14 Agosto 2018
O no. 3093 da revista Vida Nueva é abordado um aspecto delicado sobre os abusos sexuais por parte do clero. Uma acusação como essa se torna imediatamente uma condenação social e quase sempre desaparece a presunção de inocência. No contexto atual, não é fácil, para aqueles que exercem uma autoridade na Igreja, enfrentar e administrar esses casos delicados.
O editorial da revista, assinado por Francisco García Martínez, é traduzido para o italiano e publicado por Settimana News, 12-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Ele andou sobre a água, mas vendo que o vento era forte, teve medo e, começando a submergir, clamou:’Senhor, salva-me! ‘". Talvez essa seja a situação em que se encontra atualmente a igreja que, em relação à sexualidade, há algum tempo, e em grande escala, está mostrando o pior lado de si mesma, seja fora como dentro.
Nunca foi fácil integrar a sexualidade na própria vida. Se, por um lado, há uma beleza, um prazer difícil de encontrar em outras dimensões da vida, ao mesmo tempo, trata-se de um âmbito em que a pessoa experimenta, de forma humilhante, a indisponibilidade da existência de ser submetida á própria vontade.
Até mesmo a “liberalização" da sexualidade diante de supostas formas de reprimi-la não deixaram de criar contradições, complexos, angústias e excessos perversos. Quem conseguiu encontrar os equilíbrios precisos em que se misturam instinto e desejo, paixão e afeto, doação e domínio, pudor e nudez nesse âmbito, além de uma alteridade irredutível?
Nesse argumento caminhamos sobre águas, que, na maioria dos casos, são pouco tranquilas ou até mesmo revoltas, especialmente quando em nossa sociedade são agitadas com estímulos perversos que muito excedem a beleza pacata, sedutora e até mesmo inquietante dos corpos em seus dinamismos, tentando nos convencer, muitas vezes com sucesso, que toda pequena transgressão é um ato de liberdade soberana, boa e livre de complexos.
Eu acredito que seja possível dizer que a maioria das pessoas, crentes ou não, leigas ou consagradas, tem percebido algumas vezes os vórtices dessas correntes, ingerido água sentindo-se afogar e escondidamente sentiram vergonha por não saber nadar "como Deus manda", também porque não encontraram lugares seguros para compartilhar sua perturbação em um clima que ultrapasse a piada, a justificação, a condenação ou o perdão concedido pela situação vivida.
Não está nem mesmo claro se realmente queremos encontrar tais lugares. Os fatos nos dizem que alguns foram engolidos além dos limites compreensíveis para a maioria das pessoas. Doentes, degradados, pecadores ...? Acredito que não se possa expressar um juízo completo, embora às pessoas tenha sempre agradado, mesmo quando vivem em anarquia, criar compartimentos que simplificam o juízo sobre o real e dão a segurança de estar do lado correto.
É difícil integrar a sexualidade nos momentos em que nos sentimos afogar, e as dificuldades do nosso caminho (contradições, fragilidade, pecados ...) deveriam nos ajudar a continuar com humildade e fazer com que nos sentíssemos mais perto uns dos outros. No entanto, tanto a recusa do conflito sexual que nos habita e que não pode ser resolvido com a simples vontade pessoal, como a libertação de todo controle e de todo ascetismo como se nós não precisássemos domesticar esse âmbito, nos levou a uma situação em que se torna difícil viver com serenidade, imparcialidade conversa, julgar com verdade e compaixão, discernir e propor caminhos de integração de situações que, de repente, estouraram entre nossas mãos, diante das quais nos sentimos confusos e impotentes.
Nessa situação, não é de admirar que os responsáveis da Igreja sintam que estão caminhando sobre a água quando enfrentam casos de abuso. Eu não acredito estar equivocado quando digo que sentem um arrepio toda vez que precisam enfrentar um, ou quando refletem sobre o que significa tratar desses casos em que, na maioria das vezes, a denúncia quase sempre se traduz imediatamente em uma condenação social do acusado e da própria Igreja que os ocultou e, ao mesmo tempo, sentem a obrigação de ter que enfrentar um discernimento equânime, próximo e evangélico, para o qual não se sentem preparados.
Ainda mais quando sabem que o agressor e a vítima pertencem à comunidade cristã, que certamente nunca poderão se reconciliar, e que devem oferecer justiça e consolo para a vítima, mas também um espaço de redenção ao culpado que todos gostariam de mandar para o inferno.
Como não ter compaixão e rezar por eles para que o Senhor os acompanhe em um justo discernimento? Sabemos que nesse caminho sobre as águas não só os bispos, mas também o papa ingeriram água. E é uma honra para eles tê-lo reconhecido ou reconhecê-lo agora.
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Sexualidade na Igreja: caminhar sobre a água - Instituto Humanitas Unisinos - IHU