28 Setembro 2018
"Ciência, Ética e Sociedade" é o tema desafiador da entrevista com Elena Cattaneo, farmacologista e senadora vitalícia. A entrevista é de Gabriele Beccaria, publicada por La Stampa, 26-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professora, poucos estão cientes de que existe uma ética da ciência e muitos acreditam que tudo seja permitido: dessa forma pensam na pesquisa como um Moloch cruel e cego. Como essa visão incorreta pode ser corrigida?
A ciência é outra coisa, investiga a realidade com a humildade de quem se coloca diante do desconhecido. Só meses de experimentos, cansaço e fracassos dirão se o caminho percorrido está correto. Ao longo desse caminho, só se obedece ao método científico, que coloca em análise cada ideia, sem jamais aceitar que alguma possa ser ‘privilegiada’. Na Itália, é difícil afirmar esse método. O único que permite não transgredir a ética pública.
Você é um exemplo de compromisso em nome da transparência e dos princípios da liberdade de pesquisa: qual, entre suas batalhas, teve mais sucesso e qual será a próxima?
Em 2001, percebi que uma comissão ministerial distribuía fundos para a pesquisa sem método científico. Eu me revoltei porque acredito na ética da ciência. A questão chegou ao Parlamento. O subsecretário reconheceu que a comissão não havia trabalhado de forma transparente. Foi uma primeira vitória. Outros casos semelhantes seguiram. Eu processei o governo, com dois colegas, pela liberdade de pesquisa sobre as células-tronco embrionárias. Então veio o caso Stamina. Mais recente é a batalha sobre o Human Technopole, que repropõe o método da ‘cooptação’, contrário à ética pública. Um erro a que o governo teve que por remédio. Pensando no futuro, o tema que me ‘tortura’ é a enorme contradição entre fatos e crenças na agricultura. Política e marketing contaram uma história diferente da desastrosa realidade do setor. Enquanto no campo da medicina a inovação é bem-vinda, na agricultura é de fato proibida.
Por que na Itália o debate sobre a ciência encontra tantas dificuldades? Existe uma receita que pode nos ajudar a melhorar uma situação comprometida por desinformação, notícias falsas e histerias de massa?
Na Itália falta o hábito do raciocínio científico. Muitas vezes, para defender ‘visões’ que são apoiadas ou criticadas a priori, busca-se pesquisas em teses em vez dos dados sobre os quais há consenso na comunidade dos estudiosos. Principalmente, a cada nova descoberta científica, estamos acostumados a ouvir falar sobre os medos que gera e mais dificilmente fala-se a respeito para apreciar seus concretos avanços.
Existe um exemplo de sucesso, fora da Itália, de como discutir de maneira eficaz os problemas da ciência e da tecnologia?
Desde 2014, a BBC adotou diretrizes para a comunicação científica, elaborando listas de especialistas. Uma proposta semelhante constava nas conclusões da investigação do Senado sobre o chamado método Stamina. Infelizmente ainda são palavras vazias.
Por que são ainda poucos os cientistas na Itália dispostos a se envolver pessoalmente, quando estão em jogo questões de interesse coletivo, como as vacinas, a Aids ou o tratamento do câncer?
Se a ciência na Itália tem dificuldades para afirmar sua autoridade, boa parte da responsabilidade é dos estudiosos. Em vez de participar no debate público para restabelecer a verdade dos fatos científicos, muitos permanecem fechados em laboratórios, talvez pensando - erroneamente - que o debate público não lhe diz respeito ou por medo de serem impopulares. No entanto, as capacidades e as competências desses cientistas são indispensáveis para argumentar inclusive os "não" às vezes necessários ao país.
Você tem algum conselho para aqueles que divulgam a ciência?
Não ter medo de restaurar o bom senso contra o senso comum. É preciso ‘contaminar’ todos os âmbitos com uma comunicação enérgica, quando os tons e as posições são extremos, e mais argumentativa para responder às dúvidas dos cidadãos. Está em curso um debate, mesmo dentro da comunidade científica, sobre a utilidade de ‘desmascarar as mentiras’, o chamado 'debunking'. Eu acredito que seja essencial.
Precisamos, também, de coragem para afirmar que não existe uma condição de igualdade na ciência, que não podem ser colocados no mesmo nível - ou no mesmo estúdio de tv - cientistas e charlatães. Nesses casos e sempre recusei, sem nunca me arrepender.
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‘Esta é a ética que impulsiona o progresso’. Entrevista com Elena Cattaneo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU