28 Setembro 2018
Na incompreensível desatenção dos meios de comunicação e das Igrejas do Ocidente está se consumando um cisma de proporções históricas. A partir da autocefalia ucraniana, atualmente em construção, espera-se a fratura entre as Igrejas ortodoxas de origem eslava com as de orientação helênica.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 26-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como escreveu por Dimitrios Keramidas em SettimanaNews,"perfila-se uma inevitável cisão entre a Ortodoxia de origem helênica e a eslava. Fala-se até mesmo do perigo de um cisma iminente, o que iria arrastar as outras Igrejas Ortodoxas diante do dilema de ter que se alinhar, de acordo com os interesses de cada uma, com um dos dois blocos".
No que diz respeito à percepção do que poderia acontecer após a concessão do tomo da autocefalia para as Igrejas ortodoxas "cismáticas" por parte do trono de Constantinopla, tentarei fazer um exercício de futurologia. Com toda a precariedade e a aleatoriedade que isso implica.
O pleno reconhecimento eclesial das Igrejas que se desprenderam da proteção da Igreja russa desencadearia uma redefinição da filiação das paróquias. Hoje existem 12.000 que se reportam a Moscou e 4.000 ao patriarcado de Kiev. O fluxo de pró-russos para pró-ucranianos aumentaria.
O metropolita Antônio, chanceler da Igreja pró-russa (na sigla EOU-PM), já disse: "Nossos fiéis defenderão suas Igrejas". Se a proteção legal desaparecer, eles apelarão "à desobediência civil (...) em direção a conflitos e conflitos sérios".
O metropolita Hilarion Alfaeev, presidente do departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, acrescentou: "Podemos esperar tudo, até derramamento de sangue".
Já agora se fala de uma disposição do Ministério de cultos de um protocolo em vista do registro das paróquias ao novo Patriarcado de Kiev.
Ela chegou ao conhecimento do Mosteiro das Grutas de Kiev para liberar um prédio para o futuro patriarca e, sob forma de petições no site do ministério, já apareceu um pedido para retirar todo o Mosteiro da obediência à Igreja pró-russa. Uma decisão tomada para dar unidade às igrejas ucranianas, a autocefalia, poderia desencadear algumas décadas de tensões.
Os grego-católicos são indicados em Moscou como os verdadeiros apoiadores do novo patriarcado, mas suas expectativas, ou seja, um patriarcado liderado pelo arcebispo maior católico, colidem com a vontade de Filarete, idoso líder da maior entre as igrejas "cismáticas" para ocupar a função. Uma pretensão de que nem todo o seu "lado" estaria disposto a apoiar.
O poder político local, agora mantido por Porošenko, enfrenta uma transição eleitoral nos próximos meses. Em todo caso, uma Igreja autocéfala local seria funcional para sua atividade governamental e para a garantia de consenso. Em coerência com o que acontece em Moscou e em todas as capitais do antigo império soviético.
A autocefalia de oposição da Ucrânia se tornaria uma séria derrota para o Patriarcado de Moscou. Não só porque ele tem em Kiev suas próprias raízes históricas e porque tem na cepa ucraniana um grande número de seus expoentes eclesiásticos e monásticos, mas especialmente porque infringe a vontade do patriarca Cirilo de ultrapassar as filiações nacionais.
O mito do "mundo russo" desmoronaria, um pertencimento espiritual e cultural que pretendia ser expansivo em direção aos lugares do antigo império e da União Soviética. Seriam submetidos a um pesado juízo, tanto o patriarca Cirilo como seu principal colaborador, D. Hilarion.
Há relatos sobre a irritação do primeiro em relação ao segundo ao retornar a Moscou após a infrutífera reunião com Bartolomeu, no final de agosto. Cirilo teria censurado Hilarion de não ter comunicado a gravidade da situação. Tanto mais que, após a grande temporada espiritual de Alexio II, Cirilo teria tido a oportunidade de abrir o processo de autocefalia da Ucrânia mantendo uma relação privilegiada com Moscou.
patriarca Cirilo e patriarca Bartolomeu (Foto: nome do fotógrafo)
O último momento possível foi o Grande Sínodo de Creta, de 2016. A recusa de Moscou em participar, com outras quatro igrejas de menor peso, apesar do acordo prévio sobre os textos preparatórios, queimou as possibilidades de entendimento.
Putin já manifestou seu apoio às posições do patriarca e não pode não ter pressentido o perigo político representado pela autocefalia. No confronto militar em curso ela iria alimentar a onda de nacionalismo e favoreceria uma decisão política de apoio à adesão da Ucrânia à OTAN, a aliança militar ocidental. Deparar-se-ia com tropas americanas em suas fronteiras.
O patriarca Bartolomeu, considera a decisão como um dever para com a comunidade ucraniana e coerente com a tradição e os cânones sagrados. Depois que sobre a diáspora inteiras se desenvolveram as filiações "nacionais", depois da recusa de Moscou para apoiá-lo na Grande Sínodo de 2016 em Creta, enquanto a sede de Constantinopla sofre de uma fragilidade cada vez mais evidente (600 fiéis), ele adverte que, para dar força para as melhores energias da diáspora, para limitar os filetismos (nacionalismos) e não sucumbir à crescente hegemonia de Moscou, "deve" reservar para si o poder último no que diz respeito à concessão do tomo da autocefalia.
A decisão do Patriarcado, que ainda é interlocutória, está interessada em nos ver mais claramente na emaranhada situação ucraniana.
Em geral, a posição de Constantinopla é mais atenta às razões eclesiais do que aos interesses expressos por Moscou. Paradoxalmente, a decisão poderia, no entanto, favorecer os filetismos, em vez de limitá-los. Com razão Bartolomeu acusa Moscou de uma sujeição excessiva ao poder político que, porém, se reproduz na Ucrânia. E o próprio Fanar tem laços consistentes com os Estados Unidos, que têm tudo a ganhar no enfraquecimento da Rússia de Putin.
patriarca kirill e Putin (Foto: Kremlin/ Fotos Públicas)
Em todas as sedes patriarcais das 14 Igrejas Ortodoxas, olha-se com grande preocupação o que está acontecendo. Um exemplo é a Sérvia. Tradicionalmente próxima de Moscou, após o fim da Iugoslávia vê a inteira área da Macedônia mover-se a favor do pedido de autocefalia e algum perigo também em Montenegro. Ambos encontraram escuta em Constantinopla.
É fácil entender sua oposição a Bartolomeu nesse ponto. Por ocasião da consagração do bispo ortodoxo sérvio na Alemanha (16 de setembro), foi deixado claro o desagrado pela presença do representante de Constantinopla. A filiação eslava favoreceria o consenso de muitos patriarcas em Moscou. Decisões sobre esse assunto ainda não ocorreram.
O Papa Francisco viu o crescimento da dissensão intraortodoxa com grande preocupação e não pretende perder as relações nem com Constantinopla nem com Moscou. Ele se impôs um perfil neutro e cordial ao mesmo tempo com os contendedores e tem persistentemente pedido aos greco-católicos ucranianos para não intervir na disputa.
As decisões já tomadas pelo Sínodo moscovita, entre as quais a suspensão dos diálogos ecumênicos em que esteja presente Constantinopla com o papel de primazia, tornarão muito problemática a continuação do trabalho ecumênico, multiplicando enormemente as tensões e as razões para a discordância. Os principais centros ecumênicos, monásticos e acadêmicos, veriam se multiplicar suas dificuldades. A linha de ruptura atravessaria as várias dioceses ortodoxas que operam no território do Ocidente, desencadeando uma corrente de desentendimentos. O desmoronamento do panorama ortodoxo imporia uma nova responsabilidade ao papado.
Os centros da União Europeia parecem não perceber o que está acontecendo. Impotentes em relação à Ucrânia, não percebem o aumento das pressões nacionalistas que o cisma eslavo-helênico pode produzir. Em favor dos soberanismos e não da unidade de estados.
No momento, é difícil prever como reverter a decisão na Ucrânia, mesmo que nada tenha sido feito definitivamente. Para evitar que todo o cristianismo perca significativamente sua pulsão evangelizadora, resta oração, a expectativa de que se possa cumprir o que aconteceu nos casos extremos do primeiro milênio, ou seja, o recurso a Roma, ou um evento de tais dimensões para convencer os protagonistas a mudar de orientação.
Então as notas acima serão apenas um desagradável sonho de uma noite de verão. Seria melhor para todos.
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Ortodoxiaː o cisma eslavo-helênico? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU