no ano passado, com a coleta de alimentos, foram entregues 2 milhões e meio de pacotes de alimentos. Quem os recebe, cada vez mais, são pessoas empregadas: pessoas que têm um emprego e que, apesar de tudo, não conseguem nem mesmo alimentar a própria família.
Assista ao trailer legendado do novo filme de Ken Loach:
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A autocrítica de Ken Loach: “No Brexit, erramos, mas o Partido Trabalhista não volta aos anos Blair” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU