10 Julho 2018
A alternância de poder tem se mostrado um fracasso no Rio Grande do Sul. Único estado a nunca reeleger um governador, os gaúchos enfrentam o parcelamento de salários, a retirada de direitos dos trabalhadores e ameaças de venda do patrimônio público em uma das gestões mais alinhadas à agenda de cortes sociais promovidas pelo governo de Michel Temer e comandada por José Ivo Sartori (MDB) em nível local.
A reportagem é de Murilo Matias, publicada por CartaCapial, 10-07-2018.
Não é sem razão que o MDB gaúcho ocupa a linha de frente da tropa de choque da administração federal com as presenças de Eliseu Padilha na Casa Civil e do deputado federal Darcísio Perondi, vice-líder do governo na Câmara. Nem as recorrentes denúncias contra Padilha por desvio de dinheiro público, nem a defesa ferrenha do mais impopular presidente da história por parte de Perondi são empecilhos para que os dois experientes políticos concentrem a interlocução com a esfera estadual, também marcada pela falta de pluralidade nos escolhidos para os cargos estratégicos.
A exemplo do cenário nacional, o secretariado de Sartori é composto majoritariamente por homens brancos, quinze entre as 19 secretarias, com apenas quatro pastas reservadas às mulheres. O grupo eleito dentro de uma ampla coalizão de forças conservadoras com a ideia de "o meu partido é o Rio Grande" protagoniza desde a posse enfrentamentos com movimentos sociais e sindicais de atuação permanente na oposição aos projetos que colocam os servidores como inimigos da sociedade e responsáveis pelo caos financeiro.
"A cada dia esperamos nova agressão contra o serviço público. Vivemos um aprofundamento da crise, completamos em agosto o 31º mês consecutivo de atrasos salariais. Nesse período foram fechadas três mil salas de aulas e 40 escolas, além do reajuste zero. Estamos envergonhados pois já fomos o estado que melhor pagava seus professores e hoje amargamos o último lugar no Brasil. Entre a categoria existe grande disposição de mandar o Sartori de volta para Caxias", afirma Helenir Schürer, presidenta do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers), maior sindicato do estado com 84 mil sócios.
A mesma administração que arrocha os salários aumenta os gastos no pagamento a empreiteiras e em publicidade, como pretende mostrar o Cpers na caravana que percorrerá o estado para estimular o debate sobre a valorização da atividade pública.
Um exemplo é o esvaziamento da Fundação de Economia e Estatística (FEE), instituição presidida por Dilma Rousseff em 1990. A contradição da administração do estado aparece na contratação de uma empresa privada para medir o Produto Interno Bruto (PIB) regional ao custo de 3,3 milhões de reais ao ano, valor duplicado em relação ao que seria gasto caso o estudo fosse elaborado pela FEE.
Além da perda financeira, a confiabilidade dos números apresentada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com sede em São Paulo, é questionada por não ter como base os dados do IBGE, que não repassa informações a entes privados.
A tentativa de renegociação das dívidas com a União e a suspensão do pagamento por três anos, devido à decisão judicial não produziram a recuperação do poder de investimento da gestão, que se agarra à ideia de privatizar ativos público.
Entre as ameaçadas estão a Companhia Estadual de Energia Elétrica, a Companhia Riograndense de Mineração, a Companhia Riograndense de Saneamento, além da Sulgás, ainda que seja necessário um plebiscito para decidir sobre o futuro das empresas, sem data prevista depois da derrota na Assembleia da realização da consulta junto à eleição deste ano.
"A depressão econômica é grande. Somos um governo de reformas e para quem faz terra arrasada de nosso trabalho, aparecer em primeiro nas pesquisas é ótimo indicador, ainda mais porque no segundo turno o campo conservador estará todo conosco. Buscamos o equilíbrio fiscal com austeridade e coragem, por isso foi necessário o parcelamento de salários, não havia dinheiro. Os sindicatos só pensam no umbigo e olham para o retrovisor", aponta Perondi.
O desmonte geral empreendido desde 2015 tem na área da segurança seu ponto mais dramático. Desde a entrada do novo governador, seis mil brigadianos (policias militares) aposentaram-se e somente 1,5 mil entraram para a corporação.
A fragilidade das forças de segurança reflete-se no aumento da violência, levantando inclusive rumores sobre a necessidade de intervenção, repetindo o ocorrido no Rio de Janeiro. A escalada colocou Porto Alegre entre as capitais mais perigosas em 2017, com 64,1 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Apesar da resistência liderada por organizações e coletivos, o mito da politização gaúcha perde sentido ao analisar-se o radicalismo que marca a atuação da direita local. A realidade atual se distancia dos tempos em que o estado sediou o nascimento do Fórum Social Mundial - evento que reuniu o progressismo global no início dos anos 2000 -, desenvolvia políticas como a do orçamento participativo, levada à frente pelas administrações petistas, sobretudo na capital, ou elegia representantes do brizolismo como Alceu Colares, ex-governador e ex-prefeito pelo PDT.
As candidaturas do deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP) ao executivo - lembrado pelo preconceito explícito contra indígenas, quilombolas, gays e lésbicas - e da senadora Ana Amélia à reeleição pelo PP revelam o conservadorismo apoiado pelo eleitorado, especialmente latifundiários que controlam a produção agropecuária e, assim, a economia de várias localidades.
Originária do que se chama da bancada da RBS, em alusão à empresa retransmissora da Globo, a parlamentar caracterizou seu mandato pelos ataques ao PT, à esquerda e à incitação da violência contra adversários como quando sugeriu que a caravana do ex-presidente Lula pelo estado fosse recebida a relho (chicote).
Com um discurso mais sofisticado, mas de conteúdo similar, os tucanos oferecem o ex-prefeito de Pelotas, Eduardo Jorge para renovar a classe política e modernizar a máquina. Bem avaliado em sua cidade, de 350 mil habitantes, o jovem candidato pode ser prejudicado pelo péssimo desempenho do prefeito de Porto Alegre, o também tucano Nelson Marchezan Junior, que elegeu-se com a mesma plataforma impulsionada nos corredores do Palácio estadual. Com os neoliberais no controle, mais de 20 mil famílias do estado perderam o Bolsa Família, segundo o governo federal, enquanto cresce a miséria e o desemprego.
"Enfrentamos muitas dificuldades para manter as famílias ativas na transferência de renda sem cancelamentos e suspensões, principalmente do Bolsa Família, que segue o carro-chefe. Os aprovados nos concursos de assistência social não são chamados, pois isso não é prioridade, critica a assistente social Ketlin Rodrigues, da capital.
Segundo ela, no Centro de Referência em Assistência Social (Cras) de Farrapos apenas duas profissionais técnicas ficam responsáveis pelo atendimento de pelo menos 50 mil pessoas. "É humanamente impossível seguir nesse caos e perder os avanços que duramente havíamos conquistados em períodos anteriores", afirma.
Junto a Porto Alegre, Canoas, Caxias, Santa Maria e Pelotas, cidades mais populosas e que concentram mais de 25% do eleitorado, são governadas pela direita, sobretudo PSDB e PP, recordista no número de prefeituras, 142 no total.
Contraditoriamente à falta de alimentos e oportunidades para os mais pobres nas áreas urbanas, o campo comemorou safras recordes ao longo dos últimos anos. O impacto de 30 bilhões de reais anuais na economia deu fôlego a diversas regiões, mas o avanço da monocultura de exportação de soja promovida pelos grandes produtores provoca impactos em toda a cadeia, sobretudo em um momento de baixa no mercado interno, dificuldade para vendas e menor oferta de auxilio técnico aos pequenos e médios agricultores.
Paulo Zanella, pequeno produtor de Gaurama, no norte riograndense, dá um panorama da situação. "Nos últimos dois anos vivenciamos o embargo da compra de carne suína pela Rússia, a operação carne fraca e a supervalorização da soja, ocasionando a redução das áreas produtoras de milho, principal insumo da ração e o que mais gera custos. Isso se refletiu nos preço pago aos agricultores, apertando nossa margem. Ainda encontramos crédito disponível, mas as taxas aumentaram, tornou-se mais burocrático. A instabilidade assusta e o produtor que não conta com um mínimo de capital de giro está sempre de mãos atadas."
No extremo sul, em Rio Grande e proximidades, os trabalhadores da área metalúrgica também se viram com poucas opções depois dos cancelamentos de contratos de plataformas que seriam financiadas pela Petrobras e da falta de investimento público.
O polo petroquímico, que durante o auge alcançou 24 mil trabalhadores, demitiu praticamente toda a força de trabalho ao migrar para China e outros países a construção das bases. A decadência dos estaleiros, por consequência colapsou a cadeia de comércio e serviços da região.
"O PT sempre é chamado para recuperar o estado depois dos desgovernos de PSDB, PP e PMDB. Isso acontecerá de novo nesta eleição", projeta o pré-candidato Miguel Rossetto, ex-ministro de Lula e Dilma em diferentes pastas. Na chapa, o petista tem a companhia do senador Paulo Paim, um dos poucos negros da casa e favorito à reeleição de acordo com recentes pesquisas.
Situado na centro-esquerda, a candidatura do ex-prefeito de Canoas Jairo Jorge (PDT) também confia em seu potencial para avançar ao segundo turno. Entre os pilares do plano de governo do pedetista, que desfiliou-se do PT após seus dois mandatos no executivo canoense, afirma-se a garantia de não privatização.
Jorge fala ainda na criação de um fundo educacional a partir dos ganhos das empresas públicas, especialmente do Banrisul, que anunciou lucro de 1 bilhão de reais em 2017. A receita seria investida na segunda revolução na educação do Estado, depois da histórica reforma de escolas realizada pelo ex-governador Leonel Brizola, na década de 60.
"Temos uma cultura do embate, mas estou fazendo minha pré-campanha sem atirar pedras. Já são 16 meses e 102 mil quilômetros percorrendo o Rio Grande, serei o único a visitar todas as 497 cidades e o resultado dessa pesquisa é que os gaúchos buscam uma nova via, não querem mais o PT, nem o MDB marcado pela lamúria e guerra santa que colocou os servidores públicos como um problema, tampouco desejam uma aposta como a do PSDB em Porto Alegre. Querem uma mudança segura, é o que oferecemos", defende Jairo Jorge.
Dentro e fora do estado o que está em jogo se confunde na luta da classe pobre e trabalhadora brasileira, que pode comparar seu cotidiano ao dito gaúcho, "não tá morto quem peleia, disse uma ovelha no meio de cinquenta lobos".
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A crise brasileira reproduzida em solo gaúcho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU