21 Fevereiro 2018
James Martin, padre jesuíta, escreve a introdução da edição especial que a revista America, da Companhia de Jesus dos EUA, que “celebra o Papa Francisco e os cinco inovadores anos de seu papado”. A edição especial, sob o Pope Francis: Five Groundbreaking Years (Papa Francisco: Cinco anos inovadores, tradução livre) pode ser adquirida aqui.
Publicamos a seguir o artigo de James Martin, SJ, publicado por America, 20-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Isto é algo que você não vai ouvir um jesuíta dizer muitas vezes: eu não fazia ideia.
No dia 13 de março de 2013, de repente a fumaça branca saiu pela chaminé da Capela Sistina, no Vaticano, indicando que tinha sido eleito um novo papa — e mais depressa do que a maioria esperava.
Poucos minutos depois, eu estava num estúdio de televisão em Nova York, e coube a mim (assim como a vários outros observadores) explicar a pelo menos parte do público falante de inglês da televisão quem poderia surgir na varanda da Basílica de São Pedro como o novo papa, o sucessor do Papa Bento XVI.
E, francamente, eu não fazia ideia. Scola? Ravasi? Outro cardeal italiano cuja biografia eu deveria conhecer bem, mas provavelmente não conhecia?
Na verdade, poucos observadores faziam ideia do que esperar. E os que diziam ter uma ideia do que viria teriam de admitir que os eventos de algumas semanas anteriores haviam comprovado amplamente os perigos de fazer prognósticos quando um evento que ninguém previa surgiu: a renúncia do Papa Bento XVI no dia 28 de fevereiro de 2013.
Desde a renúncia voluntária do Papa Celestino V alguns meses depois de assumir o pontificado, em 1294, nada além da morte encerrava os papados. (Presumindo, claro, que podemos contar que Deus sabia o que aconteceu em 1415, quando por um período três homens alegaram ser papa). Tínhamos então um Papa aparentemente bem de saúde que renunciava sua posição "para o bem da Igreja".
Como alguém de fora, pensei, na época, a renúncia do Papa Bento XVI foi um dos exemplos mais poderosos de humildade em toda a história da Igreja. Imagine renunciar voluntariamente a esse tipo de poder. Isso ainda me deixa perplexo.
Como Bento XVI era amplamente visto como um papa em continuidade, pelo menos eclesiológica, com seu antecessor, João Paulo II (que mais tarde foi declarado santo), e a maioria dos cardeais-eleitores (os cardeais que têm direito a voto em eleições papais) haviam sido nomeados por Bento XVI ou por seu antecessor, grande parte deles eram considerados "cardeais de João Paulo II".
Muitos de nós pensamos que isso significava que eles elegeriam um candidato que mais ou menos continuasse os legados de João Paulo e Bento XVI, como rigorista doutrinal e talvez porta-estandarte da ala mais "conservadora" do Colégio dos Cardeais. (Nota bene: termos como “liberais” e “conservadores” significam algo completamente diferente em contextos religiosos em comparação ao discurso político estadunidense. Pode-se dizer, por exemplo, que o Papa Bento XVI foi muito mais "conservador" do que a maioria dos republicanos dos EUA em questões de moralidade sexual, mas muito mais "liberal" do que a maioria dos democratas em questões como a mudança climática e a política econômica).
Então, quem seria? Um funcionário da Cúria Romana? Um protegido de Bento XVI, como o cardeal de Quebec, Marc Ouellet ou o cardeal de Viena, Christoph Schönborn? Ou até mesmo um estadunidense como Sean O'Malley, de Boston, ou Timothy Dolan, de Nova York?
Um nome mencionado oito anos antes, no conclave que elegeu Joseph Ratzinger papa, ainda apareceu aqui e ali, mas sua estrela parecia brilhar mais forte: Jorge Mario Bergoglio, S.J., o Cardeal-Arcebispo de Buenos Aires, Argentina.
Em primeiro lugar, Bergoglio era jesuíta, e nenhum membro da Companhia de Jesus tinha sido eleito papa até o momento. Além disso, Bergoglio parecia uma espécie de cifra para os outros cardeais, assim como para grande parte dos vaticanistas que estavam dando palpites sobre os favoritos ao papado. Conhecido como um tradicionalista entre muitos de seus irmãos jesuítas, ele, no entanto, havia sido, na Argentina, um dos principais defensores de uma "teologia do povo" um tanto ousada e também havia feito movimentos não ortodoxos em relação ao diálogo inter-religioso e às tradições da Igreja que às vezes deixava as pessoas de fora sem entender nada. Entre seus próprios irmãos latino-americanos no episcopado, Bergoglio era conhecido como defensor ferrenho dos pobres e dos oprimidos. Muito imprevisível, pensavam muitos observadores... e além disso, ninguém pensava que alguém no Colégio dos Cardeais votaria num jesuíta para ser papa.
Entre vários jesuítas no mundo todo, havia também alguns ressentimentos sobre Bergoglio. Sua passagem como superior regional ("o provincial" no jargão jesuíta) tinha causado, de acordo com quase todos os jesuítas com quem falei, muitas divisões. Em relatos posteriores, como uma entrevista com a America pouco depois de sua eleição para papa, ele teria se arrependido de sua conduta na época, quando, ainda um rapaz (tinha 36 anos quando foi nomeado provincial) havia tomado decisões de forma "autoritária". Na verdade, logo após o período em que foi provincial, os jesuítas foram obrigados a nomear um sucessor de outro país — um procedimento extremamente incomum que ressaltou a desunião vivida na província durante os anos de Bergoglio. O que muitos de nós não levaram em consideração foi que essas eram ações de um homem muito mais jovem, e que Bergoglio havia mudado.
Foi com tudo isso em mente que eu vi a fumaça branca subindo naquele dia. Cardeal Scola, pensei, ou Schönborn; ou talvez o cardeal Ravasi. Os cardeais eleitores vão se manter no que é seguro, escolher alguém conhecido, que seja local. Ainda com esperança, também rezei por alguns cardeais que conhecia de verdade: Dolan, O'Malley.
Os apresentadores da ABC News rapidamente me colocaram sentado com um microfone para narrar os eventos quando o nome do novo papa fosse anunciado. Pouco depois, a cortina pesada foi puxada para trás na varanda da Basílica de São Pedro, e foram entoadas as famosas palavras:
“Annuntio vobis gaudium magnum; habemus Papam!”
A multidão gritou com alegria. Eu estava realmente animado, com um caroço na garganta.
“Eminentissimum ac reverendissimum Dominum, Dominum Georgium Marium Sanctae Romanae Ecclesiae…”
A multidão murmurava. George Mary? Quem era? Repassei na minha mente a curta lista de nomes que me lembrava do Colégio dos Cardeais. Que George Mary?
Admito que quebrei uma regra dos cardeais em transmissões televisivas quando ouvi o que veio a seguir — porque arfei no microfone ao vivo quando ouvi:
“Cardinalem Bergoglio. Qui sibi nomen imposuit Franciscum.”
Bergoglio! O jesuíta!
Foram três choques ao mesmo tempo, porque eram três estreias de uma vez só. A lista de estreias veio em cascata à minha mente, e era difícil deglutir todas elas: O primeiro papa jesuíta. O primeiro papa do hemisfério sul. O primeiro papa a ter o distinto e santo nome de Francisco.
E, francamente, um jesuíta sobre quem eu não tinha ouvido nada de bom! Imediatamente, comecei a receber mensagens no celular: "Um Papa jesuíta!", "Ele não é jesuíta?", E de um jesuíta que o conhecia, "Cuidado! Você vai estar de batina daqui a um ano!" (Em outras palavras, o novo Papa é uma pessoa autoritária e tradicionalista.)
Então eu pensei: "Só um minuto. Ele está levando o nome de São Francisco de Assis? (Ou talvez Francisco Xavier?) Não pode ser assim tão ruim!"
Parecia que o novo papa sabia tanto quanto todos nós o choque que era sua eleição. (Talvez ele próprio tenha sentido esse choque.). Suas primeiras palavras, traduzidas aqui, desarmaram isso, numa confirmação de sua posição de "outsider" e o reconhecimento de seu antecessor famoso:
“Irmãos e irmãs, boa noite! Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo? Eis-me aqui! Agradeço pelo acolhimento. A comunidade diocesana de Roma tem o seu bispo. Obrigado. E, antes de mais nada, quero fazer uma oração pelo nosso bispo emérito Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde”.
Depois de mais algumas palavras de boas-vindas, Francisco deu a primeira indicação de que seria um papa diferente do que estávamos acostumados:
“E agora eu gostaria de dar a bênção, mas antes peço-vos um favor. Antes de o bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim; é a oração do povo, pedindo a bênção para o seu bispo. Façamos, em silêncio, esta oração, vossa oração por mim. Agora darei a bênção, a vós e a todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade”.
Então ele fez algo que, admito, me levou às lágrimas: curvou-se em silêncio diante da grande multidão. Novamente, eu pensei: "Como ele pode ser mau se está fazendo isso?"
Naquela noite a nossa comunidade jesuíta em Nova York estava alvoroçada. Tínhamos uma reunião da comunidade previamente agendada, então todos nós estávamos em casa. Como era de se esperar, passamos a ata habitual rapidamente e falamos dos nossos sentimentos. Quem era ele? Nós o conhecíamos? O que pensávamos? O que significava ter um Papa jesuíta? Essa última era uma pergunta que um repórter já havia feito para mim naquele dia. E a minha resposta foi a mesma: "Como vamos saber? Nunca houve um papa Jesuíta!"
Cinco anos depois, nós sabemos. Temos um papa de surpresas, e um papa de misericórdia surpreendente. Um papa que diz com toda a honestidade a repórteres: "Quem sou eu para julgar?". Um papa que fala pelos marginalizados, insistindo em que a Igreja global considere todo o globo. Um papa que evita muitas das armadilhas do papado por uma vida de relativa austeridade.
Um papa que tem pouca paciência para a acumulação e pompas dos séculos passados, que por vezes escandaliza os católicos ao rejeitar de forma contundente falsas devoções e regras arbitrárias. Um papa surpreendente em muitos aspectos, que incentiva os jovens a "fazerem bagunça, fazerem cena", que não tem medo de nomear os fariseus e hipócritas da nossa época em sua pregação e seu ensino. Um papa completamente jesuíta: sem medo de discernimento, de encorajar as pessoas a terem consciência, de tentar algo novo.
Rezo diariamente pelo meu irmão jesuíta, este antigo superior provincial e agora meu chefe terreno, não simplesmente por sua saúde e presença entre nós, mas pela Igreja da qual ele é pastor e pela Igreja que ele convoca a viver de novas formas e com novas formas de pensar e de ser.
Feliz aniversario y que cumpla muchos mas, Papa Francisco!
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Olhando para trás: a eleição do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU