Por: João Vitor Santos | 28 Abril 2018
Na última segunda-feira, dia 23/04, a Medida Provisória 808/2017, que regulamentava questões controversas da Reforma Trabalhista, perdeu a validade. Com isso, um clima de mais insegurança e instabilidade veio à tona. Alvo de muitas críticas do ponto de vista dos empregados por ser vista como algo que coloca o trabalhador em situação de vulnerabilidade, a Reforma passou efetivamente a valer em 11 de novembro de 2017. Mas, de outro lado, como a Reforma é compreendida na perspectiva do setor empresarial? “Me parece que o Estado está saindo dessa relação entre empregador e trabalhador. Antes, tínhamos um papai, que era o Estado, as partes podiam ‘brincar’ como quisessem, mas sempre tinha a mão do Estado. Discutir a Reforma é pensar que projeto de Brasil queremos. Será que precisamos de um paizão intermediando?”. A análise é do consultor empresarial e professor dos cursos de graduação, MBA e Pós-MBA da Unisinos, Diego Alberton, em conferência proferida no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, na última quinta-feira, 26/04.
Logo na abertura o professor fez questão de localizar seu lugar de fala na análise que propõe acerca da Reforma. “Meu viés não é do Direito, não é sociológico. Meu viés é de empresa, do capital”, pontuou. Para ele, a legislação trabalhista, apesar de muito jovem, é algo significativo e precisa ser respeitada. Porém, questiona se ela ainda dá conta de questões atuais. “Essa legislação foi pensada num modelo muito fordista e taylorista. Será que ainda serve para as realidades do mundo do trabalho de hoje? Por isso penso ser importante pensarmos nessas novas relações capital x trabalho”, destaca.
Diego Alberton (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Embora se declarando favorável a uma Reforma, ele se diz contrário ao modo como todo esse processo vem sendo conduzido. “É uma verdadeira bagunça. Veja o caso da MP. Hora vale, hora não vale mais e não sabemos o que vem depois. Pense na insegurança jurídica que isso gera”. Entretanto, compreende que a questão precisa ser enfrentada num debate que supere a ideia polar de disputa entre as partes. “Penso que não devemos discutir a Reforma da perspectiva de quem perde e quem ganha, o trabalhador ou empregador. Precisamos discutir no sentido de pensar que país queremos construir”.
Diego Alberton apresenta sua perspectiva sobre os pontos que considera mais significativos na Reforma e projeta como devem repercutir no mundo do trabalho. As alterações mais relacionadas a direitos, como questão de flexibilização de férias, descanso remunerado, intervalo entre jornadas, imagina que terão pouco impacto. Isso porque, na maioria dos casos, vêm para dar segurança jurídica para práticas já adotadas. Assim, compreende como o principal ponto de alteração a questão da validade do que é negociado sobre o que está previsto na legislação. “Quando se faz isso, abre-se uma margem quase infinita de possibilidades de relações de trabalho que, no meu ponto de vista, tendem a ser melhores. Só precisamos de mais tempo para saber se isso vai de fato se efetivar como foi pensado”, analisa.
Para o professor, é preciso superar o estigma de que a empresa está sempre disposta a lesar o funcionário. “Eu não conheço nenhuma que queira arrebentar com seu funcionário. Se alguma fizer isso, a longo prazo terá as consequências”, dispara. Com essa ideia de liberdade de negociação, acredita em mais benefícios para o empregado que negocia com o patrão. A partir dessa perspectiva, tensiona a relação e o papel dos sindicatos. “Outro ponto importante da reforma é o fim do imposto sindical obrigatório. Isso vai fazer com que a representação de classe se dê por interesse, e não visando o dinheiro. Se é o dinheiro que sustenta essa relação de representação, o sindicato tem que acabar mesmo”.
Alberton ainda lembra que existem cerca de 12 mil sindicatos no Brasil, o que, segundo ele, enfraquece a própria representação. “Países mais desenvolvidos, como Inglaterra e Estados Unidos, têm cerca de 200 sindicatos. Deve ter algo errado. Ou será que só nós estamos certos?”, questiona. Assim, acredita que se, de fato, as propostas da Reforma se efetivarem como foram pensadas, haverá também um outro estágio na representação sindical. “Os sindicatos que ficarem e vencerem se farão mais presentes do que nos últimos anos, serão mais fortalecidos. As empresas que se preparem, pois as negociações entraram num outro nível”, analisa.
O professor também fez críticas ao grande número de reclamações trabalhistas que acabam na Justiça. Para ele, há a perspectiva de que a Reforma crie igualdade na relação entre empregado e empregador, para que tenham a possibilidade de acreditar mais na negociação entre as partes e que, se chegaram à Justiça, não se terá aquela máxima de que “a empresa é sempre culpada”. “Antes da Reforma, chegamos a três milhões de reclamações na Justiça. Alguma coisa está errada nisso. Não pode estar certo”, infere.
A fala de Alberton causou reações na plateia, muitas entre seus colegas professores. Foi o caso do advogado e professor Rômulo José Escouto, que trabalha com disciplinas relacionadas ao Direito do Trabalho. “Já ouvi você em outras ocasiões e não me fica claro. De fato, quais são os pontos positivos da Reforma do ponto de vista do capital? E você também fala em afastamento do Estado. Mas será que a Reforma não traz um outro tipo de intervenção?”, questiona. Alberton diz que é preciso dar mais tempo para que se tenha certeza de que as propostas da Reforma se efetivem. “E com a Reforma, as coisas ficam mais claras. Um exemplo é a possibilidade de negociação sobre a jornada de trabalho. A Reforma não está aí para trazer benefícios para a empresa, e sim para flexibilizar algumas questões”, responde Alberton.
Isamara Della Favera Allegretti, professora da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, na área de Administração de Recursos Humanos, se diz preocupada com a ênfase que se dá para as questões de negociações, pois acredita que hoje isso desequilibra pela via da dissidência do movimento sindical. “As empresas foram muito hábeis ao retirar o foco de questões que foram muito caras ao movimento sindical”, aponta. E completa: “penso que talvez seja o momento de tirar a poeira dos livros de negociação das décadas passadas. O problema é que muita coisa ocorreu nesses últimos anos”.
Para Alberton, não é a Reforma que potencializa a barganha, que já existe. “Pode haver empresas que saiam por cima dos interesses dos trabalhadores, mas caberá ao sindicato fazer essa barganha. E, claro, num outro nível, o Estado vai fiscalizar isso, nem que seja pela via da Justiça do Trabalho. Penso que aos movimentos de classe caberá buscar os interesses de classe”, sintentiza.
Alberton: “Antes da Reforma, chegamos a três milhões de reclamações na Justiça. Alguma coisa está errada nisso. Não pode estar certo.”
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Mestre em Administração com ênfase em Recursos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, com especialização em MBA de Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas. Administrador de Empresas, com habilitação em Recursos Humanos pela Unisinos, com experiência na área de Recursos Humanos em indústrias de médio e grande porte, incluindo atividades gerenciais. Nos últimos 12 anos, atua como consultor empresarial em projetos de Recursos Humanos, Estrutura Organizacional e Gestão Organizacional. Também é professor dos cursos de graduação, MBA e Pós-MBA da Unisinos em disciplinas vinculadas a Relações de Trabalho, Gestão de Pessoas, Liderança e Administração de Recursos Humanos. Entre suas publicações, destacamos os livros O profissional de RH: por uma visão integrada (São Leopoldo: Unisinos, 2015) e Rotinas Trabalhistas Aplicadas (São Leopoldo: Unisinos, 2015).
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Reforma trabalhista na visão da empresa: “será que precisamos de um paizão?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU