13 Setembro 2018
Na última terça-feira foi o décimo sétimo aniversário do 11 de setembro, uma tragédia americana com profundas implicações globais. Paralelo a isso, líderes católicos esboçam reflexões sobre o incidente, não relacionado ao radicalismo islâmico e a ameaça terrorista, mas sim ao próprio desastre interno da Igreja sobre os escândalos de abuso sexual clerical.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 12-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O arcebispo Georg Gänswein, assessor mais próximo do Papa Bento XVI e também prefeito da Casa Pontifícia sob o papado de Francisco, disse na terça-feira que os escândalos de abuso são o “11 de setembro” da Igreja, embora ressaltando que não quis insinuar uma comparação direta com os ataques das Torres Gêmeas.
Segundo Gänswein, o escândalo de décadas mostrou apenas "quantas almas foram feridas irrevogável e mortalmente por padres da Igreja Católica".
"Hoje, até mesmo a Igreja Católica parece muito confusa em seu próprio 11 de setembro, embora essa catástrofe não esteja associada a uma única data, e sim a tantos anos com inúmeras vítimas" disse Gänswein.
Em sua homilia na manhã de terça-feira, na residência Santa Marta, Francisco refletiu sobre como os bispos deveriam responder quanto ao "grande acusador".
Segundo o pontífice, muitas vezes parece que o diabo o “grande acusador”, foi solto. “É verdade que nós bispos somos todos pecadores”, disse o Papa.
“O grande acusador procura revelar os pecados que as pessoas podem ver, a fim de escandalizar o povo de Deus”, disse Francisco, aconselhando os bispos de que seu papel é orar, ser humilde e permanecer perto do povo.
“O diabo vagueia pelo mundo procurando como culpar alguém. A força do bispo contra o grande acusador é a oração e a humildade de se sentir eleito e se manter próximo do povo de Deus sem se deixar levar por uma vida aristocrática”, afirmou o Papa.
A vibração angustiante neste aniversário de 11 de setembro é compreensível, dado tudo o que aconteceu ultimamente: o relatório do grande júri da Pensilvânia, escândalos envolvendo o ex-cardeal Theodore McCarrick, uma dura viagem papal à Irlanda dominada pelos escândalos de abuso e uma acusação de que Francisco se resguardou sobre o caso McCarrick apesar de uma advertência específica de seu ex-embaixador nos EUA, com o pedido explícito de que o Papa renunciasse. Agora as notícias são de que vários outros estados americanos estão reunindo seus próprios júris ao modo Pensilvânia.
Tudo isso - o que Gänswein chamou na terça-feira de “turbilhão das últimas semanas” - deixa um sentido de impotência frente às notícias mais rotineiras, como um comunicado divulgado na terça-feira pela Arquidiocese de Boston, indicando que um padre nigeriano foi suspenso devido a uma investigação policial por abuso sexual infantil, que supostamente aconteceu em 2007.
Isso é uma injustiça para o sofrimento do sobrevivente envolvido, é claro, assumindo que o suposto caso realmente ocorreu. Na verdade, é possível argumentar que a ênfase do Papa nas dificuldades enfrentadas pelos bispos, e não dos sobreviventes, também é insensível. No entanto, dada a enormidade de tudo o que aconteceu, também é compreensível.
Se os líderes da Igreja permanecessem com esse estado de espírito meditativo com relação ao 11 de setembro, talvez valesse a pena considerar se em qualquer um dos casos, as instituições visadas realmente aprenderam suas lições.
O ataque das Torres Gêmeas foi um atentado a símbolos-chave da cultura e do poder americano e, nos dezessete anos desde então, não está totalmente claro que o uso do poder dos Estados Unidos no exterior - após essa data - contribuiu para um mundo mais seguro. O resultado mais imediato foi uma guerra no Iraque não considerada necessária na época pelos líderes cristãos do Vaticano e do Oriente Médio. Hoje isso é mais ou menos reconhecido por todos.
Todas as analogias não são precisas, mas de certa forma, pode-se dizer que a angústia dos últimos dois meses é um indício de uma instituição que ainda não entendeu por que a crise não ficou no passado.
Notavelmente, há mais de duas décadas no raio dos escândalos de abuso clerical, o catolicismo ainda não adotou o mesmo sistema robusto de responsabilização pelo encobrimento do abuso infantil, muito menos como um crime de fato.
No último mês, eu e outros membros da equipe do Crux estivemos na Irlanda, tanto do norte quanto no sul, e também na Austrália, entrando e saindo de paróquias católicas. O que impressiona o visitante casual na entrada é a proeminência dada aos anúncios de políticas de segurança infantil, incluindo um número para telefonar e procedimentos a seguir em caso de suspeitas de abuso.
No entanto, se alguém suspeitar de que algum bispo encobriu uma acusação de abuso, não há linha telefônica complementar. Não existe um procedimento claro descrito para investigar tal acusação e nenhuma indicação de que sanção - se houver - será imposta caso a acusação seja confirmada.
A maioria dos especialistas em proteção infantil, tanto seculares quanto reformistas dentro da própria Igreja, dirá que, até que esse canal seja aberto, é difícil imaginar um futuro melhor no meio católico.
Mais capítulos desta história estão prestes a acontecer: o Vaticano diz que está preparando um "esclarecimento" sobre a acusação feita por Carlo Viganò ao Papa. No dia 13 de setembro a liderança dos bispos americanos irá convidar o pontífice para discutir um plano de investigação sobre o caso de McCarrick.
Obviamente, a mesma angústia subjacente aos comentários de Francisco e Gänswein na terça-feira também está impulsionando essa atividade. Será interessante saber se isso também revelará uma nova determinação para tentar evitar que isso seja assim para sempre.
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Refletir sobre o 11 de setembro trará nova resolução sobre a crise dos abusos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU