Por: Jonas | 24 Junho 2016
A fracassada tentativa de Enrique Peña Nieto em manipular o massacre de oito pessoas em Nochixtlán – para apresentá-lo primeiro como um conflito entre a comunidade e os professores da CNTE (Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação), depois como uma ação defensiva da Polícia Federal Preventiva e, finalmente, como a ação de um “desconhecido” grupo provocador -, resultou devastador para a sua já escassíssima credibilidade. Mesmo jornalistas e meios de comunicação da situação tiveram que reconhecer, como verdade irrefutável, que estamos diante de um novo crime de estado.
A reportagem é de José Luis Hernández Ayala, publicada por Rebelión, 23-06-2016. A tradução é do Cepat.
Mais um que soma ao desaparecimento dos 43 estudantes da Normal rural de Ayotzinapa, aos vinte jovens executados pelo Exército em Tlatlaya e aos milhares que ocorreram em outros lugares da República, em seus anos de mandato. Se até agora estes crimes ficaram impunes – apesar das assombrosas conclusões do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), nomeado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para investigar o caso de Ayotzinapa – foi porque Peña conta, a seu favor, com o silêncio ensurdecedor dos governos do mundo, especialmente o de Barack Obama, e pelo controle quase absoluto que exerce sobre os meios de comunicação no México.
A nova tecnologia de câmeras e celulares torna quase impossível ocultar crimes destas dimensões. Existem muitas fotos e vídeos que mostram os policiais disparando à queima-roupa, com armas de grosso calibre, contra uma população que só se defende com paus e pedras. Os depoimentos de centenas de pessoas, as cápsulas de balas deixadas pelos assassinos e o fato que nenhum policial esteja entre as vítimas não deixam espaço para dúvidas: o massacre foi ordenado pelo governo federal e contou com a cumplicidade do governo perredista de Oaxaca.
A indignação pelo crime e o cinismo do governo se estende por todos os lados. No dia de hoje, estão ocorrendo grandes reuniões de estudantes, em diversas universidades da república. Na Universidade Nacional Autónoma do México, uma assembleia onde participam mais de 3.000 estudantes discute diversas ações de solidariedade, incluindo a realização de uma paralisação universitária. As mobilizações da CNTE se mantêm firmes nos estados de Michoacán, Guerrero, Oaxaca, Chiapas e se estendem a outras partes de nossa geografia. No povoado de Nochixtlán, acaba de se reinstalar o reforço na rodovia. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o Congresso Nacional Indígena (CNI) acabam de expressar seu total apoio a causa dos professores. No próximo domingo, o partido Morena, representado por Andrés Manuel López Obrador, realizará uma massiva mobilização em defesa dos professores na capital do país.
Tudo parece indicar que o governo de Enrique Peña Nieto se encontra parado sobre um barril de pólvora. O problema é que parece que não se deu conta. Pela primeira vez, desde que começou a paralisação dos professores, no último dia 15 de maio, o governo de Peña Nieto, por meio de seu secretário de Governo (Miguel Ángel Osorio Chong), aceitou se reunir com uma representação da CNTE na quarta-feira, dia 22 de junho, mas seu secretário de Educação Pública, Aurelio Nuño, afirmou que “a Reforma Educacional não será interrompida, já que este é um projeto para melhorar a mudança no sistema de ensino do país”.
O enclausuramento do governo
Existem várias razões que explicam esta atitude temerária, e quase suicida, de Enrique Peña Nieto. Em primeiro lugar, sua má chamada “Reforma Educacional”, zero educacional e sim trabalhista, é chave para iniciar a privatização deste setor. Facilita a demissão de professores mediante avaliações punitivas, acabando com a estabilidade trabalhista, transferindo aos pais de família os gastos de manutenção das escolas e permite acabar com o sentido nacionalista e social da educação no México, para reproduzir o modelo individualista e o egoísmo neoliberal.
Esta reforma foi estimulada pelas altas esferas patronais, reunidas no grupo ultradireitista “Mexicanos Primeiro”, a quem Peña obedece sem dar um piu. É parte substantiva de um pacote que já conseguiu reformar a Lei Federal do Trabalho e privatizar o setor energético (eletricidade e petróleo), mas que ainda tem como pendente reformar os sistemas de saúde e de aposentadorias. Estas duas últimas reformas permitiriam fazer com que seu governo poupasse milhões de pesos, reduzindo as aposentadorias e a atenção médica a toda a população, para compensar as milionárias perdas pela baixa dos preços do petróleo e um endividamento público próximo aos 9 trilhões de pesos (450 bilhões de dólares).
A irresponsável redução da economia mexicana a simples produtor de matérias-primas e mão de obra barata (ainda que muito dela tenha níveis de produtividade e qualidade semelhantes a dos países mais desenvolvidos), subordinada aos interesses do imperialismo ianque, colocou-nos em uma situação de extrema vulnerabilidade, que se reflete na fuga de capitais em renda variável (que no mês de janeiro subiu para 6, 1 bilhões de pesos, 29,5% do nível mais alto de agosto de 2014) e na espetacular desvalorização de 64% do peso frente ao dólar (em 2012, um dólar custava 12,60 pesos e, no último 11 de fevereiro, subiu para 19,61 pesos).
Estas são as condições objetivas que explicam o enclausuramento do governo, mas também existem as subjetivas. O governo sabe que ceder à CNTE significa abrir brechas aos movimentos que ainda resistem às reformas trabalhista e energética e ao plano de postergar ou cancelar as pendentes. A política neoliberal entrou em um beco sem saída.
E como se não fosse pouco o anterior, o regime também enfrenta uma nova recomposição de forças no campo eleitoral. Ontem, o presidente do Partido Revolucionário Institucional (PRI), Manlio Fabio Beltrones, renunciou devido aos decepcionantes resultados eleitorais obtidos, no último dia 5 de junho, em 12 eleições estaduais e na eleição de uma Assembleia Legislativa em Cidade do México. Dos 12 governos em jogo, o PRI só conquistou cinco, apesar de ter feito aliança com diversos partidos satélite. Os outros sete governos foram conquistados pelo direitista Partido de Ação Nacional e seu aliado de “esquerda”, o Partido da Revolução Democrática, tornando este último um apêndice do primeiro. Não deixa de ser interessante o crescimento espetacular de Morena em alguns estados da República, particularmente em Cidade do México, onde conseguiu se tornar a primeira força, apesar de um abstencionismo de 71%, e em Oaxaca e Veracruz, onde se tornou a terceira força graças a uma aliança eleitoral com a CNTE.
A única maneira de destravar esta complexa situação é aprofundando o apoio à luta da CNTE, que se tornou a melhor catalisadora do enorme descontentamento popular. Contam com o apoio de todas as organizações sociais e sindicais independentes. É muito afortunado que um país onde a esquerda quase nunca se coloca de acordo em nada, agora, do EZLN a Morena, passando por muitas versões da esquerda radical, entre elas a Organização Política do Povo e os Trabalhadores (OPT), coincidamos em apoiar este movimento. Devemos fazer um enorme esforço unitário e de mobilização para construir um poderoso movimento social capaz de obrigar o regime a se sentar, negociar e colocar fim à barbárie neoliberal.
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México. Peña Nieto em seu labirinto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU