23 Novembro 2017
Na próxima semana, o Papa Francisco fará uma visita a Mianmar, onde corre o risco de comprometer sua autoridade moral ou colocar em perigo os cristãos do país. Tenho grande admiração pelo Papa e por suas habilidades, mas alguém deveria tê-lo convencido a não fazer esta viagem.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, ex-diretor da revista America, publicado por National Catholic Reporter, 21-11-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Rezo para estar errado.
Mianmar está caótica.
Sob uma fachada de democracia, os militares ainda detêm grande parte do poder, como o controle da polícia e de outras forças de segurança. Aliados às forças armadas estão monges budistas radicais que reuniram seu povo contra os Rohingya, uma minoria muçulmana que eles consideram estrangeiros hostis, mesmo que estejam presentes em Mianmar há gerações. O resultado foi o que a ONU chama de caso clássico de limpeza étnica, que segundo algumas pessoas beira o genocídio.
Há muitas evidências disso. Fotos de satélite mostram dezenas de aldeias incendiadas. Quase 600.000 rohingyas fugiram de seu país e se refugiaram em Bangladesh. Jornalistas e organizações de direitos humanos registraram centenas de histórias de testemunhas oculares de abusos sistemáticos, assassinatos em massa e terror organizado contra os rohingya por militares de Mianmar. Os refugiados que estão em campos superlotados e desorganizados estão claramente traumatizados pelo que vivenciaram.
Esta crise não apareceu de repente, do nada. A Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos EUA (US Commission on International Religious Freedom) vem documentando o abuso aos rohingya há anos e considerou Mianmar, que o Departamento de Estado dos EUA ainda chama de Birmânia, um "país particularmente preocupante", um dos piores países do mundo em relação a liberdade religiosa.
Apesar de ter feito parte da Comissão desde minha nomeação pelo Presidente Barack Obama, em 2014, as opiniões expressas nesta coluna são minhas e não representam necessariamente as opiniões da Comissão.
Em seus relatórios anuais, a Comissão critica muito Mianmar. Em dezembro de 2016, também publicou um relatório especial sobre "a constante perseguição dos muçulmanos rohingya na Birmânia". Mas não foram apenas os muçulmanos que foram perseguidos pela maioria budista. A Comissão também documentou o sofrimento oculto das minorias cristãs na Birmânia.
É por isso que a visita do Papa a Mianmar, que começa no dia 27 de novembro, é tão perigosa para os 4% da população que é cristã, incluindo os 659.000 católicos.
Por um lado, sua voz profética deve estar do lado dos refugiados rohingya, mas o exército e o governo de Mianmar negam que esteja ocorrendo qualquer tipo de limpeza étnica. Uma defesa veemente dos rohingya levará a mais perseguição aos cristãos no país. O Cardeal Charles Maung Bo, Arcebispo de Yangon, alertou o Papa para sequer usar a palavra "Rohingya”, um termo que a maioria budista rejeita.
No século passado, o Papa Pio XII enfrentou um dilema semelhante. Será que se pronunciar contra o genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial colocaria os católicos em risco? Francisco está no mesmo campo minado em Mianmar. Se for profético, coloca os cristãos em risco; se ficar calado sobre a perseguição dos rohingya, perde a credibilidade moral. Ainda que eu espere que ele e os cristãos de Mianmar sobrevivam à experiência, a credibilidade do Papa Pio XII não sobreviveu.
Esta não é a primeira visita que Francisco faz a terras conturbadas. Ele visitou o Oriente Médio em 2014 e Cuba e a República Centro-Africana em 2015. Essas viagens foram consideradas vitoriosas de forma quase universal. Se tiver o mesmo efeito em Mianmar, não ficarei surpreso se o Papa andar sobre as águas.
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Papa Francisco não deveria arriscar ir a Mianmar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU