30 Novembro 2019
As Comissões de Direitos Humanos e Minorias, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados fizeram, nesta terça-feira (26), audiência pública para debater a o papel do Estado no enfrentamento do crime organizado que atua na exploração mineral de ouro dentro da Terra Indígena Yanomami, e as consequências sobre este povo em Roraima.
A reportagem é de Pedro Calvi, publicada por CDHM, 27-11-2019.
Depois da demarcação da Terra Indígena Yanomami em 1992, a Polícia Federal fez uma série de operações contra a invasão de garimpeiros que colocava em risco a sobrevivência dos indígenas. A falta de um plano de proteção e fiscalização para a maior terra indígena do país possibilitou que os garimpeiros ilegais se organizassem e, dessa forma, passaram a operar em rede de organizações criminosas no ritmo da cotação do ouro. A atividade de exploração mineral causou grande impacto social e ambiental. Por causa disso, as organizações indígenas denunciam sistematicamente os crimes cometidos.
Audiência pública das Comissões de Direitos Humanos e Minorias, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados. (Foto: Fernando Bola/CDHM)
A maior terra indígena do País tem quase 10 milhões de hectares e abriga os Yanomami e os Ye’kuana, além de já ter registrado outros 13 povos isolados perto da fronteira com a Venezuela. No entanto, a mesma região é alvo de 7 mil a 10 mil garimpeiros ilegais em busca de ouro às margens dos rios Mucajaí e Uraricoera.
Além do dano ambiental, a pesquisadora da Fiocruz Ana Vasconcellos listou o impacto do uso contínuo de mercúrio do garimpo sobre a saúde da população indígena, que vive da pesca nesses mesmos rios contaminados.
“O povo Yanomami vive em uma condição de quase ausência total do Estado, o que configura uma situação de vulnerabilidade social muito grande, caracterizada pelo acesso reduzido aos serviços de saúde e total ausência de saneamento básico”, diz Ana Vasconcellos.
“As aldeias não têm água potável, não têm plano de manejo de resíduos sólidos nem esgotamento sanitário. Existem estudos que mostram altos níveis de desnutrição infantil e alta prevalência de doenças respiratórias, como pneumonia e tuberculose; e outras doenças, como malária e tungíase. Todo esse cenário, com a adição de mais um fator de risco, que é a exposição ao mercúrio em todas as suas formas químicas – pode sim promover o desaparecimento do povo Yanomami em algum tempo”, explicou a pesquisadora.
Estudos da Fiocruz e de outros institutos de pesquisa já apontam níveis de mercúrio no sangue e no cabelo dos Yanomami acima dos limites aceitáveis. Além disso, 92% dos indígenas estariam expostos à contaminação.
O Fórum Yanomami-Ye’kuana também denuncia ações violentas dos garimpeiros, como estupro e aliciamento de indígenas para a exploração criminosa dos garimpos.
O Ministério de Minas e Energia calcula que o garimpo ilegal produza de 20 a 30 toneladas de ouro e fature até R$ 40 bilhões por ano, obviamente sem pagar impostos.
Desde 2012, a Polícia Federal realizou três grandes operações na terra Yanomami, onde prendeu mais de 300 invasores, apreendeu aeronaves e destruiu pistas clandestinas de pouso.
Chefe do Serviço de Repressão a Crimes contra Comunidades Indígenas (Seinc), o policial federal Luiz Porto admite que a região é alvo de um crime organizado com características bem específicas.
“Não é crime organizado como o PCC e o CV, mas o crime organizado de determinado circuito para regularizar o ouro e levá-lo para o exterior, esquentar nota fiscal e transformar o ouro em peças de arte ou barra. Envolve ourives, aeronaves, pilotos, empresas autorizadas pelo governo para negociar ouro. Teve empresa fechada em São Paulo e teve gente presa em São Paulo e em Goiânia”, afirmou.
Além do garimpo ilegal, as operações da Polícia Federal também focam na exploração ilegal de madeira e no consequente desmatamento na região.
A coordenadora internacional de Paz e Segurança do Instituto Igarapé, Adriana Abdenur, afirmou que esses criminosos se sofisticaram a ponto de usar tecnologias modernas, como darkweb, cibermoedas e drones. Segundo Adriana, as operações só terão êxito quando o garimpo ilegal e sua relação com outras modalidades criminosas forem tratados na condição de “crime organizado transnacional”.
“Apesar do crime que lesa o povo indígena, o meio ambiente e a União em bilhões, não há qualquer informação de condenação ou de ações compensatórias para os lesados. Pelo contrário, o único julgado pelo crime de genocídio, praticado em 1993, foi novamente preso por continuar praticando exploração mineral dentro da terra Yanomami sem ser definitivamente alcançado pela Justiça”, afima Joênia Wapichana (Rede/RR), que pediu a realização do encontro, pela CDHM.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) anunciou a liberação de cerca de R$ 700 mil do Orçamento da União para a reativação das bases de proteção etnoambiental (Bape) na Terra Indígena Yanomami. Uma delas deve voltar a atuar em dezembro.
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Violência, problemas para a saúde e meio ambiente: a exploração de ouro em território Yanomami - Instituto Humanitas Unisinos - IHU