20 Julho 2018
Se Atlacomulco simboliza a abordagem eleitoral dos defensores históricos do PRI por parte do partido/movimento de Andrés López Obrador, existem dois limites igualmente significativos para o seu triunfo: o tráfico de drogas e os zapatistas.
O comentário é de Eduardo Febbro, publicado por Página|12, 19-07-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Várias semanas depois, o bloqueio causado pela derrota ainda é sentido nos silêncios receosos de Atlacomulco. O rolo compressor eleitoral da coalizão Juntos Haremos Historia, que no dia primeiro de julho levou Andrés Manuel López Obrador a conquistar a presidência do México, chegou até aqui. Atlacomulco não é um município qualquer: é a espinha dorsal do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o mesmo do presidente Enrique Peña Nieto, e sua fortaleza, que governou o México de 1929 até 2000 e depois de 2012 a 2018. O poder do PRI nesta localidade do Estado do México com 95 mil habitantes está em uma linhagem cujo representante máximo é o atual presidente, Peña Nieto, que esteve à frente da agora desmembrada liderança do Grupo Atlacomulco. A história mudou de repente e os priistas não escondem seu desconforto. Mas, se Atlacomulco simboliza a abordagem eleitoral dos defensores históricos do PRI por parte do partido/movimento de Andrés López Obrador, existem dois limites igualmente significativos para o seu triunfo: o tráfico de drogas e os zapatistas. Nas terras do Estado de Guerrero, nas mãos de grupos do crime organizado, a oferta de uma anistia, proposta por Obrador, não mobilizou as porcentagens a seu favor. As regiões do Estado de Guerrero, onde operam grupos como os Los Lardillos e os Los Rojos, resistiram à onda de Morena (Movimento de Regeneração Nacional). Uma investigação do jornalista Ricardo Ravello revela que os candidatos do Partido da Revolução Democrática (PRD) e do PRI foram "financiados pelo crime" e que "ambos os partidos são controlados pelos Los Ladrillos e os Los Rojos". As urnas não sinalizaram essa mecânica.
O segundo limite foi dado pelos zapatistas. A chamada "esquerda da esquerda", representada pelo movimento indígena que surgiu em Chiapas, há 22 anos, repudiou sem ambiguidades o candidato vencedor. Em um comunicado divulgado dois dias após as eleições presidenciais, os zapatistas disseram: "Eles poderão trocar de capatazes, mordomos e cabos, mas o camponês continua a ser o mesmo". Desde então, ambos os setores protagonizam um confronto público através de intermediações e comunicados. Um desses protagonistas é o super comprometido Padre Alejandro Solalinde, defensor dos direitos humanos dos migrantes, coordenador da Pastoral de Mobilidade Humana do Pacífico Sul, do Episcopado Mexicano. Solalinde é uma figura importante no México e interveio para aproximar postos. O padre disse que havia uma parte do movimento zapatista que "sim, acredita na mudança". No entanto, o que emerge do possível diálogo entre Obrador e o zapatismo é um divórcio irreconciliável. Desde o princípio, a barreira era uma parede muito instável. No primeiro comunicado zapatista, assinado pelos subcomandantes Galeano (que antes era Marcos) e Moisés, eles comparam a vitória de Obrador com o futebol: "o dono da bola nunca perde, não importa qual time vença". A tão aguardada e temida partida final terminou e a equipe vencedora recebe, com falsa modéstia, o clamor dos espectadores. Quantas vezes você já ouviu isso? Muitas, vale a pena contá-las? As derrotas se repetem". Foi a partir dessa negativa categórica que o padre Solalinde explorou as vias de uma mediação, mas o resultado foi pior. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) esclareceu, em referência à conversa proposta por Solalinde, que "não aceitou nenhum primeiro diálogo com ninguém". Acima de tudo, os zapatistas acusaram o padre mediador de cometer erros irreversíveis: "do senhor Solalinde não recebemos nada além de mentiras, insultos, calúnias e comentários racistas e machistas, pois ele pressupôs que (...) somos pobres indígenas ignorantes", enfatizaram os zapatistas. Na verdade, o que surgiu em meio a esta confusão é que, através do padre Solalinde, Obrador enviou aos zapatistas uma "carta de intenções para dialogar". O padre apressou-se para evocar a existência de "um diálogo" com o EZLN, ao qual convidou ambas as partes para que houvesse mais "abertura", porque suas "atitudes não correspondiam à nova era que estamos começando". O zapatismo, no entanto, fechou os caminhos de uma forma bastante dura. O Subcomandante insurgente Moisés, em nome do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena do Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional (CCRI-CG-EZLN), disse em um comunicado que tudo isso "era mentira". Logo, o subcomandante Galeano (Marcos) destacou: "Se somos sectários, marginais e radicais; se estamos isolados e sozinhos; se não estamos na moda: se não representamos nada, nem ninguém; então, por que eles não nos deixam em paz e continuam celebrando seu triunfo?". O epílogo dessas disputas foi selado pelo próprio Solalinde quando admitiu que "este não é um momento oportuno para o diálogo com o EZLN".
As divisões entre Andrés Manuel López Obrador e o zapatismo têm raízes remotas. Nos anos 90 do século passado ambos se aproximaram, mas o então subcomandante Marcos e Obrador começaram a enfrentar-se fortemente durante a campanha para as eleições presidenciais de 2006, quando o zapatismo apontou Obrador como um "representante da falsa esquerda" e "inimigo dos povos indígenas". Nesta campanha de 2018, que terminou com a vitória de López Obrador, o candidato procurou por pontos de aproximação com sinais de "respeito e conciliação", mas, ao mesmo tempo, acusou os índios de "dividir a esquerda" porque estes haviam apresentado um candidato indígena independente (Marichuy). Para o zapatismo, Obrador é um homem "do sistema partidário" e nada mais. Suas piscadelas para eles e para os indígenas não semearam zonas de confiança. Quando Obrador fechou sua campanha no Estádio Azteca da capital, referiu-se aos povos indígenas. Mas a dívida é muito grande. No caminho, vários requisitos ainda precisam ser cumpridos para que uma relação entre a esquerda zapatista e o presidente eleito seja tangível: falta que sejam postos em prática os termos do acordo de San Andrés (com eles, o levante zapatista foi suspenso), os temas ligados à autonomia indígena e a propriedade integral (soberania, de acordo com os zapatistas) dos recursos naturais. O fim dos massacres e do controle político dos cartéis mexicanos e a dívida abissal com os indígenas (que são 20% da população, 68 idiomas) do México ainda são os dois maiores problemas, que demandam muito mais do que declarações de boas intenções.
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México. López Obrador, entre narcotraficantes e zapatistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU