27 Junho 2019
"Deveríamos colocar em nossas cabeças que a política muda de ideia apenas quando lhe convém e, no máximo, usa fotos como pretexto e desculpa, quando lhes convém. Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política."
O comentário é de Michele Smargiassi, jornalista italiano, apaixonado pela história e cultura da imagem, publicado por La Repubblica, 26-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o comentário.
Outra foto que "indigna as consciências", outra foto que "muda as escolhas políticas". Outra foto que não o fará. Oscar Alberto Martinez e sua filha Angie Valeria estão de rosto para baixo na água barrenta do Rio Grande, como Aylan Kurdi estava naquela cor de esmeralda do mar Egeu. Falou-se sobre essa foto que ela mudou a política europeia em relação aos migrantes.
É muito fácil, anos depois, concordar com Abdullah Kurdi, pai do pequeno Aylan, quando disse que a retórica sobre a fotografia de seu filho afogado era vazia, "os políticos disseram nunca mais, mas as pessoas continuam a morrer e ninguém faz nada”. A prova é o horrendo retorno daquela morte icônica. Deveríamos colocar em nossas cabeças que a política muda de ideia apenas quando lhe convém e, no máximo, usa fotos como pretexto e desculpa, quando lhes convém. Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política.
Oscar Alberto estava com medo de perder Angie naquela confusão. Ele literalmente tinha enfiado a menina dentro de sua camiseta. Ele ainda a abraça. Ela veste shorts vermelhos e sapatos, talvez com velcro como os de Aylan. A história se repete em farsa, mas os ícones se repetem em ferocidade. Centenas morrem ao longo daquela fronteira. Alguém escreveu que a morte é um assunto privado. Mas Oscar Alberto e Angie não morreram de um acidente de natação, morreram tentando escalar um muro construído pela política. Não há fato mais público do que a morte de um migrante morto pelo muro que o repele.
Que pelo menos não se peça para censurar a imagem. Por medo do que possa fazer para nós. Vamos nos perguntar o que poderíamos fazer para evitar outras imagens como esta. Uma tarja preta aparece nas mídias sociais quando você tenta compartilhar a foto: "Atenção! Esta imagem poderia ferir sua sensibilidade!” Vamos esperar que o faça. Que a fira muito, mas muito, que a faça sangrar. Melhor os pesadelos que provoca ter visto esta fotografia, do que aqueles que podem ocorrer por tê-la ignorado.
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Não peçamos que as fotografias façam o que nós deveríamos fazer. Mudar a política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU