13 Abril 2018
O Brasil vive uma profunda crise democrática de seu modelo liberal. O capitalismo, na verdade, nunca foi compatível com a democracia e a agenda dominante hoje é o contra-reformismo democrático. O algoz da democracia, no caso brasileiro, é a aliança entre o neoliberalismo internacional e o conservadorismo histórico das elites do país. A avaliação foi feita pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, nesta quinta-feira (11), em Lisboa, no Colóquio “Do liberal-democratismo ao risco do totalitarismo”, promovido pelo Instituto Novos Paradigmas (INP), pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e pela Fundação José Saramago (FJS).
A reportagem é de Sandra Bitencourt, publicada por Sul21, 12-04-2018.
O debate de quatro horas e meia entre intelectuais, acadêmicos e lideranças do Brasil, Portugal e Espanha, reuniu além de Boaventura, nomes como o ex-ministro Tarso Genro, o pré-candidato à presidência do Brasil pelo PSOL, Guilherme Boulos, a deputada portuguesa do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, o deputado português do Partido Socialista Pedro Vasconcelos, os professores Antonio Baylos, Manoel Carvalho, Francisco Louçã, Pablo Gentili, Carol Proner e Juarez Guimarães.
Na mesma linha do pensamento de Boaventura, Juarez Guimarães assinalou que o liberalismo social keynesiano foi deslocado do pensamento das classes dominantes. “Vivemos uma crise civilizatória, uma crise de época”, resumiu. Guilherme Boulos falou sobre a situação política brasileira e foi enfático ao destacar que “a liberdade de Lula é a batalha dos setores democráticos contra o arbítrio”.
Tarso Genro enfatizou que a crise do liberal-democratismo e da representação política permite violações constitucionais permanentes contra os direitos fundamentais e contra as conquistas sociais e econômicas que repousam na própria constituição democrática. O propósito de colóquio foi discutir por que que isto está acontecendo, quais são os limites dessa torção da constituição e como unificar um vasto campo democrático que inclua as formações de esquerda todas no centro dessa articulação para fazer uma contra-ofensiva política ao projeto neoliberal e contra s distorções autoritárias que ocorrem hoje nas democracias contemporâneas.
“Esta ocorrência não é só brasileira, mas sim latino-americana e também envolve muitos países europeus e são os dois debates que estamos fazendo para contribuir com a reflexão. Eles não têm nenhuma conclusão “unitária”, nenhuma vontade de concentrar ou dirigir quaisquer formações políticas, mas levar para dentro dos partidos democráticos de esquerda e de centro-esquerda, reflexões importantes que normalmente os países, os partidos internamente não estão fazendo”, afirmou o ex-governador do Rio Grande do Sul.
Os diretores do INP, Jorge Branco e Paulo Petri, também apresentaram análises sobre as condições de desdemocratização no Brasil e a judicialização da política. Para Petri, a judicialização é uma prática estratégica de disputa política, que resulta em ativismo judicial e transforma o aparato judiciário em um “player” do jogo político. “Sem cerimônia ocorre a supressão de direitos, o vazamento seletivo , a expressão de opiniões sobre as disputas políticas”, disse.
Jorge Branco apontou evidências empíricas para comprovar que vivemos um processo efetivo de alteração de regime político no país, não um fenômeno meramente conjuntural ou momentâneo. De acordo com o sociólogo, está em curso no país um processo de desdemocratização, carectarizado em seis evidências:
“1. A eleição geral teve seu resultado alterado pelo impeachment, ou seja, a ideia da vontade soberana do eleitor foi excluída;
2) depois do impeachment o país viveu uma eleição municipal que sofreu uma terrível interferência política do aparato estatal e da mídia que não nos permite mais falar em eleições livres e justas no país;
3) o aparato judicial policial é discricionário no exercício das suas funções públicas, portanto, nós não podemos hoje falar numa liberdade de expressão universal, já que há perseguição a uma opinião;
4) não há no Brasil mais diversificação das opiniões;
5) há um processo de perseguição aos movimentos sociais, aos movimentos populares por parte do aparto policial estatal brasileiro, portanto, não se pode falar mais em livre associação;
6) como resultado desse processo persecutório, discriminatório, não se pode tampouco mais falar na ideia de inclusividade universal no sistema político. Há uma parte que é vítima de exclusão do processo.
É evidente que nós do PT, em especial o lulismo como fenômeno político, temos que fazer uma autocrítica desse processo”, firmou Branco.
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Boaventura: 'aliança entre neoliberalismo internacional e conservadores locais é algoz da democracia no Brasil' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU