21 Fevereiro 2019
"Essa grande sinergia amazônica ou 'Onda amazônica do Bem' é muito maior do que o governo brasileiro e a elite colonial que ainda sobrevive às custas do Brasil", adverte o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida - OLMA.
A Amazônia sempre serviu a interesses externos e secundários, seja pelos enfoques econômicos via integração comercial de exploração/exportação de matéria prima, seja pela ótica da soberania nacional com políticas desordenadas de controle e ocupação. Para as populações tradicionais da floresta e para própria biodiversidade, restaram historicamente apenas as consequências negativas dessa gananciosa relação entre governantes/empresários e a natureza.
A Amazônia brinda o Brasil como o país com maior biodiversidade do mundo. Os seus mais de 240 povos indígenas representam a gênese de toda nossa riqueza cultural. Há anos tais populações resistem multiplicando suas culturas, protegendo e mantendo a floresta em pé, em contracorrente ou apesar dos ataques do agronegócio, do descaso das políticas públicas e da conivência dos órgãos de controle e fiscalização.
Recentemente uma grande sinergia ou onda muito forte uniu-se à resistência desses povos e a múltiplas vozes já existentes. Embalados pela Encíclica Laudato Si', propagada pelo Papa Francisco, centenas de pessoas e instituições formaram um bloco coeso e forte de proteção à Amazônia. Fruto dessa articulação surgiu a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) articulada entre todos os países que compartilham seus territórios com a floresta.
No Brasil essa “Onda sinérgica do Bem” se espalhou como um rizoma (sistema de raízes intercomunicado) incontrolável de pessoas e instituições pensando o Bem da floresta em conjunto com seus povos. Este movimento sinérgico do Bem não é novo, vem sendo cultivado há anos por aqueles que pensam em um mundo mais justo e igualitário, sabendo da importância da Amazônia para isso.
Entre 2016 e 2017 centenas de instituições e dúzias de centenas de pessoas reuniram-se em Cuiabá (MT), Porto Velho (RO), Manaus (AM), Miracema (TO), Marabá (PA), Lábrea (AM), Imperatriz (MA), Zé Doca (MA), Cruzeiro do Sul (AC), Santarém (PA), Altamira – Xingu (PA), Roraima e Rio Branco (AC) pensando e vivendo os desafios da Amazônia através dos Seminários da Laudato Si'.
Refletindo sobre a dominação histórica que se opera sobre a Amazônia, os seminários reforçaram os pontos de fortaleza e resistência das culturas locais, como a agricultura familiar e projetos ecológicos, assumindo “a Ecologia Integral, buscando a sustentabilidade e o cuidado com o ambiente e as pessoas, nos comprometendo com as próximas gerações, que herdarão nossa Casa Comum”. (p. 6).
Obviamente, ao levantar as questões agrárias, a deterioração da qualidade de vida nas cidades amazônicas, a falta de saneamento básico, o modelo de desenvolvimento gerador de desigualdades aliado a ideia de um (falso) progresso, que desconsidera o direito dos povos e a necessária consulta prévia no que diz respeito às principais problemáticas que afetam a Amazônia, está-se denunciando a omissão e a malícia dos governantes. Trata-se justamente da Raiz Humana da Crise Socioambiental.
Essa “Onda do Bem” tornou-se muito forte, descentralizada, movida por motivações verdadeiramente humanas e desta vez e neste caso, antecipou-se às garras do poder. Não é à toa o impacto de preocupação causado junto às forças militares, políticas e empresariais, que assumiram o poder no país. Preocupação figurada ao longo das últimas semanas pela notícia vexaminosa das escutas e grampos protagonizados por agências estatais de inteligência às conversas de Bispos da Igreja Católica.
Isto é fruto do medo e da preocupação de quem sente perder o quinhão exploratório daquilo que subsidia há décadas a política de grande parte da elite brasileira: a grilagem de terra e o agronegócio instalado na Amazônia, que chega a ser de caráter peçonhento.
Mas, por que querem frear a “Onda do Bem” na e pela Amazônia?
Não há mais o que possam fazer, pois juntaram-se nesta onda milhares de pessoas, grupos e organizações em todo o território nacional. E mais, a maré já transbordou e extrapolou os parâmetros brasileiros. O chamado pela proteção da Amazônia, seus povos e sua biodiversidade chegou, de alguma forma, a boa parte dos aproximadamente 1,3 bilhões de católicos espalhados pelo mundo, em todos os continentes.
Essa grande sinergia amazônica ou “Onda amazônica do Bem” é muito maior do que o governo brasileiro e a elite colonial que ainda sobrevive às custas do Brasil.
Desejam frear as consequências da onda, propagando a política do medo transvestida no discurso da soberania nacional. Afirmam que “quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil”, mas não percebem que essa “Onda do Bem” vem justamente de nossas bases, de nossas comunidades, de nossas terras, de centenas e centenas de participantes dos seminários ao longo dos últimos dois anos. Estes repercutem em milhões de pessoas e grupos por dentro e por fora da Pan-Amazônia.
Essas múltiplas vozes potencializadas ao longo destes seminários vem se firmando nos mesmos compromissos dos povos tradicionais, levando-os agora ao Sínodo sobre a Amazônia: Defesa dos direitos e da vida das comunidades tradicionais e urbanas; Apoio a alternativas sustentáveis; Barreira aos abusos de poder; Luta contra a destruição da vida em vários níveis; Defesa da consulta prévia, livre e informada sobre os projetos que ocorrem dentro das terras tradicionais; Combate ao abuso e à exploração de crianças; Denúncia das violações aos Direitos Humanos; Mobilização das universidades brasileiras em prol de uma agenda amazônica e sustentável no campo científico; Consolidação de uma economia da biodiversidade; Cuidado das juventudes; Acolhida e integração dos migrantes; Busca de regularização fundiária; Apoio à criação de comitês populares de bacias; Luta por melhores políticas públicas; Em suma, fomento de formas de Bem Viver.
Foram estes os compromissos construídos ao longo dos 15 seminários, nos nove estados amazônicos da federação, articulando centenas de pessoas em 56 dioceses. Compromissos humanos, conscientes, relevantes. Por isso, uma “Onda do Bem”.
Quem não quer o Bem!?
Quais os interesses daqueles que não querem esse tipo de Bem?
Eles não disfarçam o temor, buscando encontrar maneiras de como frear a “Onda do Bem” na Amazônia. Mas, graças a Deus, não há como estancar o grande rio apenas com uma pequena cuia, não é mesmo!?
Por todos os “Chicos” e por todas as “Dorothys”!
OLMA- Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida
Referências:
Encíclica Laudato Si –Papa Francisco
Seminário Geral – REPAM Brasil, 2017.
Sínodo: Amazônia, novos caminhos para a igreja e para uma ecologia integral: Rodas de Conversa. - REPAM
Síntese das Cartas Compromisso do Seminários Laudato Si - REPAM
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Amazônia: Por que querem frear a “Onda do Bem”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU