28 Novembro 2018
A impressão é de que não se sabe como tratar a dimensão da sexualidade; isto é, de que faltam as categorias antropológicas adequadas para lê-la e ressignificá-la adequadamente para os jovens e para todos os fiéis.
O comentário é de Gilberto Borghi, Sergio Di Benedetto e Sergio Ventura, em artigo publicado por Vino Nuovo, 23-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois de evidenciar as aquisições do Sínodo sobre os jovens, não se pode deixar de notar algumas feridas (ainda) abertas e ligadas ao impulso dado pelo Sínodo a formas eclesiais em que um “estilo sinodal” [121] – de “sinodalidade missionária” [118] – possa se tornar mais factível e eficaz “como modo de agir e de ser (...) em todos os níveis” [119; cfr. também 128].
De fato, esse é o primeiro lugar em que o Sínodo não conseguiu encontrar uma formulação final que pudesse receber um consenso plebiscitário. Os votos de discordância, bastante altos (embora sempre sensivelmente inferiores a um terço), indicam que as resistências à mudança sobre esse ponto ainda são notáveis e dizem respeito, provavelmente, a expressões como aquela segundo a qual “a Igreja é chamada a assumir um rosto relacional” [122] ou também quando se diz que “cada um tem algo a aprender”: “Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma” [122].
Porém, é significativo o fato de ter posto sobre a mesa propostas e indicações segundo as quais a sinodalidade, por um lado, não se esgota na dimensão do episcopado, mas deve se abrir à “corresponsabilidade” e à “contribuição dos fiéis leigos” [123]; por outro lado, realiza-se não apenas quando a Igreja é convocada sobre temáticas específicas, mas também, justamente, como modalidade ordinária de gestão das decisões eclesiais, para a qual os “responsáveis eclesiais” deverão receber uma “formação específica” [124], desde quando são “candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada” [163]. Ainda estamos na metade do caminho, mas parece se perfilar uma direção sobre isso.
Certamente, algumas afirmações fortes sobre a sinodalidade, por exemplo entendida como “método com o qual a Igreja pode enfrentar antigos e novos desafios, podendo reunir e fazer dialogar os dons de todos os seus membros, a começar pelos jovens” [144] e “por quem se encontra às margens” [124], têm amplas potencialidades, se forem seguidas por aplicações concretas e operacionais, enquanto correm o risco de se tornarem slogans se permanecerem confinadas apenas ao âmbito verbal.
Sobre o tema em questão, ainda restam alguns impulsos contraditórios: se, por um lado, de fato, evidencia-se a riqueza de uma abordagem sinodal, também no âmbito do acompanhamento, que valorize em primeiro lugar a dimensão feminina [115]; por outro, registram-se certas ênfases insistentes em relação ao papel de liderança do ministro ordenado, ao qual se remete, enfim, também no processo de acompanhamento, a responsabilidade das ações e escolhas individuais [93; 96].
Uma segunda ferida aberta diz respeito ao lugar que a interioridade de cada fiel individual pode e deve ter na Igreja, ou seja, aquele que biblicamente é chamado de “coração” [106] ou, em termos paulinos, “consciência” [107]. É provável que a dificuldade para aceitar uma dimensão sinodal ampliada e ordinária da Igreja esteja conectado também à dificuldade de reconhecer como a consciência do indivíduo é verdadeiramente portadora da Palavra de Deus.
O tema, abordado pelo Sínodo dentro do conceito mais amplo de discernimento, na realidade, mostra, no texto final, como a questão está aberta não somente em relação às formas com as quais um jovem pode fazer escolhas vocacionais, mas muito mais em relação ao modo do fiel de viver a fé e as escolhas éticas – não é por acaso que o trecho da GS 16 é “recitado” em um texto oficial da Igreja [107].
E o lembrete à necessidade de formar a consciência do indivíduo, óbvio e necessário no sentido do “cuidado da interioridade” através do silêncio, da leitura da Bíblia, da prática dos sacramentos e do bem, do exame de consciência [108] – ou, no caso, o apoio psicológico [99-100], não parece ser tão forte como em outros textos anteriores, nem mesmo quando se lembra nesse documento o papel da mediação eclesial na formação da consciência pessoal [109].
Aqui também, porém, o Sínodo não encontrou uma solução de “ampla maioria”, e o problema permanece em aberto, pois corre o risco de entrar em rota de colisão com o reconhecimento da escuta do jovem como, respectivamente, ato e lugar teológico. Mas, pelo menos, o documento final tem o mérito de trazê-lo novamente à luz, sobre a mesa das discussões relevantes.
Por outro lado, dar corpo a um Sínodo no qual os fiéis individualmente tenham palavra eficaz, com base na sua vida de fé, refletida na sua consciência, significaria reconhecer a cada pessoa real, de carne e osso – para além e antes do papel eclesial exercido –, que a própria vivência de fé, feita também de percepções, sensações, emoções e sentimentos, tem valor como lugar em que Deus fala a essa pessoa e, por isso, também à Igreja.
Em vez disso, ao ler o documento, parece que a corporeidade afetivo-sexual, no seu “entrelaçamento profundo” com a “educação para a fé” [133], é um conceito “imposto” ao Sínodo pelas evidências inegáveis que ela tem nas vivências dos jovens [37]. Isso representa a terceira ferida aberta.
A impressão é de que não se sabe como tratar tal dimensão humana; isto é, de que faltam as categorias antropológicas adequadas para lê-la e ressignificá-la adequadamente, para os jovens e para todos os fiéis, não conseguindo mostrar suficientemente “a beleza da visão cristã da corporeidade e da sexualidade, assim como emerge a partir da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério dos últimos papas” [149].
Um claro testemunho disso é a modalidade com que essa dimensão corpóreo-afetivo-sexual é abordada em relação às escolhas vocacionais: quase unicamente para evidenciar os riscos ligados aos (inegáveis) “comportamentos de risco” e a uma “abordagem tecnocrática ao corpo” [37 ]. O que mostra toda a apreensão, a extrema prudência e um senso de temor com que o Sínodo tentou pegar na mão essa “batata quente”, mas sem conseguir torná-la comestível, ou, melhor, sempre voltando ao problema de como educar os jovens para a “recepção dos ensinamentos morais da Igreja” [38].
De fato, também é verdade que se tentou reconhecer o fato de que “a moral sexual é causa de incompreensão e de afastamento da Igreja, por ser percebida como espaço de juízo e de condenação” [39], ou que “já existem em muitas comunidades cristãs caminhos de acompanhamento na fé de pessoas homossexuais [que] o Sínodo recomenda favorecer” [150], mas também é verdade que esses parágrafos do documento subiram às honras das manchetes pelo número de non placet superiores à média.
Também nesse sentido, a Igreja é um hospital de campo, mas em um campo em que os dois lados que se enfrentam, talvez, ainda não compreenderam totalmente as modalidades de uso do remédio da misericórdia...
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Sínodo dos jovens: as feridas abertas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU