25 Setembro 2019
Entrevista com o prelado de Qiqihar (não reconhecido pelo governo), um ano depois da assinatura sobre as futuras nomeações dos pastores: "A comunidade católica clandestina foi formada para salvaguardar a integridade da fé, da qual faz parte a comunhão hierárquica com o Papa. Agora, foi realizado o desejo de poder caminhar em plena e pública comunhão com o Sucessor de Pedro. Por isso, a escolha de dar continuidade à Igreja clandestina não tem mais sentido ou razão.”
A entrevista é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 22-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé", escrevia São Paulo na segunda carta a Timóteo. Um acento similar pode ser ouvido nas palavras de Joseph Wei Jingyi, bispo católico de Qiqihar, da província de Heilongjiang, no nordeste da China. Bispo chamado de "clandestino", isto é, não reconhecido como tal pelo governo de Pequim e pelos seus aparatos.
Em 22 de setembro de 2019, exatamente há um ano, foi assinado um acordo provisório entre a Santa Sé e o governo chinês sobre os procedimentos para a nomeação de futuros bispos católicos na China. Há quem diga e escreva que as comunidades católicas chinesas "clandestinas" se sentiram decepcionadas e traídas pelo Acordo China-Santa Sé. Em vez disso, nas palavras de Wei, vibra um acento de vitória. O sentimento agradecido de quem não esconde os problemas do presente e não esquece as tribulações do passado. Mas lembra de ter atravessado também os tempos da perseguição com o único pedido de poder preservar sua comunhão com o Papa, como um traço não acessório da fé católica. E agora humildemente reconhece que aquela comunhão com o Sucessor de Pedro pode ser vivida e confessada na frente de todos, e não deve mais ser escondida como uma culpa.
Como pastor da Igreja Católica na China, quais são os efeitos mais significativos que você vê advindos do acordo assinado há um ano entre o governo chinês e a Santa Sé?
O fruto e o efeito mais importante é o fato de que o perigo da divisão entre a Igreja da China e a Igreja universal desapareceu. Agora, todos os bispos chineses estão em plena comunhão pública com o Papa.
Na China foram percebidos com clareza os critérios e as razões que guiaram a Santa Sé até a escolha de assinar o acordo?
A Igreja é fundada na fé dos apóstolos e a sua natureza é apostólica. Para preservar essa natureza, era necessário salvaguardar a comunhão dos bispos com o Papa, que é o sucessor de Pedro. A continuidade da presença da Igreja Católica na China nunca foi interrompida desde o final da dinastia Ming. Mas no período em que as ordenações episcopais ilegítimas eram celebradas, a continuidade dessa comunhão foi posta à prova.
As ordens ilegítimas a ameaçavam. A Igreja de Jesus Cristo não quer vê-las, nem a Igreja na China quer mais vê-las! O acordo foi alcançado graças ao Espírito Santo. Foi ele quem convenceu a Santa Sé e a China a assinar o Acordo, que é útil para proteger e preservar esse tesouro. A Igreja fundada por Jesus Cristo, que hoje caminha junto com o Papa Francisco, não tem nenhum objetivo político ou diplomático.
Existem aspectos que o deixam com algumas dúvidas sobre o acordo e a dinâmica aprovada?
Não. Não tenho nenhuma reservas e não tenho nenhuma dúvida.
Na China, existem bispos e comunidades clandestinas. E continuam a celebrar os sacramentos por conta própria, sem se unir aos irmãos das igrejas e comunidades abertas. O que você pensa desse fenômeno? E como deve ser enfrentado?
O Acordo Provisório entre a Santa Sé e o governo chinês sobre a nomeação de bispos chineses deixou no passado a história da autoeleição e auto-ordenação dos bispos chineses que eram escolhidos e consagrados sem a aprovação do Papa. E assim foi removido o obstáculo à plena unidade na fé. Mas há aqueles não conseguem aderir imediatamente à nova situação, porque as amarguras acumuladas ao longo de tantos anos de laceração ainda são muito fortes. É por isso que, por enquanto, em algumas situações ainda não se pode caminhar juntos. Em outros casos, existem impedimentos legais e canônicos.
