14 Setembro 2018
Precisamos manter a vegetação nativa do Cerrado.
A reportagem é de Letícia Campos, publicada por WWF Brasil, 13-09-2018.
Berço de três bacias hidrográficas que abastecem de água praticamente todo o país, a maior savana da América do Sul cobre 25% do território brasileiro e abriga 30% da biodiversidade brasileira, mas vem sofrendo com a perda de sua vegetação nativa. Nos últimos dez anos, o Cerrado obteve as maiores taxas de desmatamento do País. A cada minuto é desmatada uma área equivalente a quase dois campos de futebol (7.408 km²/ano, Prodes Cerrado, 2017). Apesar de vários alertas, esse cenário demorou a ser visto como um problema.
O desmatamento ganhou escala na década de 1970, quando a ocupação da região passou a ser incentivada pelo governo e com o desenvolvimento de tecnologias adaptadas ao contexto do Cerrado. Com muitas áreas planas, estrategicamente localizadas no coração do país e vendidas a preços atrativos, o bioma foi sendo visto como ideal para a expansão da agropecuária, rumo ao norte-nordeste do país.
As políticas que estimulam o avanço da produção de soja e pecuária continuam no Mato Grosso e, principalmente, na região denominada Matopiba, na confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Essa região viu aproximadamente 2,08 milhões de hectares de Cerrado desaparecer e dar lugar à soja que obteve um crescimento de 253% entre 2000 e 2014 nesses estados, segundo o relatório “A expansão da soja no Cerrado – Caminhos para a ocupação territorial, uso do solo e produção sustentável” da Agroicone/INPUT, publicado em 2016. O documento aponta que a maior parte dessa expansão ocorreu sobre vegetação nativa.
Não faltam elementos para reconhecer a importância e a urgência de proteger o Cerrado, por outro lado, ele está em desvantagem. Sem o título de Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, como já obtido por outros ecossistemas do Brasil, as políticas de conservação do bioma também não são implementadas, ou faltam políticas.
A vegetação do Cerrado marcada pelos campos naturais, formações arbustivas e com regiões de mata fechada, por muito tempo não foi considerada floresta – e a legislação protegia somente florestas tradicionais. Foi a partir do Código Florestal de 1965 que o termo ‘vegetação natural’ passou a ser usado, e o Cerrado só apareceu explicitamente no texto em 1989, quando foi aprovada uma lei que modificava o Código para incluir o bioma. E, ainda, no novo Código Florestal, aprovado em 2012, o Cerrado continua menos protegido que outros biomas. Esta lei exige uma área de 20% a 35% de área nativa em propriedades rurais do Cerrado, enquanto a regra é de 80% para o bioma Amazônico.
Recente pesquisa do IBOPE Inteligência encomendada e divulgada pelo WWF-Brasil sobre o que o brasileiro pensa sobre as áreas protegidas e o meio ambiente mostra que, em 2018, o desmatamento e a poluição das águas continuam sendo vistos como as principais ameaças ao meio ambiente, com 27% e 26% de menções, respectivamente. Segundo a pesquisa, nove entre dez brasileiros acreditam que a natureza não está sendo protegida de forma adequada, com 91% dos entrevistados demonstrando essa percepção.
Parte do sucesso na diminuição do desmatamento da Amazônia aconteceu graças ao sistema de monitoramento do desmatamento por satélite. E a boa notícia é que em junho deste ano, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Ciência e Tecnologia/INPE lançaram uma ferramenta similar – o Prodes Cerrado. O bioma passa a ser acompanhado periodicamente, com divulgação oficial de dados do desmatamento anual.
O coordenador do programa de Agricultura e Alimentos do WWF-Brasil, Edegar Rosa, lembra do esforço de diversas organizações da sociedade civil e de empresas do ramo alimentício que garantiram um compromisso Público da Pecuária e uma Moratória de Soja na Amazônia, por exemplo. Ele defende ser essencial repensar o modelo de desenvolvimento para o Cerrado e frear o desmatamento. E há caminhos para isso.
Rosa acredita que um desses caminhos está nas mãos do mercado e a mensagem é clara: “é preciso que as empresas cujas matérias-primas vem de biomas ameaçados como o Cerrado, assim como os investidores que atuam nesses setores, adotem políticas e compromissos eficazes para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas recentemente desmatadas”.
Edegar Rosa lembra, ainda, que todas as informações disponíveis hoje comprovam que podemos atender a demanda crescente por commodities (em especial carne e soja, que usam a maior área do bioma para produção) sem converter áreas de vegetação nativa.
“Temos um estoque de áreas de pastagem altamente degradadas no bioma que precisam ser melhor utilizadas, e não seguir convertendo novas áreas desnecessariamente”, declara.
Por isso, o WWF-Brasil dialoga com a sociedade, o governo e o setor privado de maneira a engajá-los no Pacto pelo desmatamento zero do Cerrado.
“O que desejo para esse 11 de setembro, Dia do Cerrado, é um compromisso claro entre todos os atores das cadeias de produção e consumo que impactam o bioma, principalmente da soja e da carne. A expansão agropecuária no Cerrado não pode continuar acontecendo a partir da destruição de ecossistemas naturais. A savana mais biodiversa do planeta, motor de um dos pilares da economia do Brasil, tem que sair da invisibilidade. Ainda há tempo de salvar o Cerrado, mas precisamos agir agora”, finaliza Edegar Rosa.
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O Cerrado é fundamental para a sobrevivência de milhares de animais e plantas, e a nossa própria vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU