11 Outubro 2018
O desafio dos fundamentalismos, os missionários, as verdades aprendidas com os pobres: fala o padre Timothy Radcliffe, grande teólogo inglês dominicano que em 24 de outubro trará seu testemunho para o Centro PIME de Milão.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada por Mondo e Missione, 01-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
“A fé? É uma busca e uma viagem que nunca acabam, exatamente o oposto das certezas simples oferecidas hoje por todas as formas de fundamentalismo". Desde 2001, quando terminou o seu mandato como Mestre Geral da Ordem, o padre Timothy Radcliffe vive na comunidade dominicana da Universidade de Oxford. Sua palavra brilhante e profunda, no entanto, o leva pelo mundo todo, naquele ministério da pregação que é uma marca de sua família religiosa. Mas em um mundo como o de hoje, onde os fundamentalismos destilam suas verdades, o que significa anunciar Jesus Cristo? É sobre esse tema que o padre Radcliffe falará na quarta-feira, 24 de outubro, no Centro Missionário PIME de Milão, na última das noites do outubro missionário de 2018. Vamos começar por esse ponto a entrevista para Mondo e Missione.
Padre Radcliffe, em sua opinião qual é a forma mais perigosa de fundamentalismo hoje? E como responder como cristãos?
O fundamentalismo permeia toda a modernidade. Trata-se daquela tendência de ver tudo com o olhar redutivo de um único ponto de vista, guiados por uma única forma simples de descrever o mundo. O fundamentalismo científico pretende que a única verdade seja a da ciência; o fundamentalismo econômico olha para os seres humanos como se fôssemos apenas consumidores ou vendedores; e depois há o fundamentalismo nacionalista, religioso ... São todos sintomas do mesmo impulso de tentar descrever a realidade em termos de uma única perspectiva. Talvez hoje o populismo - que é outra forma de fundamentalismo, de tipo político - seja a face mais perigosa na Europa, porque é rápido em identificar os estrangeiros como perigos. Mas a fé em Jesus derruba todo fundamentalismo, porque buscamos uma verdade que está sempre além das nossas palavras. Não é por acaso que nos aproximamos a essa verdade através dos quatro Evangelhos, não apenas um. Precisamos de poesia e arte para olhar dentro do mistério.
"Amarás o seu próximo como a ti mesmo", diz o Evangelho. Quem é o nosso próximo Europa enraivecida de hoje?
O estrangeiro que vem de longe, mas também a pessoa que tem medo do estrangeiro. A reação à imigração está dividindo as sociedades europeias. Não conseguimos falar sobre esse assunto com respeito e atenção mútua. Acredito que, se acolhermos o estrangeiro em nossa casa, seremos enriquecidos. Mas devo tentar entender também aqueles que têm medo dos migrantes e as suas inseguranças. Acolhemos os estrangeiros em nossa casa, mas também precisamos estar próximos de quem se sente deixado para trás nessas nossas sociedades. Para aqueles não veem nenhum futuro e não se sentem em casa.
Como Mestre Geral dos Dominicanos - e mesmo nos últimos anos – o senhor conheceu muitos missionários no Sul o mundo. Qual desses encontros mais lhe impressionou e por quê?
Fiquei impressionado muitas mais vezes do que eu poderia contar ... Mas lembro-me principalmente das minhas visitas a Argélia e ao Iraque. Eu fiquei no Iraque durante duas semanas antes do Natal e fiquei impressionado com o trabalho das Irmãs Dominicanas que ensinam em nossos institutos. Sua resposta é a melhor possível para o fundamentalismo: ensinar as pessoas a pensar. Quando vejo cristãos e muçulmanos sentado lado ao lado na amizade, aprendendo juntos, naquele momento eu realmente espero que um novo Iraque possa ter nascido.
O que o senhor diria a um missionário que está prestes a partir para viver e pregar o Evangelho em lugares onde os cristãos são uma minoria em meio a outras comunidades ou onde a perseguição não é absolutamente uma eventualidade remota?
Um dos meus coirmãos disse que o missionário não é o homem que nunca desfaz a mala; o missionário jogou fora a mala. Normalmente, os missionários não partem com grandes projetos em mente sobre o que devem fazer. Esperam descobrir o que lhes será pedido, como verdadeiros servos. Claro, o diálogo inter-religioso é sempre uma prioridade: com pessoas de outras religiões, não devemos fingir que acreditamos nas mesmas coisas. As diferenças são belas. Eu acredito que nós devemos oferecer a riqueza da nossa fé com confiança e aceitar os dons dos outros com humildade. Tenho a maior admiração pelos missionários que partem para lugares perigosos. Eu também os visitei muitas vezes, mas nunca parei por longos períodos. Quando os monges trapistas foram mortos na Argélia fomos visitar nossos coirmãos que viviam ali; dissemos a eles que os apoiaríamos tanto se decidissem ficar como partir. Eles poderiam decidir livremente. Fiquei feliz em saber que todos escolheram permanecer, incluindo Pierre Claverie, bispo de Oran meu coirmão, que depois seria morto também como mártir. Quando lhe perguntaram por que ele ficava, ele respondeu que a Argélia era crucificada e nós devíamos ficar ao pé da cruz, como Maria e o discípulo predileto. Apenas ficar ali.
A Arquidiocese de Milão está vivendo um sínodo sobre o tema "Igreja das pessoas" dedicado à contribuição específica de imigrantes cristãos oriundos de outros continentes em nossas comunidades. A partir de sua experiência na Grã-Bretanha, como o senhor vê esse desafio?
Blackfriars, minha comunidade, faz parte da Universidade de Oxford, e muitos dos estrangeiros que se encontram lá são estudantes ou professores, portanto não típicos imigrantes das grandes cidades como Londres. Nossa missa dominical é cheia de pessoas vindas de todo o mundo. Somos uma comunidade local, muito envolvida no ensino e no estudo, mas também uma expressão daquela comunidade universal que é a Igreja. Precisamente essa combinação de local e global nos diz algo importante sobre o nosso sermos cristãos.
Nós pertencemos a uma pequena comunidade de pessoas que conhecemos os rostos e nomes, mas também da grande comunidade da Igreja, composta de santos e pecadores, de vivos e de mortos. A nossa comunidade também adotou uma família de muçulmanos sírios: os laços de amizade que se criaram são muito lindos.
Temos também o Boat - Blackfriars Overseas Aid Trust – que oferece ajuda às comunidades nos países do sul do mundo. Este ano, a nossa prioridade é para as Irmãs Dominicanas do Iraque, que realmente se tornaram parte da comunidade, dos nossos corações e das nossas mentes.
O Papa Francisco não se cansa de convidar a Igreja a escutar a voz dos pobres. O que significa esse apelo para um teólogo hoje?
Eu visitei muitos lugares marcados pela guerra e pobreza, mas estou bem ciente de viver em Oxford, em um lugar privilegiado em termos de riqueza e segurança. Às vezes, lamento o fato de não viver entre pessoas que realmente sofrem de pobreza, porque eu sei que elas têm muito a me ensinar. Em primeiro lugar, gratidão. Lembro-me de ter sido acolhido em um bairro violento de Bogotá, na Colômbia, por uma mulher chamada Maria. A sua casa era apenas uma folha de metal encaixada em uma rocha, mas ela me acolheu como se eu tivesse chegado ao Castelo de Windsor. Uma mulher cheia de gratidão pelo que havia recebido, apesar de não ter quase nada. E, além disso, a esperança. No livro de Oséias, o Senhor diz: "Eu levarei Israel para o deserto, e ali lhe falarei." Muitas vezes, nesses lugares marcados pela guerra ou pela pobreza, encontrei irmãos e irmãs que viviam com um esperança alegre que já não somos mais capazes de desfrutar no mundo a abundância. Em 1988, eu me lembro que passei uma noite sem dormir em Bagdá, esperando por um bombardeio aéreo dos EUA e Inglaterra. Na manhã seguinte, eu perguntei ao meu coirmão Yussuf Mirkis, agora arcebispo de Kirkuk, se ele tivesse conseguido dormir. Ele respondeu: "Se você mora perto da morte por tanto tempo, a questão não é mais se você vai morrer ou não, mas a sua fé na Ressurreição." As pequenas preocupações são levadas embora.
Neste mês de outubro, os bispos de todo o mundo se reunirão em Roma para o Sínodo sobre os jovens. O que o senhor espera que resulte desse evento?
"Passei o último mês na Austrália, realizando palestras para centenas de professores que falaram muito de suas esperanças e seus temores sobre os jovens. Primeiro de tudo, temos que confiar nos jovens. São Domingos confiava em seus jovens noviços e os enviava a pregar mesmo quando eles mal tinham começado suas vidas em ordem. Santo Agostinho dizia que nos tornamos velhos e que o nosso Deus é mais jovem que nós. Portanto, a confiança nos jovens deve ser uma característica do cristianismo. Não devemos pedir-lhes para que sejam como nós, tomar o nosso lugar e fazer o que nós fazemos. Eles são uma nova geração e, portanto, serão diferentes. Espero que o Sínodo entregue aos jovens um grande desafio, o de seguir a Cristo. O cristianismo não é uma religião fácil e tranquila: nos convida a assumir riscos. Outro dos meus coirmãos, padre Herbert McCabe, gosta de dizer: ‘Se você ama será ferido e poderá inclusive morrer. Mas se você não ama, já está morto’. Nossa sociedade tem medo de arriscar. Nós nos tornamos tímidos. Espero que o Sínodo encoraje os jovens a fazer algo de louco por Cristo.
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Falar de Deus além das nossas certezas. Entrevista com Timothy Radcliffe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU