09 Outubro 2017
O Papa Francisco está pedindo à Igreja Católica para não ver as famílias como uma espécie de oficina de experimentação de diferentes estratégias pastorais, mas como um "lugar privilegiado" onde Deus está vivo e trabalhando no mundo, disse o cardeal Blase Cupich, de Chicago, no dia 5 de outubro.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 05-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em uma conferência pioneira para bispos e teólogos dos EUA, para pensar como melhor implementar Amoris Laetitia, a exortação apostólica de 2016 de Francisco sobre a vida familiar, Cupich disse que o papa se concentra em como "Deus escolheu revelar a realidade divina no lugar privilegiado da vida familiar".
"Isso é muito verdade, se olhar para os capítulos iniciais de Gênesis, até a cena final do Livro do Apocalipse", disse Cupich. "O contexto é sempre famílias, pessoas que se juntam como família."
"É o lugar privilegiado que Deus escolheu para que possamos conhecê-lo", afirmou. "Não é que estejamos tratando as famílias como uma espécie de laboratório de prática pastoral ou teologia; pelo contrário, é um lugar privilegiado de que somos agraciados com a possibilidade de fazer parte... para ver onde Deus está ativo, onde Deus está vivo e que Deus está fazendo algo novo."
Cupich é co-anfitrião da conferência, no Boston College, com o padre jesuíta James Keenan, teólogo da universidade. Durante o evento de dois dias, dois cardeais, 12 bispos e outros 24 participantes convidados estão discutindo o que os organizadores chamam de "novo impulso" de Amoris Laetitia aos bispos locais, para renovar suas práticas pastorais em relação às famílias.
A abertura do evento incluiu cinco painéis de discussão entre alguns dos mais importantes religiosos, teólogos e advogados canônicos do país. As discussões do primeiro dia se concentraram na recepção da exortação apostólica em diferentes comunidades dos Estados Unidos e em como os sacerdotes e seminaristas em formação entendem seus ensinamentos.
Grande parte das discussões nos painéis teve temas em comum, centrados no respeito que Amoris Laetitia demonstra em relação à capacidade das famílias para discernir e tomar decisões sobre o melhor para elas.
Cupich assentiu a esses temas comuns com uma história pessoal sobre seus avós, imigrantes croatas que moravam em Omaha, Nebraska. Contou que a caçula dos quatro filhos, Roseanne, teve problemas emocionais e mentais.
Como ela podia ser violenta, o casal decidiu colocá-la em um lugar que pudesse fornecer os cuidados adequados. Depois de contar ao padre da paróquia sobre a decisão, o monsenhor disse que eles não podiam "abandonar" a filha.
Cupich lembrou que seu avô perguntou à avó sobre o que fazer depois de visitar o padre. "Vovó disse que levariam a criança para o lar", mencionou Cupich, antes de citar sua resposta ao marido: "O padre não convive com ela".
Ele revelou que sua avó contou-lhe essa história uma semana após ele ser ordenado sacerdote.
"Acho que ela contou para me dizer que eu deveria procurar uma forma diferente de trabalhar com as pessoas e de tratá-las, e... conversar com o coração, realmente estar em contato com a situação de vida com que as pessoas lutam todos os dias, pois são decisões muito difíceis", afirmou. "Temos que integrar as pessoas na vida da Igreja com as lutas que elas têm."
Após Cupich, as primeiras palestras na conferência do dia 5 de outubro focaram na recepção da exortação apostólica de Francisco por comunidades católicas latinas e negras nos EUA.
Natalia Imperatori-Lee, teóloga do Manhattan College, disse que "não há como entender" a recepção latina a Amoris Laetitia desconsiderando o legado histórico do sistema colonial nas Américas.
Ela disse que, no pedido do papa Francisco por maior respeito pelas decisões dos leigos em suas vidas, os latinos veem o papa "apontando para a infantilização de leigos e famílias, que é uma característica típica da colonização".
"A infantilização dos leigos tem raízes históricas, em uma visão deles como objetos de controle clerical: pagar, orar e obedecer, ou como Pio X observa na [encíclica de 1906] Vehementer Nos, ‘o direito dos leigos é se deixar conduzir’", disse.
Ela observou que Francisco, no entanto, vê a família como "protagonista de seu próprio destino".
"Os casais tornam-se sujeitos de sua história, e pastores e confessores mantêm um papel de acompanhamento e de escuta", disse ela.
Também mencionou o chamado do papa Francisco em Amoris Laetitia para que os pastores respeitem as decisões que os leigos fazem em consciência após um processo de discernimento. "Fomos chamados a formar consciências, não substituí-las", escreveu o papa no documento.
"A substituição da consciência é um ato de dominação, novamente, uma colonização", afirmou, parafraseando o teólogo peruano Gregorio Pérez. "É um abuso de poder. A formação da consciência, por outro lado, é um ministério vital."
C. Vanessa White, uma teóloga da União Teológica Católica, destacou a compreensão da exortação pela comunidade católica negra. Na preparação para a palestra, buscou a contribuição de outros teólogos católicos e ministros leigos negros sobre a influência do documento em suas paróquias.
"É triste dizer que a maioria dos que responderam diz que houve pouco impacto", revelou.
Um ministro leigo disse: "Quando Amoris Laetitia foi divulgada, foi discutida brevemente... mas não houve um interesse geral da paróquia em ler o documento na íntegra."
"Algumas de nossas famílias estão em modo de sobrevivência, lutando com o sub-emprego e o desemprego, o divórcio e a criação dos filhos sozinhos", disse o ministro. "As famílias estão simplesmente tentando garantir que seus filhos não sejam vítimas da violência que aflige a nossa cidade."
"Eu diria, em vez de simplesmente falar sobre ‘A Alegria do Amor’ como um documento, nós, que o lemos, estamos tentando usá-lo como um guia para dar o apoio de que as famílias precisam", acrescentou.
Depois dessa contribuição, White concluiu que Amoris Laetitia "deve estar em diálogo com a vida e com o contexto das pessoas. A liderança da Igreja deve aprender a avançar e continuar progredindo para entender o contexto das pessoas negras."
Cathleen Kaveny, teóloga e advogada civil no Boston College, falou sobre como a Igreja vê as pessoas divorciadas e que se casaram novamente sem anulação prévia.
Ela usou sua dupla experiência profissional para avaliar como a Igreja poderia se voltar para o direito civil dos EUA como um recurso para uma reavaliação de sua visão sobre o novo casamento como um adultério constante.
Citou um caso em que o Supremo Tribunal decidiu que os promotores de um caso contra polígamos não podiam acusá-los contando separadamente cada ano em que se casaram, porque o crime tinha de se alinhar com a "experiência vivida" das pessoas em questão.
"Jesus claramente não aprovava o adultério", concluiu. "É claro que não aceita o divórcio e o novo casamento, como contrários à vontade original de Deus. Mas nada nas palavras ou na conduta de Jesus demanda que o pecado envolvido no divórcio e no novo casamento deve ser conceituado como interminável, sem possibilidade de arrependimento efetivo."
"Impor tal exigência em todos os casos não é misericordioso", afirmou. "E a misericórdia é a última pedra de toque para o legislador divino."
"Não precisamos perturbar o ensino de Jesus para refiná-lo e desenvolvê-lo dessa maneira, da maneira que os teólogos morais e os advogados canônicos sempre fizeram", disse ela.
O evento do Boston College continuou no dia 6 de outubro com painéis de discussão sobre o envolvimento da exortação apostólica em um processo pastoral marcado pelo discernimento e pelo acompanhamento, bem como os desafios que o documento apresenta aos teólogos e pastores.
Entre os oradores do dia 6 estão o arcebispo de Atlanta, Wilton Gregory, o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, e o bispo de São Diego, Robert McElroy.
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Conferência analisa rejeição à 'infantilização dos leigos' em 'Amoris Laetitia' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU