Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 22 Abril 2018
Ocorre neste domingo, 22-4-2018, a sétima eleição presidencial no Paraguai depois do fim da ditadura de Alfredo Stroessner. Os partidos com chances reais de vitória os dois maiores: Asociación Nacional Republicana — Partido Colorado (ANR-PC) e Partido Liberal Radical Auténtico (PLRA). Tradicionalmente, os partidos governaram o país por décadas em sequência. A hegemonia atual é do Partido Colorado, do presidente Horacio Cartes, interrompida apenas pela coalizão de esquerda Frente Guasú, nas eleições de 2008. Os partidários de esquerda compõem neste ano a chapa de oposição com o Partido Liberal. Nesse panorama Mario Abdo Benítez, do ANR-PC, e Efraín Alegre, do PLRA disputarão o voto dos mais de 4 milhões de eleitores.
O presidente Horacio Cartes declarou nesta semana que ao final do seu mandato de cinco anos o Paraguai é hoje o país mais estável da região. Eleito em 2013, Cartes assumiu o país das mãos de Federico Franco, do Partido Liberal. Franco era vice-presidente do ex-bispo católico Fernando Lugo, eleito em 2008. Derrubado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados em um processo de impeachment relâmpago. Segundo Junior Ivan Bourscheid, em entrevista concedida por e-mail ao IHU On-line, o discurso de Cartes vela os problemas políticos vividos historicamente no Paraguai: “os problemas enfrentados pela democracia paraguaia desde o início da transição, em 1989, seguem vigentes e o governo Cartes não conseguiu sinalizar soluções para a fragilidade da democracia paraguaia e sua dificuldade em responder as demandas da população visando gerar uma confiança maior no regime”.
O predomínio do Partido Colorado na presidência paraguaia está posto desde 1948. A vitória de Lugo foi um pequeno hiato na hegemonia de um partido que semeou e colheu o poder antes, durante e depois da ditadura mais longa do continente. O professor internacionalista Junior Ivan afirma que o “Partido Colorado construiu seu poder dentro do Estado, utilizando recursos estatais para manter políticas clientelistas sobre as suas massas [...] De tal modo, por estar recorrentemente no governo consegue mobilizar recursos, cargos, políticas governamentais e obras públicas em prol das suas clientelas, mantendo sua dominação sobre as massas e sobre as elites”.
A oposição à herança conservadora e ditatorial une o segundo maior partido, o PLRA, com o único que conseguiu vencer o PC em 60 anos, a Frente Guasú, formando a Alianza GANAR. Efraín Alegre, ex-ministro, ex-senador e ex-presidente da Câmara de Deputados, tem como vice um empresário da comunicação, Leo Rubin. Entretanto a tática eleitoral traçada pode não surtir um efeito suficiente para um novo êxito. “Na perspectiva da Frente Guasú, seu candidato a vice Leo Rubin (jornalista e empresário), não é um político de esquerda que tenha uma grande atuação prévia, sendo que esta é a primeira vez que se candidata a algum cargo público. Ou seja, não possui um perfil político que se traduza em votos, como ocorre com Lugo”, afirma Bourscheid.
A própria figura de Lugo como presidente golpeado, para Bourscheid já não tem o mesmo sustento que teve nas últimas eleições: “Há de se observar que a deposição possuiu uma relevância maior nas eleições de 2013, quando a avaliação da atuação dos principais atores políticos delimitou parte considerável dos votos [...] Como Lugo era o primeiro nome da lista de senadores, a campanha em prol da figura de Lugo pós-deposição conseguiu a eleição de 5 senadores para o período 2013-2018”. Lugo quando eleito destacava-se pelo perfil de bispo envolvido com movimentos sociais e ligado à Teologia da Libertação. Entretanto, Bourscheid aponto que a sua imagem mudou depois de assumir a presidência do Senado, “deixou de ser o anti-sistema, o outsider” ainda que continue como “figura central na política paraguaia”.
Fernando Lugo e Horacio Cartes estiveram no foco da crise política de 2017, quando o Senado aprovou emenda na Constituição permitindo a reeleição. A votação do Senado surtiu protestos por todo o país e no exterior, o enfrentamento da militância, sobretudo do Partido Liberal, resultou em um jovem morto, dentro da sede do partido. Para Junior Ivan os protestos impactaram na conjuntura, impedindo os deputados de ratificarem a emenda constitucional, porém “não conseguiram ter um impacto mais profundo alterando substancialmente a percepção e o modo de atuação das principais lideranças políticas”. O sistema político paraguaio, segundo o professor segue com “o regime e suas principais figuras [que] não respondem as demandas da população, afastando cada vez mais a população do regime, tornando-o cada vez mais uma competição entre elites visando o controle do Estado.”.
Junior Ivan Bourscheid / Arquivo pessoal
Junior Ivan Bourscheid é doutorando do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016), bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (2014). Atualmente é professor substituto do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria e 2º Secretário do Centro de Integração Latino Americana (CILAM). Bourscheid desenvolve sua pesquisa sobre os processos de hegemonia e contestação, com enfoque na dominação tradicional e perspectivas de mudança social no Paraguai.
IHU On-line — Essa semana Horacio Cartes afirmou que o Paraguai é o país mais estável da região. Qual a sua avaliação dessa afirmação levando em conta os 5 anos de Cartes na presidência?
Junior Ivan Bourscheid — A questão da estabilidade afirmada por Cartes se refere ao contexto para os investimentos externos, uma atração para o capital internacional. Os bons resultados macroeconômicos surgiram como forma de legitimar o governo, ainda que se observarmos outros elementos como a pauta de exportações (ainda essencialmente primária, basicamente energia elétrica, soja e carne) e especialmente a questão da pobreza (oscilando e aumentando no último estudo), veremos um panorama não tão animador quanto o resultado do PIB e dos investimentos externos.
Mas se mudarmos nosso foco do viés econômico para o político, é possível afirmar que Cartes oferece uma informação falsa. Por exemplo, uma das avaliações de qualidade da democracia, o Índice de Desenvolvimento Democrático da América Latina (IDD-Lat), mostra que durante o governo Cartes a avaliação do regime democrático paraguaio continuou sendo de baixo desenvolvimento, principalmente por não conseguir gerar políticas públicas de eficiência econômica e bem-estar social. Outra forma de avaliar a estabilidade paraguaia pelo viés político é a partir da satisfação e confiança da população no regime. Uma das avaliações é feita pela Corporação Latinobarômetro, demonstrando que a população seguiu sendo crítica e insatisfeita com os resultados fornecidos pelo seu regime político.
Paraguay, el más estable y dinámico de América del Sur.
— Horacio_Cartes (@Horacio_Cartes) 18 de abril de 2018
@FMInoticias pronostica un crecimiento económico del 4.5% en el 2018. Lo que representa estabilidad, empleo y mejores oportunidades para todos los paraguayos. ¡Juntos construimos el futuro! pic.twitter.com/TsrJCehlqK
Ou seja, os problemas enfrentados pela democracia paraguaia desde o início da transição, em 1989, seguem vigentes e o governo Cartes não conseguiu sinalizar soluções para a fragilidade da democracia paraguaia e sua dificuldade em responder as demandas da população visando gerar uma confiança maior no regime.
IHU On-line — Qual a relevância que o Partido Colorado ainda tem sobre a política paraguaia?
Junior Ivan Bourscheid — Segue sendo o maior partido do Paraguai, seja em número de filiados (ainda que existam irregularidades nos processos de filiação, tornando o dado confuso e difícil de se analisar), seja em número de representantes eleitos (possui o presidente, a maior bancada no Senado e na Câmara de Deputados, o maior número de governadores, de concejales departamentais, prefeitos e concejales). É um partido que mantém suas características tradicionais, mas consegue adaptar seu discurso para inserir pautas e demandas dos contextos específicos.
É preciso ter em conta que a política paraguaia ainda mantém uma característica de lealdade emotiva aos partidos tradicionais (Colorado e Liberal), ainda que esse elemento venha perdendo força historicamente. Parte da população participa dos partidos como forma de socialização, como um modo de pertencer a alguma organização em que se reconheçam e sejam reconhecidos como membros a partir de uma identidade comum.
Além disso, o Partido Colorado construiu seu poder dentro do Estado, utilizando recursos estatais para manter políticas clientelistas sobre as suas massas. Governou por 61 anos de forma ininterrupta (1947-2008), e depois de um período fora do poder retornou no período atual (2013-2018 com Horacio Cartes). De tal modo, por estar recorrentemente no governo consegue mobilizar recursos, cargos, políticas governamentais e obras públicas em prol das suas clientelas, mantendo sua dominação sobre as massas e sobre as elites, ambas buscando os recursos do Estado de forma fundamentalmente clientelista e não em uma perspectiva de direitos reconhecidos pelo Estado.
IHU On-line — Quais foram os reflexos do impeachment de Fernando Lugo e como se manifesta nas eleições atuais?
Junior Ivan Bourscheid — No geral, representou o aumento da desconfiança da população em seu regime, além do aumento das atitudes negativas em relação ao modo de se fazer política no Paraguai. Isso ocorreu porque a população observava um processo de julgamento acelerado, passando pela apreciação do tribunal superior, enquanto a realidade paraguaia continuava sendo de uma justiça lenta. Demonstrou-se, assim, que a justiça funciona quando é do interesse das elites nacionais.
O principal problema do processo de deposição de Lugo foi a consequente precarização institucional, quando as instituições do regime são mantidas para legitimar as ações adotadas pelas elites, mas o funcionamento institucional é subvertido de modo a possibilitar a realização das demandas das elites. Portanto, quando as instituições não conseguem dar uma resposta rápida a uma demanda imediata, os atores políticos debilitam e alteram a dinâmica institucional momentaneamente para conseguir a resposta a sua demanda. Isso aumentou a percepção da população de que o regime funciona em prol dos interesses das elites e não da população em geral.
Como as reações populares de forma mobilizada não foram tão intensas e extensas, os efeitos foram mais conjunturais do que estruturais para a democracia e o modo de fazer política no Paraguai. Neste sentido, os efeitos nas eleições atuais são residuais. Há de se observar que a deposição possuiu uma relevância maior nas eleições de 2013, quando a avaliação da atuação dos principais atores políticos delimitou parte considerável dos votos. Fernando Lugo, por exemplo, utilizou-se do discurso da finalização ilegal do governo como uma forma de tentar suprimir as políticas voltadas para as massas e não mais para as elites, e conseguiu aumentar o poder político de sua concertação política, a Frente Guasú.
Como Lugo era o primeiro nome da lista de senadores, a campanha em prol da figura de Lugo pós-deposição conseguiu a eleição de 5 senadores para o período 2013-2018.Como no atual período legislativo Lugo acabou ascendendo à presidência do Senado (sendo o atual presidente do Senado), isso enfraqueceu a retórica do anti-sistema, do outsider, que sustentava Lugo. A discussão agora está muito mais voltada para a atuação dos principais atores do atual período político do que uma discussão sobre o processo de deposição realizado em junho de 2012.
IHU On-line — Como avalia a nova aliança entre Partido Liberal e Frente Guasú?
Junior Ivan Bourscheid — Na forma como a campanha foi feita, a aliança respondeu a um interesse anunciado pela Frente Guasú quando se propôs a aliança eleitoral: manter algumas das pautas fundamentais da Frente Guasú (como a soberania energética e o investimento público em políticas sociais), ainda que haja divergências dentro da aliança (como a questão da reforma agrária).
O problema da aliança é que ela dividiu o Partido Liberal, realizando-se a aliança a partir da eleição interna que favoreceu o grupo de Efrain Alegre, atual candidato à presidência. O grupo de Alegre é mais próximo de Lugo, contudo, o setor mais tradicional do partido é contrário à aproximação com “los zurdos” (os canhotos, em menção à esquerda política), pois não representaria os ideais de liberdade do Partido Liberal, e seria uma forma de entregar o partido aos desmandos de Lugo.
Na perspectiva da Frente Guasú, seu candidato a vice Leo Rubin (jornalista e empresário), não é um político de esquerda que tenha uma grande atuação prévia, sendo que esta é a primeira vez que se candidata a algum cargo público. Ou seja, não possui um perfil político que se traduza em votos, como ocorre com Lugo.
A lógica da aliança eleitoral é relativamente simples: separadas, estas duas forças políticas não conseguem contrapor o Partido Colorado. Mas estamos considerando aqui uma aliança entre a segunda força política tradicional com a terceira força política em ascensão, e por conseguinte, estamos falando das dificuldades de se articular os discursos tradicionais do Partido Liberal com os discursos progressistas da Frente Guasú.
IHU On-line — Qual o potencial de votos e mobilização popular que Fernando Lugo, candidato ao senado, ainda tem no Paraguai?
Junior Ivan Bourscheid — Apreciando-se as pesquisas eleitorais feitas durante a campanha, a lista do Senado da Frente Guasú, encabeçada por Lugo, possui mais de 21% das intenções de voto, podendo se converter na segunda força política do Senado, à frente do Partido Liberal (outro elemento de discussão dentro da aliança, além do analisado na pergunta anterior). Ou seja, Lugo segue sendo uma figura central na política paraguaia.
O desafio está em institucionalizar e estruturar um projeto político-ideológico que seja suficientemente articulado para prescindir da figura de Lugo. Até agora a atuação da Frente Guasú depende da figura de Lugo. Se a lista para o Senado tem a capacidade de converter a Frente Guasú em segunda força no Senado (considerando-se que os senadores são eleitos de forma nacional), as listas para deputados continuam com baixa intenção de voto (considerando-se que os deputados são eleitos de forma departamental, regional). Para governadores o panorama é o mesmo, de baixa intenção de votos na Frente Guasú, assim como para as Juntas Departamentais. Lugo não consegue transferir os seus votos para a Frente Guasú.
Além disso, a força política de Lugo e da Frente Guasú concentra-se no interior, tendo uma dificuldade para obter bons resultados em Asunción e no Departamento Central (que concentram cerca de 37% da população nacional). Isso ocorre, pois, o discurso e muitas pautas legislativas da Frente Guasú voltam-se para os campesinos paraguaios, dificultando a relação da Frente Guasú com os setores urbanos.
IHU On-line — Quais as expectativas para essas eleições? O que os protestos de 2017 podem impactar?
Junior Ivan Bourscheid — Pelo que indicam as pesquisas eleitorais realizadas, os colorados devem novamente conseguir sua união eleitoral que possibilita a vitória na eleição presidencial, com o candidato Mario Abdo Benítez (Marito) (filho do secretário particular do ditador Alfredo Stroessner).
No Senado deve haver um processo de desconcentração do poder, com uma divisão entre três principais forças: Partido Colorado, Frente Guasú e Partido Liberal. Ocorrendo isso, haveria uma dificuldade para o presidente conseguir maiorias favoráveis dentro do Senado, devendo barganhar com a Frente Guasú e a ala de Efrain Alegre no Partido Liberal. A Câmara de Deputados parece permanecer com a lógica existente desde 1989: concentrada nas mãos de colorados e liberais.
Os governos regionais, departamentais, devem manter-se em uma divisão entre colorados e liberais, com a preponderância dos colorados, mas devendo observar-se a possibilidade de mudanças no controle histórico de alguns Departamentos, como os colorados em Itapúa e os liberais no Departamento Central.
Os protestos contra a emenda constitucional para a reeleição, a repressão policial posterior (inclusive com o assassinato de um jovem liberal dentro da sede do Partido Liberal), foram eventos que mostraram novamente as falências da democracia paraguaia. Como efeitos para as eleições, não parecem ter um efeito similar, tão profundos.
A lista para o Senado com maiores intenções de voto, a do Partido Colorado, é encabeçada por Horacio Cartes que deixaria a presidência para assumir o Senado, o que gera críticas e inclusive a oposição de alguns senadores. Além de Cartes, outro ex-presidente que buscava a reeleição está presente na lista: Nicanor Duarte Frutos. Além disso, alguns candidatos a Senador já cumpriram três mandatos e buscam um quarto (o que estaria contra as regras de reeleição), e são nomes importantes em suas listas.
Em suma, os protestos tiveram um grande impacto conjuntural, inclusive fechando o caminho para a possibilidade de reeleição, mas não conseguiram ter um impacto mais profundo alterando substancialmente a percepção e o modo de atuação das principais lideranças políticas. Novamente o regime e suas principais figuras não respondem as demandas da população, afastando cada vez mais a população do regime, tornando-o cada vez mais uma competição entre elites visando o controle do Estado.
IHU On-line — Quais impactos as eleições paraguaias causam no continente?
Junior Ivan Bourscheid — Por ser historicamente um país relativamente afastado do restante da região, devido ao seu posicionamento mediterrâneo, os impactos devem ser superficiais. Além disso, como a tendência é de manutenção da estrutura política previamente existente, não deve afetar ou implicar processos inovadores e dinâmicos na realidade latino-americana.
Contudo, a afirmação do modelo de uma democracia frágil, mantendo uma política sem grandes alterações, mas com resultados econômicos superficialmente positivos, pode aprofundar a crença hegemônica de que para se obter bons resultados econômicos as discussões políticas e o seu conteúdo democrático devem ser deixadas de lado.
As eleições paraguaias auxiliam a legitimar a permanência da lógica da precarização democrática (instituições de baixa qualidade que não conseguem responder as demandas da população e, por consequência, não conseguem manter um posicionamento positivo da população sobre o regime), podendo dificultar a possibilidade de mudanças mais estruturais na América Latina, fomentando regimes de maior qualidade e com um conteúdo democrático, além da formalidade institucional.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A disputa das elites e a falência da democracia paraguaia. Entrevista especial com Junior Ivan Bourscheid - Instituto Humanitas Unisinos - IHU