Quais impedimentos?
Por exemplo, existem bispos que foram reconhecidos pelo Papa como bispos em uma determinada região, e se criaram situações de sobreposição entre os territórios confiados a esses bispos e as áreas até agora guiadas em nível pastoral pelos bispos já nomeados e ordenados com o consenso do Papa, mas que ainda não receberam o reconhecimento como bispos pelos aparatos governamentais. Nesses casos, será necessário ajustar as coisas do ponto de vista canônico e jurídico.
Existem outras situações especiais?
Em outros casos ainda, alguns sacerdotes gostariam de se registrar junto às autoridades civis para poder atuar livremente nas paróquias, mas isso não é permitido, porque os escritórios políticos locais repetem que esses padres ainda não adquiriram as condições burocráticas necessárias. Cito, por exemplo, a recente ordenação episcopal do bispo coadjutor de Hanzhong: ali havia padres "clandestinos" (não registrados nos órgãos civis) que queriam participar da ordenação, mas não receberam permissão do governo local. Naturalmente, não excluo que também existam pessoas que pretendem permanecer separadas das outras por cultivar interesses pessoais.
Como você julga as "Orientações" sobre o registro civil do clero publicadas pela Santa Sé? Eles foram úteis para aqueles que estavam confusos ou indecisos? Ou foram recebidos com desconfiança?
As "Orientações" sobre o registro com o governo civil eram necessárias e foram muito oportunas. Através do estudo e da comunicação, conseguimos entender melhor como considerar a política religiosa na China. Mas a China é enorme. As situações são muito diferentes, dependendo do local. Além disso, a abordagem e a compreensão da situação pelos diferentes sacerdotes diferem de um caso para outro, e muitas vezes as conclusões alcançadas são distintas. O mesmo se aplica aos funcionários do Estado.
A que se refere?
Muitos funcionários não possuem instrumentos adequados para entender e explicar adequadamente a política religiosa do governo. Acontecem transferências de pessoal que muitas vezes não levam em consideração as competências adquiridas ao longo do tempo. Sobre isso, há muito a melhorar, mesmo no nível de simples conhecimento do que seja a Igreja Católica. Dou um exemplo: recentemente, um funcionário público do governo local, enquanto conversava com um padre católico recém conhecido, perguntou-lhe com candura: que trabalho sua esposa faz?
Você é um bispo não reconhecido pelo governo. É verdade, como dizem alguns, que os católicos chamados "clandestinos" se sentem traídos e abandonados pelo Papa e pela Santa Sé?
Não nos sentimos de forma alguma traídos pelo Papa e pela Santa Sé!
Na escolha dos bispos, as comunidades católicas locais continuam formalmente a desempenhar um papel, sob o controle dos órgãos políticos. Como você julga isso? É compatível com a doutrina católica a respeito da sucessão apostólica?
Não há incompatibilidade com a doutrina católica do episcopado. Nos dois mil anos de história da Igreja, houve várias maneiras de indicar o bispo. O grande Santo Ambrósio, reverenciado como padre e doutor da Igreja, foi escolhido como bispo de Milão pela população, por aclamação, e depois foi ordenado de acordo com os procedimentos exigidos. Na China, então, é razoável levar em consideração o governo local para a escolha de um bispo.
Por quê?
O bispo não é apenas o chefe da Igreja local, ele também é uma figura pública. Tanto a Igreja como o governo local não querem ter situações de conflito entre o bispo e as autoridades políticas locais. A qualidade da relação do bispo com o governo local tem efeitos sobre a vida da Igreja naquele local e também pode influenciar seu desenvolvimento. De qualquer forma, saber quem e como influi sobre a escolha do bispo certamente tem sua importância, mas é mais importante que o bispo seja nomeado pelo Papa e que ele esteja em comunhão com todo o Colégio Episcopal e com a Igreja universal.
Você é um bispo não reconhecido pelo governo. No entanto, quis organizar com os padres de sua diocese um encontro com funcionários políticos da Frente Unida. Você pode nos contar sobre essa experiência?
Não conhecemos o texto e os detalhes do Acordo provisório assinado pelo governo chinês com a Santa Sé sobre a nomeação de bispos. Mas estamos cientes de que, para alcançar o acordo, o governo chinês deve ter reconfigurado sua política religiosa. Caso contrário, não teria sido possível chegar ao Acordo. Por isso, fiz esse pedido aos líderes do governo da província: podemos convidar vocês a organizar um curso para nós, para nos ajudar a entender a política religiosa atual? Eu pensei que isso também daria ao governo local a oportunidade de conhecer nossa comunidade católica. Assim, com o compromisso conjunto do governo local, tanto no nível provincial quanto municipal, foi organizado um curso para os sacerdotes da diocese. O curso foi realizado sob a supervisão da Frente Unida central e do governo da província. No início de junho, um alto funcionário da Frente Unida Central de Pequim veio até nós e deu uma palestra sobre política religiosa hoje e os relativos regulamentos.
O que eles disseram sobre as questões mais controversas?
Sobre a questão da independência, autonomia e autogestão da Igreja na China, solicitada pelo governo, o oficial do Departamento do Fonte Unido central explicou que aqueles três termos se referem à esfera política, econômica e à gestão dos assuntos eclesiais. Ele repetiu que sacerdotes, religiosos e todos os católicos chineses ‘devem ser independentes de entes estrangeiros em conduzir a gestão dos assuntos religiosos internos à China, e ninguém pode usar a Igreja Católica para interferir nos assuntos internos da China”. Mas ele enfatizou que tudo isso não se refere à doutrina, às práticas pastorais e à grande disciplina eclesial. O funcionário disse que os padres chineses rezam pelo Papa todos os dias durante a missa. E que nossa independência e autonomia não significa que devemos ser independentes da Igreja universal. Ele mesmo disse que ‘a Igreja Católica na China faz parte do corpo da Igreja universal, e é uma só com ela’. Ele insistiu que, na fé, somos "um só com a Igreja universal. E não deve haver nenhuma diferença!’ E ele esclareceu que isso também é reconhecido pelo governo e pelo Partido.
Então, depois do acordo e das "orientações", ainda é necessário mover-se fora das regras impostas pelos aparatos políticos para permanecer no cerne da Igreja Católica?
Na China, a Igreja chamada ‘clandestina’ foi formada para garantir que a fé católica fosse salvaguardada em sua integridade e completude. Existiu para preservar a comunhão dos bispos com o Papa. Naquela época, os princípios de independência, autonomia e autogestão eram usados para ordenar bispos sem o consenso do Papa, portanto, para nos separar dele, e percebíamos que tudo isso era contra a nossa fé. Mas agora o Papa reconhece e nomeia os bispos escolhidos. O novo bispo está em plena comunhão com o Papa, isso mudou tudo! Não há mais bispos ilegítimos! Pode-se seguir o lema ‘amar a pátria, amar a religião’. Também os princípios de independência, autonomia e autogestão, aplicados à Igreja, podem encontrar outra explicação. Não se contradiz mais a fé.
Quais poderiam ser as consequências futuras de tudo isso?
Repito: para mim, pessoalmente, a comunidade católica clandestina na China foi formada para salvaguardar a integridade da fé, da qual faz parte a comunhão hierárquica com o Papa, numa época em que, sobretudo, as ordenações episcopais sem mandato pontifício laceravam a comunidade católica chinesa e pareciam querer separá-la do Papa. Agora, foi cumprido o desejo de poder caminhar em plena e pública comunhão com o Papa. Por isso, a escolha de dar continuidade à Igreja clandestina não tem mais sentido ou razão.
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O bispo ‘clandestino’ Wei: o acordo China-Santa Sé foi um dom do Espírito Santo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU