30 Janeiro 2019
Marielle e Mônica: lésbicas, católicas e militantes.
O testemunho de Mônica Benício, arquiteta urbanista, ativista dos direitos humanos e de LGBT, e mestranda em arquitetura na PUC-Rio, viúva de Marielle Franco, publicado por Diversidade Católica, 27-01-2019.
Descobrir um amor, em sua simplicidade e beleza, em um espaço de encontro com o que temos de melhor, de solidariedade e de crença em um mundo melhor como a Igreja. Quem não seria grato por esta oportunidade? E para nós não foi diferente. Marielle e eu nos conhecemos no pátio da Igreja Católica que frequentávamos e nos deparamos com este amor mútuo, sincero e vivo em nós! O amor se apresenta de muitas formas em nossas vidas, se transforma e se ressignifica a todo tempo. E foi o que aconteceu conosco. Aquele amor que se consolidou através de uma amizade profunda, adquiriu novos significados para nós. Companheirismo, sonhos compartilhados e desejos em comum.
E o que fazer com tudo isso, sentimentos intensos e bonitos, que aprendemos em nossa formação católica a nutrir pelo próximo, mas que quando se apresentam para nós nos dizem que não podemos vivenciá-los, que é errado, que é pecado? Foram tempos de conflitos e contradições entre o que aprendemos e o que sentíamos uma pela outra e o que nos diziam que podíamos ou não viver. Escolhemos viver. Viver pelo amor e com amor. E isso em momento algum abalou nossa fé, mas nos fez perceber que os percalços enfrentados para estarmos juntas, para nos permitirem nos amarmos teriam que ser enfrentados em todos os espaços de nossas vidas. Isso significou encarar família, amigos, sociedade e muitas instituições, entre elas a Igreja.
Infelizmente, no Brasil e no mundo a Igreja Católica é permeada majoritariamente por setores conservadores que entendem o amor LGBT como pecado. Que julgam mais que amam, que afastam e expulsam mais que acolhem. Mas a fé se restringe a uma instituição? Para nós não! Marielle e eu crescemos católicas na Maré, numa igreja com pastorais sociais, comprometida com a mudança do mundo e superação das desigualdades. Do pré-vestibular comunitário as lutas contra os abusos de autoridades, a vivência católica que tínhamos era de uma reafirmação cotidiana do evangelho onde o Cristo veio para estar ao lado dos marginalizados.
Nós havíamos conhecido um Deus de amor e uma fé que acolhe, e por isso, Marielle, muito mais que eu, seguia afirmando-se como lésbica e católica. Passamos a lutar pelo reconhecimento de que nosso amor existe, que as nossas famílias existem! E após sua execução é o que sigo fazendo: reafirmando a magnitude de nosso amor e lutando em diferentes frentes pelo nosso reconhecimento, pelo direito de amar, para que ninguém mais sofra o que sofremos, para que pessoas deixem de se afastar de seus lares, percam emprego, sejam violentadas de diversas formas ou até mortas simplesmente por amarem. E ainda crendo nos ensinamentos que tive, de um Deus Humano, que passou por aqui e nos ensinou com os seus exemplos de vida o significado das palavras perdão, justiça, amizade, renovação, coragem, partilha, entre outras, que sigo confiando no importante papel que a Igreja Católica e seus fiéis têm na defesa desse Deus e do amor que ele nos ensinou. O legado dele é um legado que renova os nossos corações e nos faz seguir na luta para que tenhamos novas chances de viver de forma intensa o amor em todas as suas manifestações. Sigamos colocando amor em tudo o que fazemos e construindo um mundo mais justo para todas, todos e todes. A paz de Cristo.
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“A fé no amor!”: o testemunho de Mônica Benício sobre Marielle Franco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU