21 Outubro 2018
Casos de intolerância motivaram a Rede Feminista de Juristas a dar voz para quem foi calado pelo medo.
A reportagem é de Natália Silva, publicada por CartaCapital, 22-10-2018.
As agressões e ameaças chamaram a atenção da Organização das Nações Unidas, que declarou em comunicado estar "profundamente preocupada" com o clima de violência nas eleições do Brasil. Desde a facada sofrida por Jair Bolsonaro no dia 6 de setembro, diversos episódios de violência foram registrados no país.
A ONU solicitou um posicionamento dos líderes nacionais. “Pedimos aos líderes políticos e àqueles com influência que condenem publicamente qualquer ato de violência durante este período eleitoral delicado, e chamem todos os lados para que se expressem de forma pacífica e com o total respeito pelos direitos dos demais", disse a porta-voz da organização Ravina Shamdasani.
Além da polarização e da intolerância, o uso das redes sociais como ferramenta de mobilização também tem marcado a eleição de 2018. Pensando nisso, a Rede Feminista de Juristas (DeFEMde) decidiu utilizar a internet para dar voz a quem foi calado pelo medo das agressões. Através da campanha #VotePorMim a DeFEMde tem reunido relatos anônimos sobre as eleições e as apreensões que cercam o futuro do país.
De acordo Mariana Serrano, advogada e integrante da DeFEMde, o lema da campanha é a empatia como uma ferramenta democrática. “A barreira ideológica tem cegado a possibilidade de compreensão”, afirmou. O anonimato, nesse sentido, é uma forma de dar voz não só a pessoa por trás de um relato, mas a várias que não tem encontrado o espaço do diálogo.
A DeFEMde entende que o descontentamento do cenário político não deveria se traduzir em ódio numa democracia, descrita no manifesto da #VotePorMim como “uma invenção social para resolução de conflitos sem violência”. As juristas também ressaltam que o discurso violento de candidatos reverberam na sociedade, legitimando ações como a que vitimou Mestre Moa.
A #VotePorMim tem reunido relatos desde o dia 9 de outubro através de um formulário online e publicado os materiais anônimos nas redes sociais. As histórias coletadas até hoje vão desde relatos de violência até diálogos bem sucedidos, todas conectadas com o contexto eleitoral ou pautas abordadas pelos candidatos, como os direitos da comunidade LGBT.
No último sábado saí da minha casa por volta das 13:00 para ir pra aula de direção. Estava chegando no ponto de ônibus, quando a lotação encostou no ponto. Corri e dei o sinal para a lotação, mas o motorista estava olhando para o lado oposto. Assoviei para que ele me visse. Sem sucesso.
Assoviei novamente e ele me olhou com ódio, abriu a porta e me disse: "você está pensando que sou cachorro pra me chamar assoviando? Respondi: "o senhor estava olhando para o outro lado e eu estava dando sinal".
Neste momento, ele me xingou de vagabunda e ordenou que eu descesse do ônibus. Eu não desci, pois estava no meu direito. Ele desligou o ônibus e disse que não continuaria a viagem comigo. Eu disse para que ele chamasse a polícia. Ele ligou o ônibus e saiu. Ao descer do ônibus o motorista me disse que votaria no Bolsonaro para poder dar um tiro na minha cara.
Sou imigrante, não tenho direito de voto no Brasil. O único país em América com esta restrição.
Nasci e cresci em ditadura, vi o medo nos olhos da minha mãe muitas vezes, soube de amigos cujos pais foram assassinados, parte da minha família foi exilada. Sou mãe de um menino nascido no Brasil, amo a liberdade que este país me deu e agora vejo com dor como ele está se transformando em algo que vai contra a sua essência.
Sou tua vizinha, tua amiga, tua sobrinha, tua cunhada, tua esposa, tua mãe. Sou quem veio por amor.
Eu estava parado na Alameda Santos, esquina com a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, em São Paulo, esperando o farol de pedestre abrir para atravessar. Passou um ônibus bem devagar e de sua janela dois homens brancos, que aparentavam ter 25 anos, começaram a jogar objetos em mim e gritar “viado bigodudo, seus dias estão contados”. Ninguém ao redor se mexeu. Nem eu.
Mãe, eu lembro quando estava na universidade e não me conformava como meus pais não haviam lutado contra a ditadura militar, mas tentava entender quando você dizia que não se sabia o que se passava, que as informações não chegavam. O que eu não entendo é hoje você vendo o tipo de argumento do Bolsonaro, o tipo de país que ele quer construir e ainda apoiar isso.
Para mim é muito difícil, pois vejo como um atentado direto à minha pessoa, militante feminista, petista, atuante em movimentos sociais, e de grande parte das pessoas que eu amo e que são fundamentais para mim.
Quando ouço o discurso de ódio que domina as pessoas que apoiam o Bolsonaro não reconheço minha mãe que sempre me ensinou a tratar com dignidade e respeito todas as pessoas, independente de sua classe social. Não reconheço a mãe que se incomoda profundamente com a pobreza, miséria e desigualdade. Não reconheço uma mãe que sabe a minha vida sim estará sob risco com um cara desses no poder. Não porque é porque ele apoia as privatizações e eu acredito que serviços estratégicos devam ser controlados pelo estado. Não porque ele apoia uma política econômica que aumentará a pobreza.
É porque ele faz apologia a matar pessoas como eu, a acabar com algo que eu acredito profundamente, a democracia. É por apoiar uma cultura de estupro e violência contra as mulheres, que faz o andar na rua um risco constante, entre tantas outras coisas.
Mesmo você votando em candidatos que diferentes dos meus nas últimas décadas, eu sempre te respeitei. Mas, agora não te respeito. E o pior de tudo? Está afetando profundamente a nossa relação. Esse discurso de ódio é completamente tóxico e não te reconheço. E não entendo. E não aceito. E bom, não sei lidar com isso nada bem. Acho que você precisa saber disso.
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Juristas reúnem relatos anônimos de violência nestas eleições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU