28 Janeiro 2019
Total de mortos em Brumadinho já chega a 37, quase o dobro de Mariana, onde a mineradora ainda responde por crimes na Justiça. Empresa foi multada em 250 milhões de reais por Ibama e teve 11 bilhões de reais bloqueados.
A reportagem é de Heloísa Mendonça e Carla Jiménez, publicada por El País, 27-01-2019.
Foi difícil para Minas Gerais superar a dor das 19 mortes em Mariana, região metropolitana de Belo Horizonte, quando a barragem se rompeu e a lama de dejetos devastou o local, comprometendo o ecossistema da região até os dias de hoje. Passados três anos, o sentimento de traição volta à baila no Brasil, em especial entre os mineiros. A Vale, mineradora fundada nos anos 1940 e que faturou quase 34 bilhões de dólares em 2017, foi capaz de permitir que uma tragédia ainda maior que a de novembro de 2015 acontecesse em Brumadinho, com o rompimento da barragem da Mina do Feijão. Já são 37 mortes confirmadas. O número certamente irá subir, com a notícia de que a lama de rejeitos da mineradora alcançou um raio considerável. “Certamente há um culpado [pela tragédia de Brumadinho], ou mais de um culpado e o Ministério Público precisa trabalhar de forma adequada, sem espetacularização, na busca dos responsáveis pela tragédia”, disse a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que esteve em Brumadinho neste sábado.
Mais direto, o ministro da Advocacia Geral da União, André Mendonça, colocou no colo da Vale o peso da tragédia. “ Há uma responsabilidade pelo que aconteceu. A responsável por isso, pelo risco do próprio negócio, é a Vale do Rio Doce”, disse Mendonça. O prefeito de Brumadinho, Avimar Barcellos, foi na mesma linha. Para ele, a responsabilidade pelo colapso em sua cidade é da Vale, assim como do Estado, responsável pelo licenciamento das barragens. “A Vale nunca fez nada para nós. Nem a Vale e nem o Estado”, comentou o prefeito, para quem é esperado que a mineradora seja cobrada à altura.
Mendonça, da AGU, disse esperar o levantamento dos órgãos técnicos que vão verificar a extensão dos danos para saber como serão adotadas as medidas de responsabilidade “civil, administrativa e até mesmo criminal”, completou o ministro. Por ora, a Justiça estadual acolheu o pedido do governo de Minas Gerais e do Ministério Público do Estado de bloquear 11 bilhões de reais da mineradora.
Mas para além do papel da mineradora, surgem dúvidas, ainda, sobre o papel dos órgãos ambientais que concederam licenciamento para que a barragem da mina do Feijão funcionasse normalmente com vistas a participar de um plano de expansão do complexo de Paraupeba, que inclui outras barragens além da do Córrego do Feijão. Em dezembro de 2018, a companhia logrou aprovar o projeto na Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) por 8 votos a 1, segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo. Houve, ainda, uma flexibilização da licença, que deveria ser grau 6 – cuja concessão de licença acontece em três etapas – para grau 4, que exige uma só etapa. “A responsabilidade [pela tragédia em Brumadinho] é compartilhada”, opina Maria Teresa Corujo, única a votar contra a ampliação do complexo, em entrevista a agência Pública. Representante do Comitê de Bacias Hidrográficas, Corujo diz que cabe ao Estado licenciar e fiscalizar empresas.
“Nós estamos em uma situação catastrófica porque temos um estado (Minas Gerais), qualquer que seja o governo, que dá pareceres a favor de conceder licenças para projetos minerários com barragens, mas diz que não tem responsabilidade sobre o que o empreendedor apresenta nos estudos, sobre a tecnologia, e sobre as barragens”, diz ela. Outras instâncias, como o Departamento nacional de Produção Mineral, deveriam fazer o papel de fiscalizar as barragens, mas não tem funcionários suficientes, segundo Corujo. “E nós temos barragens sendo licenciadas e ampliações a rodo. Ninguém querendo pagar o papel do que aconteceu”, completa.
O Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, disse que todos os alvarás e licenças relativas a Brumadinho estavam em ordem. Depois desta tragédia, porém, admitiu que procedimentos precisarão ser revistos. O general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, seguiu a mesma linha. “É urgente que as barragens no Brasil inteiro que ofereçam maior risco sejam submetidas a uma nova vistoria”. Ele não deu prazo para isso. Heleno também falou em "mudar" o protocolo do licenciamento de barragens: “Algo está falhando".
Segundo a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, há mais de três anos especialistas alertavam para o grave risco existente em inúmeras barragens do país, tanto em virtude da falta de gestão adequada quanto também de fiscalização eficiente.
Enquanto se estabelece um campo de batalha para apontar culpados, familiares encararam a dor infindável de buscar seus entes desaparecidos ao longo do sábado. Além de funcionários diretos e terceirizados que se encontravam no local na hora que a barragem rompeu, pessoas que viviam no entorno também foram atingidas. Muitos familiares reclamavam do descaso da Vale e do desencontro de informações no local. “O mais angustiante é não ter notícia do meu marido seja ela qual for”, lamentava Lucilene Ferreira na Estação Conhecimento, um espaço da Vale, usado para receber familiares e amigos de pessoas que estão desaparecidas. Ferreira encontrou o nome do companheiro Emerson José Augusto da Silva, que trabalhava como terceirizado da mineradora, em uma lista de pessoas que a empresa não conseguiu fazer contato. Ela reclamava, no entanto, por mais informações: “O que significa isso? Ele ainda pode ser encontrado?”
O sentimento dela era compartilhado por dezenas de pessoas que também acudiram ao local em busca de novidades, mas saíam sem respostas concretas e muitas em prantos. Algumas não achavam o nome do parente em parte alguma. Mariana Dias da Conceição, 28 anos, veio de Barbacena, a 180 km de distância, atrás de informações do irmão, que trabalhava na mina como auxiliar de segurança no momento do rompimento da barragem. Para o seu desespero, no início da tarde, ela continuava esperando por uma mínima novidade. Conceição chegou a ser atendida por uma psicóloga voluntária que trabalhava na Estação Conhecimento.
Carine não conseguia notícias da irmã Camila Aparecida da Fonseca Silva, de 16 anos. A jovem trabalha na pousada Nova Instância, em Brumadinho, onde 35 pessoas são dadas como desaparecidas pelos bombeiros. O estabelecimento é um dos mais luxuosos da região e o preferido dos artistas que visitam o museu de Inhotim. “Como ela não era funcionária da Vale eles não estão preocupados. Tem chances de ter alguém lá. Se eles não querem ir lá que libere a família, a gente vai procurar até encontrar”, dizia Carine consternada. “Era o primeiro emprego dela, não tinha nem um mês, e acontece uma coisa dessas”, lamentava a irmã.
Ao longo do dia, era grande o número de voluntários que tentavam ajudar os parentes e amigos de vítimas, muitos em choque com a situação. Havia também guichês onde as famílias podiam conferir as listas de pessoas encontradas e desaparecidas e, também, fornecer dados. As buscas foram interrompidas no final do dia, e serão retomadas a partir das 4 da manhã deste domingo.
O acidente ganhou destaque no mundo todo, e atraiu a solidariedade do premiê israelense Benjamin Netanyahu, que telefonou para o presidente Jair Bolsonaro. “Ofereci ajuda de Israel para a assistência na busca de sobreviventes”, escreveu o premiê no Twitter. Segundo o presidente Bolsonaro, Israel vai emprestar tecnologia avançada para colaborar na busca de desaparecidos.
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Reincidente, Vale sente o peso de escrever novo capítulo trágico em Minas Gerais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU