28 Agosto 2019
Herve Kempf é um jornalista francês especializado em meio ambiente. Trabalhou no jornal parisiense Le Monde e é atualmente editor-chefe da revista Reporterre, especializada em questões ecológicas. Algumas de suas obras tiveram grande repercussão, como: Para salvar o planeta, liberte-se do capitalismo (2010) e Como os ricos destroem o planeta (2011).
Mirador Provincial falou exclusivamente com esse notável pensador e referência em sua matéria a nível mundial. Kempf estava de férias no interior da França, no departamento de Lozera, no Sul desse país. Após tentativas frustradas via Skype e outra via WhatsApp, o jornalista nascido em Amiens (150 quilômetros ao norte de Paris) respondeu as perguntas por e-mail.
A entrevista é de Hernán Alvarez, publicada por Mirador Provincial, 26-08-2019. A tradução é do Cepat.
Você escreveu vários livros. O último é de 2013. Quais foram as questões que mudaram de 2013 para cá, em relação ao capitalismo e ao consumismo?
O que é louco é que, apesar da crise financeira de 2008, que emergiu de uma incrível especulação bancária, o sistema capitalista permaneceu essencialmente inalterável e não é questionado de forma alguma. O que mudou é que as evidências de catástrofes ecológicas se tornam cada vez mais evidentes, ano a ano. O capitalismo se tornou cada vez mais autoritário e repressivo, com líderes como Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no Brasil, Narendra Modi, na Índia, mas também Emmanuel Macron, na França, que reprime violentamente movimentos de protesto, como os coletes amarelos.
As tensões sociais estão aumentando devido à degradação ecológica, desigualdades que estão se tornando insuportáveis e ataques à liberdade cometidos por regimes autoritários e capitalistas. Revoltas em Hong Kong, Rússia, França com coletes amarelos, Argélia. O movimento juvenil por uma política climática real está crescendo, pelo menos na Europa.
Você escreveu que o capitalismo não pode mais existir. Quais são as alternativas políticas ao capitalismo no século XXI?
Ou o capitalismo autoritário permanece em seu lugar e nos conduz ao caos ecológico, que nos leva a situações sociais muito duras, onde uma minoria dos ricos tentará manter seus privilégios, ao confinar o resto da humanidade à pobreza. Ou podemos sair desse sistema mortal reduzindo bastante as desigualdades e procurando uma economia de baixo consumo de material. A chave seria consumir menos e compartilhar mais.
As ondas de calor na França ajudam a aumentar a conscientização sobre o desastre que este modelo econômico está causando?
Sim, absolutamente. As pessoas estão se conscientizando de que são as mudanças climáticas. Não é mais uma teoria. Tornou-se um fenômeno que afeta a vida cotidiana.
Essas claras advertências ajudam as pessoas a ficarem mais conscientes?
Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos, como a onda de calor na Europa, neste verão de 2019, os gigantescos incêndios florestais na Sibéria (quando fizemos essa matéria, os incêndios na região amazônica não haviam sido deflagrados), inundações na Índia. A sociedade está mais consciente do fenômeno da degradação ecológica e climática, mas infelizmente as classes dominantes parecem surdas e cegas.
Na sua opinião, países como Índia e China devem estabelecer leis para reduzir o crescimento populacional?
Índia e China são grandes países e um europeu não deve lhes dizer o que devem fazer. O melhor que os países europeus têm a fazer é ser o mais ambientalmente amigável possível, para mostrar que a prosperidade e o respeito pelos limites do planeta andam de mãos dadas. Este seria um exemplo mais claro do que qualquer conselho que fosse dado por outros.
Você se considera um objetor do crescimento. O que é isso?
Isso significa que o crescimento econômico não pode continuar. Porque? Porque o que mede o aumento, o produto interno bruto (PIB), não leva em conta o ambiente natural, que se tornou exponencialmente frágil e que os seres humanos devem usar inevitavelmente. O PIB se tornou um instrumento enganoso do estado real da economia, que não pode mais esquecer a natureza. Portanto, buscar seu crescimento é perigoso e prejudicial.
Os meios de comunicação podem mudar a imagem positiva que o consumismo possui?
A primeira coisa que os meios de comunicação podem fazer seria ... parar de publicar publicidade! A publicidade é realmente a primeira maneira pela qual o consumismo é imposto a todos. Sem publicidade, no entanto, o sistema dos meios de comunicação terá que ser transformado, porque a publicidade é atualmente uma das principais fontes de financiamento. Mas, é possível, e realmente traz mais leitores. Na França, somos alguns meios de comunicação, como Mediapart e Reporterre, o site que administro, que vivemos sem publicidade e somos financiados pelos leitores.
Este século é crucial em termos ecológicos?
É vital. E ainda mais as primeiras décadas deste século. Se falharmos em parar rapidamente o crescimento das emissões de gases do efeito estufa e a destruição dos ecossistemas, não tenho dúvidas de que a sociedade humana global entrará em problemas graves.
Como é possível romper o círculo do capitalismo de produção, vendas e consumo?
Não sei. Parece tão poderoso que não vejo uma saída. Mas, em 1988, quem teria dito que três anos depois a União Soviética deixaria de existir?
A classe média está silenciada e ontrcolada em muitos países?
Está muito fortemente influenciado pelos meios de comunicação, que estão em grande parte nas mãos de bilionários com interesses financeiros. Os meios de comunicação a fizeram sonhar com uma melhora no padrão de vida. Então, quando isso não é cumprido e as pessoas começam a desafiar o sistema, é onde se usa a repressão.
O que o cidadão comum pode fazer para mudar essa situação?
Cultivar sua liberdade de consciência e seu olhar crítico. Conseguir o máximo de informações possível dos meios de comunicação independentes das forças financeiras. E se comprometer com movimentos ecológicos, políticos e sociais. Ou pelo menos apoiá-los.
Aqui, na Argentina, a agricultura é feita principalmente com muitos herbicidas. Quais são as opções para esse modelo?
A agricultura orgânica está progredindo cada vez mais. Está provando que é uma resposta confiável aos desafios agrícolas. Mas isso, obviamente, implica uma mudança no sistema. Muito menos produtos e máquinas e mais trabalho humano. Essa evolução implica que consideremos propriedades agrícolas com áreas menores, o que sem dúvida implica em reforma agrária. A agricultura orgânica não é adequada para grandes propriedades.
Como um país como a Argentina pode mudar seus problemas de pobreza, sem crescer economicamente?
Não conheço a Argentina o suficiente para dar uma opinião precisa. Mesmo antes da questão do crescimento, há um problema de distribuição de riqueza, porque o nível de desigualdade na Argentina é muito alto, embora menor do que no Brasil e Chile. Idealmente, se deveria buscar um crescimento moderado e estável, com uma distribuição muito melhor da riqueza e um movimento em direção a uma agricultura, transporte e política energética mais amigável com o meio ambiente.
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“Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos”. Entrevista com Herve Kempf - Instituto Humanitas Unisinos - IHU