23 Março 2018
Novo escândalo no setor de carne expõe a fragilidade dos frigoríficos em garantir produção livre de desmatamento e irregularidades – e quem paga é o consumidor.
A reportagem é publicada por Greenpeace, 22-03-2018.
A operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que chacoalhou o Brasil, completou um ano em 18/03. Em seu aniversário, mais uma denúncia veio à tona e a bola da vez agora é o escândalo da BRF, uma das maiores companhias de alimentos do mundo.
A denúncia indica deliberada omissão da empresa na falsificação de laudos de alimentos contaminados com a bactéria Salmonela. O Ministério da Agricultura suspendeu a produção e exportação de frango de dez unidades da empresa, mas vamos combinar que o mercado internacional deve se restabelecer rapidamente, provavelmente muito antes dessa história toda ser devidamente esclarecida.
A operação Carne Fraca, quando deflagrada, denunciou um esquema de adulteração de carne em diversas empresas, comprometendo a qualidade do alimento que chegava no prato do consumidor. A JBS estava no centro do escândalo, mas não só. Várias empresas e entes governamentais têm aparecido nas denúncias. Muitos países suspenderam temporariamente a importação da carne brasileira e cobraram explicações do governo. Mas, no final das contas, o governo disse que os problemas já foram sanados e que a exportação de carne bovina fechou o ano com crescimento de 10%, fazendo o setor ficar bem contente.
Desde 2009, Greenpeace e Ministério Público comprovaram envolvimento de frigoríficos com desmatamento, invasão de terras indígenas e trabalho escravo. Pressionados, os três maiores frigoríficos do Brasil (JBS, Marfrig e Minerva) assumiram o compromisso a zerar seu envolvimento com desmatamento na Amazônia e com outras ilegalidades identificadas.
Só no Pará, o estado da Amazônia que mais desmata, cerca de 25 frigoríficos (incluindo as três companhias citadas), assinaram com o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para corrigir as falhas cometidas na compra de animais para o abate.
Em 2014, os três maiores frigoríficos signatários do Compromisso Público da Pecuária começaram a publicar resultados de auditorias que testavam a eficácia das medidas de controle socioambiental de fazendas fornecedoras.
Ano passado, após os escândalos envolvendo a JBS e outros atores do setor, os frigoríficos decidiram seguir publicando os resultados das auditorias no âmbito do compromisso, demonstrando bons resultados, como se nada de anormal tivesse se abatido sob nossas cabeças.
Tendo em vista os escândalos de corrupção envolvendo JBS, além de outros envolvendo a cadeia pecuária, os ataques aos direitos humanos e à proteção das florestas em curso no Congresso Nacional patrocinados pelo agronegócio e a Bancada Ruralista, o Greenpeace decidiu interromper por tempo indeterminado seu envolvimento na implementação do compromisso.
Apesar da boa notícia em termos de transparência e do fato das empresas indicarem pouquíssimas falhas no sistema de controle de fornecedores, a percepção da realidade é diferente dos resultados apresentados. Os frigoríficos seguiram desconsiderando falhas cruciais já apontadas pelo Greenpeace há tempos. Falhas que, se corrigidas, seriam capazes de reduzir as chances de que a carne que chega na mesa do consumidor não esteja contaminada com desmatamento. A principal delas é a decisão dos frigoríficos de permanecerem sem monitorar os fornecedores indiretos, descumprindo um dos termos do compromisso público e voluntário que fizeram com a sociedade há quase 10 anos.
As auditorias realizadas no Pará, embora apontem resultados positivos de algumas empresas que de fato fizeram a lição de casa e eliminaram seu envolvimento direto com o desmatamento, mostram que o desmatamento continua crescendo na Amazônia – e que a pata do boi está intimamente relacionada com esta triste realidade. Os frigoríficos signatários do TAC compraram cerca de 133 mil animais de fazendas com desmatamento irregular. E lucraram R$ 16 milhões pelo abate de gado de fazendas com desmatamento ilegal.
Na prática, isso tira a tranquilidade do consumidor porque sem controle de todos os elos da cadeia de fornecimento de gado, não há garantia suficiente de que a carne que chega no seu prato está livre de destruição da floresta. Enquanto isso, nos perguntamos o que os supermercados vão fazer. As três maiores redes varejistas do país – Grupo Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart – assumiram publicamente compromisso de tirar a carne com desmatamento de suas gôndolas. Mas, estão muito quietas para mostrar sinais concretos de como suas políticas estão impactando concretamente na redução do desmatamento.
A verdade incômoda é que escândalos como os envolvendo a JBS e BRF vão continuar se repetindo enquanto permanecer a lógica atual e perversa de produção e consumo de alimentos no país. O Brasil se orgulha em dizer que alimenta o mundo, se orgulha dos planos parrudos de expansão da exportação de carne e grãos, que viram ração para animais mundo afora. Mas aqui, o consumidor é tratado de forma desonesta. No nosso próprio país, somos cidadãos de segunda categoria. Consumimos alimentos com agrotóxicos já proibidos na Europa e nos EUA. Temos que brigar pelo direito de saber se o que levamos pra casa é geneticamente modificado ou não. Tem até carne com papelão e frango com Salmonela.
O Greenpeace protestou nesta quarta-feira (21), em frente à Câmara dos Deputados, contra a flexibilização do Licenciamento Ambiental. Ruralistas apressam a votação da matéria alegando que existe um acordo com ambientalistas, o que já foi negado publicamente.
Um dos objetivos do projeto proposto é retirar a necessidade de licenciamento para atividades agrosilvopastoris, ou seja, ao invés de elevar o nível de fiscalização e controle sobre a produção de carne, o governo prefere facilitar ainda mais a ilegalidade e o desmatamento.
Aqui, o agro é Pop, é Tech, é Tudo. Tudo mesmo, até um belo de um piriri político e de qualidade de vida para o cidadão brasileiro.
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Para agronegócio, brasileiro ainda é consumidor de segunda categoria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU