17 Julho 2018
À medida em que notícias de crescentes crises continuam surgindo em vários cantos da América Latina, a Igreja Católica está adotando uma abordagem extremamente prática.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 13-07-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Essa postura pró-ativa se aplica tanto para quando o caos que enfrenta é externo, como na Venezuela e seus desafios políticos e humanitários, ou interno, como no Chile, onde a Igreja está pagando o preço de décadas de má gestão de casos de abuso sexual clerical.
No final da Assembleia Geral de 7 a 11 de julho, os bispos da Venezuela disseram que o governo de Nicolás Maduro "surge diante do país como vítima de interferência externa e interna". Para eles, esta atitude "não passa de uma confissão da própria incapacidade [de Maduro] de governar o país".
"Não se pode fingir que está resolvendo a situação de uma economia falida com medidas emergenciais, como sacos de comida e vales", disseram, num comunicado.
Os prelados também afirmaram que a Venezuela hoje vive um "regime de facto, sem respeito às garantias previstas na Constituição e aos princípios mais elevados da dignidade das pessoas".
Os bispos, que nunca foram de meias palavras, também chamaram os líderes da oposição para oferecer ao povo "uma alternativa de mudança", pedindo que eles trabalhem para o bem-estar do país.
A respeito disso, os bispos mais uma vez foram atrás do Partido Socialista no poder, dizendo que enquanto existirem prisioneiros políticos no país e membros da oposição proibidos de concorrer, "não haverá um processo eleitoral livre e soberano".
"A principal responsabilidade da crise que atravessamos está com o governo do país, de colocar o seu projeto político acima de qualquer coisa, como [questões] humanitárias; suas políticas financeiras errôneas; seu desprezo à atividade produtiva e à propriedade privada; [e] sua constante atitude de colocar empecilhos aos que estão dispostos a resolver algum aspecto do problema atual", observaram.
Os bispos pediram ao governo e às instituições públicas e privadas, para trabalharem a favor das pessoas que estão sofrendo pela crise. Reduzir tudo a uma luta ideológica, disseram, é uma "tentação dos regimes totalitários".
De acordo com os bispos, as eleições nacionais que reelegeram Maduro em maio foram "ilegítimas", ideia compartilhada não apenas pela oposição, mas também por muitos países, como os Estados Unidos.
Falando sobre o papel da Igreja Católica em protestos que abalaram o governo nos últimos anos, os prelados disseram que a instituição não vai recuar.
"Comprometemo-nos a estar ao lado do nosso povo", declararam.
Os bispos também disseram que a Venezuela hoje é um país em "diáspora", pois milhares de pessoas fogem para países vizinhos todos os meses em busca de uma vida melhor.
"Continuar insistindo em um caminho de autodestruição que vai se voltar contra seus promotores é suicídio", afirmaram os prelados na exortação, intitulada “Don’t be afraid, I am with you” (Não tenha medo, eu estou com você). Depois de insistir que a Igreja não promove vingança, não promove "impunidade para crimes que ameaçam a vida e os direitos fundamentais".
A Venezuela "precisa urgentemente" de uma classe política que coloque as pessoas no centro das ações.
Após vencer as eleições em 1º de julho, o presidente eleito Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, que tomará posse em dezembro, enviou um representante ao Vaticano para entregar um convite ao Papa Francisco para colaborar em uma estratégia de pacificação do país.
Depois da visita do pontífice argentino ao México, em 2016, o governo não espera que o Papa viaje para lá novamente, mas espera que, no mínimo, participe de uma consulta que o novo governo prometeu em videoconferências.
O governo de AMLO propôs uma lei de anistia para beneficiar menores que caíram no crime organizado, mas que excluiria os que se envolveram em tráfico de seres humanos, sequestro, assassinatos e estupros.
Além disso, o presidente pediu a um famoso sacerdote mexicano, que concentra grande parte de seu ministério em auxiliar os migrantes e defender os pobres e os que não têm voz, para liderar a Comissão dos Direitos Humanos do país.
O padre Alejandro Solalinde, coordenador da Pastoral de Mobilidade Humana do Pacífico Sul do Episcopado Mexicano e diretor do Hermanos en el Camino, um abrigo que fornece ajuda humanitária e educação a migrantes centro-americanos, decidiu rejeitar a oferta para se manter "livre" para exercer seu ministério.
"Não há nenhuma objeção nem seria violação alguma à lei ou ao estado laico se eu [aceitasse a posição], mesmo como sacerdote, porque direitos humanos não são incompatíveis com o ministério [sacerdotal], mas eu quero ser livre", disse Solalinde na quinta-feira.
A Igreja Católica no Chile está lutando para recuperar o equilíbrio depois de décadas de má gestão em relação aos casos de abuso sexual clerical que vieram à tona, que, de acordo com o Papa Francisco, envolve não apenas o acobertamento por parte de membros da hierarquia, mas também a destruição de provas.
Nos últimos seis meses, Francisco fez uma mudança radical, deixando de defender um bispo acusado acobertamento e passando a convocar todos os bispos a comparecerem a Roma para receber uma reprimenda. No final da reunião, todos os bispos chilenos apresentaram um pedido de renúncia. O Papa aceitou cinco deles e deve aceitar vários outros. Segundo alguns observadores, o número final será mais de uma dezena.
Entre os bispos que tiveram a renúncia aceita está o bispo de Valparaíso, Gonzalo Duarte, que é acusado não apenas de acobertamento, mas de abuso sexual de seminaristas e de abuso de poder e consciência. Um antigo seminarista está liderando as acusações.
O bispo auxiliar da capital Santiago, Pedro Ossadon, atualmente é administrador apostólico em Valparaíso, e anunciou a criação de um Conselho Diocesano para a Prevenção de Abuso. A decisão vem um mês depois de ele ter tomado as rédeas, prometendo investigar todas as acusações, incluindo contra seu antecessor.
De acordo com a agência de notícias BioBio, o conselho seria majoritariamente composto por homens e mulheres leigos com laços com a diocese, e que supostamente já foram contatados. O objetivo do órgão seria ouvir e processar as acusações, criar uma equipe de investigação e outra interdisciplinar para apoiar as vítimas.
Surgiram notícias da criação deste conselho quase simultaneamente à prisão de um padre, pela polícia chilena, que, até janeiro, estava encarregado de receber as acusações de abuso sexual clerical em Santiago.
O padre Óscar Muñoz Toledo, antigo chanceler da Arquidiocese de Santiago, saiu do cargo no dia 2 de janeiro, dias antes da visita de Francisco ao país. Ele foi preso no início desta semana, após a polícia ter encontrado provas nos arquivos da arquidiocese que mostravam acusações contra ele desde 2002.
De acordo com o jornal La Tercera, há pelo menos sete vítimas, das quais cinco eram seus sobrinhos.
Ele foi preso pela polícia por ordens do promotor Emiliano Arias, que está investigando 14 outros sacerdotes suspensos na diocese de Rancagua, por supostamente participar de uma rede de abusos. Ele deve ir a tribunal na sexta-feira. As autoridades estão investigando se ele tinha cúmplices.
No Peru, o neo-cardeal Pedro Barreto disse na quarta-feira que os bispos vão pedir que o Vaticano divulgue a sentença do leigo Luis Fernando Figari, fundador do Sodalitium Christianae Vitae (SCV), que foi considerado culpado por abuso sexual de menores pela organização fundada por ele.
Descrevendo Figari como "pervertido", Barreto lembrou que quando voltava a Roma depois de sua viagem para o Chile e para o Peru, em janeiro, ele disse que a sentença contra o leigo viria "no próximo mês".
De acordo com o cardeal, a frase "forte" do Vaticano, na verdade, foi emitida mas mantida em sigilo. Os bispos do Peru querem que a decisão se torne pública, para que os fiéis saibam que se está lidando com a situação.
Figari continua negando que tenha cometido um delito e recorreu da decisão. O Vaticano deve tornar a decisão pública após passar pelo segundo recurso, a menos que os bispos peruanos convençam a Santa Sé da importância de fazê-lo antes.
Barreto, que se tornou cardeal no papado de Francisco em junho do ano passado, disse que em relação a Figari, a Igreja tem "sido lenta, e justiça lenta não é justiça", e que falta transparência.
Em janeiro, Francisco nomeou o bispo colombiano Noel Antonio Londoño Buitrago "comissário" do SCV, mas o cardeal Joseph William Tobin, arcebispo de Newark, continuará sendo delegado pontifício da organização, especialmente no que diz respeito a assuntos da economia.
O SCV, que é composto por leigas consagradas e padres, é coordenado por um grupo de leigos celibatários conhecidos como "sodalits". Fundado em 1971 e aprovado pelo Vaticano em 1997, o grupo tem cerca de 20.000 membros, principalmente na América Latina, mas também nos Estados Unidos e na Itália.
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Enfrentando crises internas e externas, a Igreja da América Latina coloca as mãos na massa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU