21 Novembro 2019
O papa escolheu a região amazônica para testar movimentos como o da ordenação de homens casados ao sacerdócio
O artigo é de Michael Sainsbury, jornalista, publicado por La Croix International, 19-11-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Enquanto o Papa Francisco elabora a decisão polêmica (com a ala conservadora católica) para permitir que homens casados se tornem padres em áreas remotas da Amazônia, a viagem que fará este mês à Ásia pode ser a sua próxima ação para aquilo que, claramente, é o seu programa de reforma clerical.
Em particular, a maior parte dos bispos que participaram do Sínodo para a Amazônia em outubro deste ano concordaram sobre a ordenação de homens casados em circunstâncias especiais na região amazônica, onde fiéis que querem ir à missa e receber a Eucaristia não veem um padre durante meses, até mesmo anos.
É aqui que podemos entender o problema fundamental com a diminuição do clero restrito a padres celibatários. O objetivo maior do cristianismo é apresentar Jesus às pessoas através do trabalho pastoral do clero e da participação nos sacramentos. Restringindo este objetivo a uma classe de homens não casados, a Igreja restringe a sua capacidade de fazer aquilo que diz ser a sua finalidade. Críticos estridentes chegam a dizer que estas ideias são heréticas. Mas tal é o tipo de drama que se pode esperar de figuras clericalistas conservadoras. Portanto, deixemo-las de lado.
Precisamos seguir para onde o Papa Francisco está indo e entender o quanto de “radical” têm as suas ideias. Nesse sentido, pensemos: a última vez que um sínodo considerou a questão de homens casados como padres foi em 1971, no terceiro sínodo do Papa Paulo VI. Para a consternação dos católicos progressistas – e daqueles que se já se preocupavam com o declínio no número de vocações ao sacerdócio –, Paulo reafirmaria o celibato sacerdotal em 1967.
Em 1970, um grupo de estudiosos católicos, entre eles Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI, escrevia ao Papa Paulo:
“Os abaixo assinados, que através da confiança dos bispos alemães foram chamados como teólogos a uma comissão para questões de fé e moral, sentem-se compelidos a submeter as seguintes considerações aos bispos alemães”, escreveram.
“As nossas reflexões dizem respeito à necessidade de um exame urgente e de um olhar judicioso da lei do celibato da Igreja latina para a Alemanha e a Igreja universal como um todo...”.
Mas o sínodo de 1971 apoiou o papa na questão do celibato, embora com uma minoria contrária significativa, e o problema ficou esteve intacto por 48 anos até o Papa Francisco trazê-lo novamente à mesa de discussão.
O documento final do Sínodo dos Bispos para a Amazônia diz que muitos na região têm “enormes dificuldades” de receber a comunhão e de estar na presença de um padre.
A proposta final foi a de “ordenar como padres homens dignos e estimados da comunidade” que já tenham experiências “frutíferas” como diáconos e que “recebam uma formação adequada para o sacerdócio, tendo uma família legitimamente constituída e estável”.
“Nenhum padre é ordenado sem primeiro ser diácono”, disse o Cardeal Michael Czerny, acrescentando que essa proposta significava uma grande “mudança pastoral” para a Igreja.
Na sequência, haverá um documento que Francisco espera escrever no final deste ano. Como informou o sítio eletrônico oficial do Vaticano: “as suas conclusões serão ansiosamente aguardadas pelos fiéis que se perguntam se ele [o documento] incluirá uma abertura à suspensão de uma proibição aos padres casados, pelo menos em certas circunstâncias, em uma parte do mundo onde as igrejas evangélicas protestantes estão, cada vez mais, ganhando convertidos”.
Claro está que Francisco escolheu uma região amazônica remota como o lugar para testar reformas um tanto necessárias em países em desenvolvimento, nos quais a Igreja tem crescido e onde ele vê o futuro do catolicismo.
Isso se mostra particularmente pertinente no Brasil, país que possui o maior número de católicos, mas onde a Igreja sofre com os ataques dos cristãos evangélicos que crescem rapidamente em número.
Hoje, o aumento dos evangélicos, bem como de bolsões de católicos que vivem em áreas remotas, é uma temática forte na Ásia.
Na Tailândia, país que o papa visitará nos próximos dias, há sete principais tribos que vivem em áreas distantes. Os povos Hmong, Karen, Akha e Lisu têm milhares de católicos. Tais grupos étnicos e outros espalham-se por montanhas no sudoeste asiático (Bangladesh, Myanmar, Tailândia, Laos e Vietnã) e no sul da China.
Centro do catolicismo no continente, nas Filipinas grupos evangélicos têm uma presença significativa, e o mesmo acontece na Indonésia e no Camboja. O destaque vai para a Coreia do Sul, onde cristãos ricos usam a religião para criar redes de negócios e construir megaigrejas – prática também presente na China.
Os coreanos têm enviado missionários para as regiões sul e sudeste da Ásia. No começo deste na, a revista The Economist escreveu que o cristianismo pentecostal e evangélico cresce mais rapidamente na Ásia do que nas demais partes do mundo, alcançando um número acima de 200 milhões de fiéis em 2015, acima dos 17 milhões em 1970.
Isso vem ao encontro do raciocínio do Papa Francisco no sentido de ordenar homens casados ao sacerdócio.
Também é válido se perguntar se a China pode ser um país onde uma consideração a respeito de padres casados já se faz necessária. Pelo menos dois bispos chineses que o pontífice trouxe de volta ao contato com a Santa Sé têm famílias. Usando estes exemplos, sem dúvida é verdade que outros padres e provavelmente prelados no gigante asiático possuam arranjos familiares “não convencionais” que não se encaixam em um sacerdócio celibatário.
A Igreja chinesa tem lutado para conseguir padres e bispos o suficiente, enquanto o governo do Partido Comunista recentemente passou a reprimir a participação dos menores em missas, aulas bíblicas e outras atividades católicas.
Como disse Francisco no início do Sínodo dos Bispos: “Se tudo continuar como é, se passarmos nossos dias contentes que ‘esta é a maneira que as coisas sempre foram feitas’, então a dádiva desaparece, sufocada pelas cinzas do medo e da preocupação por defender o status quo”.
Claro que um dos obstáculos a mudanças desse tipo é o clericalismo rampante em quase todos os países asiáticos onde os líderes eclesiásticos – que amam a pompa e todas aquelas vestimentas – veem-se como partes de elites seletas e se estremecem com o horror da entrada de alguém “menor” ao clube. A ironia, evidentemente, se perde nestes homens.
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É a Ásia a próxima escala da reforma clerical do Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU