03 Setembro 2019
As estreitas relações entre os poderes executivos e legislativos com o setor do agronegócio ganham maior visibilidade pública com a adoção de medidas favoráveis às grandes corporações. Apenas nos oito meses de governo Bolsonaro (PSL) o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) liberou novos 290 registros de agrotóxicos, recorde histórico. Com a pasta sob comando da ruralista Teresa Cristina e a ocupação de diversos assentos no Congresso Nacional por expoentes do agronegócio, organizados em torno da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), o governo faz fortes acenos de favorecimento ao mercado dos agrotóxicos.
“Temos um governo que eu chamo de representação corporativa. Ele fala que é democrático, mas não é. É uma representação corporativa, com grandes corporações incrustadas nos governos federais, estaduais e inclusive municipais. Boa parte dos prefeitos e secretários municipais são do agronegócio, assim como os governadores”, diz o médico, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Pignati.
No intervalo das atividades da 18ª Jornada de Agroecologia do Paraná, realizada em Curitiba entre os dias 29 de agosto a 01 de setembro, Pignati conversou sobre as doenças resultantes da contaminação por agrotóxicos, a avaliação dos impactos para a saúde pela nova classificação dos insumos químicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a comparação entre restrições para o Brasil e países da União Europeia, entre outros temas.
Médico e professor, Pignati aponta conjunto de enfermidades resultantes do contato com agrotóxicos. (Foto: Abrasco)
Para ele, a resposta ao aumento de doenças em decorrência da ampliação do uso de agrotóxicos não é a construção, em todos os municípios, de hospitais para o tratamento do câncer. “É lógico que precisamos muito de recursos para [atendimento aos casos de] doença, mas não vai ser implementando hospitais de câncer em todos os municípios que vamos melhorar a saúde, ao contrário. Temos que atacar nas causas, fazer prevenção e usar de um sistema de precaução previstos nas normativas”, diz.
A entrevista é de Alan Tygel, Ednubia Ghisi e Lizely Borges, publicada por Terra de Direitos, 30-08-2019.
Quais são as doenças mais evidentes na população brasileira em decorrência da contaminação por agrotóxico?
A primeira evidência é a intoxicação aguda, a segunda é malformação genética ou fetal e a terceira é câncer infanto-juvenil. Depois vem outros agravamentos neurológicos, como Parkinson, que são derivados desta contaminação do agronegócio através do agrotóxico. Temos evidencias de que as maiores regiões produtoras, que usam mais agrotóxico, estados como Mato Grosso, Paraná, Mato Grosso do Sul, entre outros, são onde a incidência dessas doenças é duas a três vezes maior do que outras regiões que usam menos agrotóxico.
Entre os agricultores, quais são as culturas mais nocivas pelo manejo de agrotóxicos?
Se considerar uma média no uso de pesticidas, inseticidas, herbicidas, fungicidas você vai ter a soja com cerca de 17 litros por hectare, o milho cerca de 6 por hectare, a cana com cerca de 5 litros por hectare, o algodão 28 litros e o fumo com 60 litros por hectares.
Há estudos no campo da saúde que comparam a qualidade de vida de quem consome produtos orgânicos com a de quem consome produtos convencionais?
Sim, há vários estudos inclusive americanos e ingleses no qual paga-se para famílias só comerem orgânicos, transgênicos, agrotóxicos ou sem. E os resultados são evidentes que sem o consumo de agrotóxicos a qualidade de vida melhora, as doenças crônicas diminuem e algumas doenças agudas - como intoxicações e distúrbios alimentares e intestinais, alergias, asmas - diminuem bastante com uso de orgânicos, sem agrotóxicos.
Por que esses estudos não ganham evidencia pública no Brasil?
Você tem uma indústria de agrotóxicos, junto com fertilizantes e sementes transgênicas, junto com agronegócio, que só visa o lucro. Eles se utilizam destes produtos numa lógica de uma cultura química dependente para dar mais produtividade por hectare, só que já veem diminuindo esta produtividade e então cada vez mais vão utilizando agrotóxicos mais tóxicos, intoxicando a população e o meio ambiente. Então a gente propõe uma redução no uso dos agrotóxico e uma transição agroecológica para outro modelo de produção de alimentos, porque a maioria não produz alimentos e sim produz mercadoria para vender e não se preocupa com a qualidade dos alimentos.
Como o senhor percebe o comportamento do agronegócio brasileiro e também das multinacionais que atuam no Brasil na comparação com outros países? Tem muitas diferenças?
Tem muitas diferenças. Se você colocar a União Europeia, por exemplo, em comparação ao Brasil a diferença é grande. Boa parte dos agrotóxicos produzidos lá são consumidos aqui, mas não nos países produtores. Cerca de dois terços de agrotóxicos que o Brasil utiliza são proibidos na União Europeia. E os limites permitidos para presença dos agrotóxicos nos alimentos ou na água são muito diferentes também. Por exemplo, o glifosato – o agrotóxico mais usado no Brasil – o [limite de presença na água] é de 0,1 micrograma por litro, aqui é permitido 500 microgramas por litro. A gente tem que discutir isso porque a Vigilância na Saúde está funcionando mal e o agronegócio, que funciona com o governo, quer saber do lucro. A nós nos resta as doenças, com a poluição do ambiente e o SUS que vai pagar por isso.
O Ministério da Agricultura diz que o agronegócio é sustentável, é verdade isso?
Pergunto para quem é sustentável? É pra eles, que querem lucro cada vez mais. O que tem se mostrado dos 1500 municípios pesquisados pelo Ministério da Saúde mostra que a água potável de cerca de um terço [destes municípios] tem agrotóxico acima do permitido, um terço está abaixo e apenas um terço não tem agrotóxico. Que agronegócio é esse que polui as águas! E isso é importante para a vida vegetal e humana. Cerca de 70% do nosso corpo é feito de água. Se a água potável está contaminada isso vai nos adoecer e quem está contaminando é o agronegócio.
É possível dimensionar como a nova classificação da Anvisa pode impactar na saúde humana, com a recategorização de agrotóxicos de alta toxidade como de menor toxidade, pela nova classificação?
É possível prever um aumento de doenças porque metade dos agrotóxicos liberados estão classificados como extremamente tóxicos. Mesmo que o Mapa tenha feito a reclassificação, colocando em seis níveis, eles [os agrotóxicos] são extremamente tóxicos. E isso vai piorar a situação de intoxicação aguda, câncer infanto-juvenil, das malformações, distúrbios endócrinos e neurológios, baixa da imunidade e uma série de doenças relacionadas a isso. Então a tendência é piorar a situação sanitária da população brasileira.
Ainda que a pauta dos agrotóxicos tenha ganho um aumento de espaço na agenda pública, o que impede que esse tema ganhe o debate à altura da gravidade do problema dos agrotóxicos no Brasil?
Temos um governo que eu chamo de representação corporativa. Ele fala que é democrático, mas não é. É uma representação corporativa, com grandes corporações incrustadas nos governos federais, estaduais e inclusive municipais. Boa parte dos prefeitos e secretários municipais são do agronegócio, assim como os governadores. E grande parte do governo federal está preocupada em fazer com que o Brasil se desenvolva destruindo, desmatando, acabando com as terras indígenas, para plantar produtos que não são alimentos, eu falo que são mercadorias – como soja, cana, algodão, madeira, milho – para exportar para equilibrar uma balança que nunca vai ser equilibrada. Isso faz com que [os impactos] do agronegócio e dos agrotóxicos sejam encobertos porque a maioria das mídias encobre porque recebem recursos do governo e das empresas para fazer uma propaganda ao contrário, dizendo que o agronegócio é sustentável e que não causa doenças.
Como construir práticas individuais e coletivas de resistência ao passo que o governo adota uma política de incentivo e apoio ao mercado de agrotóxicos?
Estamos participando da Jornada de Agroecologia e aqui discutimos a transição agroecológica, essa é uma opção. A ação para diminuir o uso do agrotóxicos, principalmente os extremamente tóxicos, proibir no Brasil os agrotóxicos proibidos na União Europeia, proibir a pulverização área, respeitar a legislação. Você tem toda uma legislação que fala que a pulverização área deve respeitar a distância mínima de 500 metros das residências, de mananciais e áreas de preservação ambiental. Já a legislação para pulverização terrestre prevê distância mínima de 90 metros, em alguns estados é de 300 metros, e não são respeitadas. E [realizar a] divulgação dos resultados. Por que os dados sobre a contaminação da água e dos alimentos ficam escondidos? Tanto o governo federal quanto os estaduais e municipais escondem. É preciso com que haja organização, vigilância à saúde – com participação da sociedade organizada – para pressionar para que se melhore a saúde. É lógico que precisamos muito de recursos para [atendimento aos casos de] doença, mas não vai ser implementando hospitais de câncer em todos os municípios que vamos melhorar a saúde, ao contrário. Temos que atacar nas causas, fazer prevenção e usar de um sistema de precaução previstos nas normativas.
Parte importante dos estudos sobre agrotóxicos tem sua origem nas universidades. Qual impacto do desmonte da pesquisa realizada pelas universidades públicas para a produção conhecimento sobre os agrotóxicos?
Sou médico da saúde e professor da universidade, [venho da área] da saúde e do MEC [Ministério da Educação]. Os dois tem piorado muito os investimentos tantos para assistência quanto para a pesquisa, com cortes grandes já realizados. É uma perspectiva ruim. Se a gente não faz pesquisa como vai melhorar a vida? Porque o outro lado, os empresários do agronegócio, tem dinheiro para pesquisa para ganhar dinheiro. Nós não estamos interessados em ganhar dinheiro, nós estamos interessados em manter a vida e melhorar a sua qualidade.
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“Temos um governo que é uma representação corporativa dos agrotóxicos”. Entrevista com Wanderlei Pignati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU