Em novembro, vence na Argentina o prazo para as comunidades indígenas saírem de suas ocupações que não são legalmente reconhecidas. Os laudos antropológicos e as questões jurídicas já estariam prontos até essa data. Trabalhando no caso, a Anistia Internacional lançou recentemente, no Dia Internacional dos Povos Indígenas, um relatório com dados sobre a situação dos povos indígenas na Argentina, acompanhado de uma campanha para pedir ao Congresso Nacional que prorrogue a Lei 26.160 até novembro de 2021.
"Sessenta por cento das comunidades registradas estarão à deriva para não estender a regra e verá truncada a possibilidade de ter seu território aliviado. A conclusão desta lei deixaria as comunidades desprotegidas diante da possibilidade de serem despejadas ", diz o relatório da Anistia Internacional.
Sancionada no final de 2006, a lei 26.160 deu um período de quatro anos para aliviar os territórios dos povos indígenas em todo o país. Ela suspende despejos de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades e povos indígenas e estabelece a realização do inquérito técnico legal cadastral da situação fundiária, cujo responsável é Instituto Nacional de Assuntos Indígenas - Inai.
Nestes onze anos da criação da lei, foram pesquisadas 759 das 1532 comunidades identificadas. Destas, o Inai considera que 459 são reconhecidas como ocupação, tradicional e pública.
“A Argentina tem um quadro na Constituição Nacional favorável à questão indígena, mas existe uma enorme insegurança jurídica no reconhecimento do território legal para as comunidades indígenas", disse a diretora de Proteção e Promoção de Direitos Humanos da Anistia Internacional Paola García Rey à publicação Consecha Roja.
Segundo ela, existe um estigma e uma perseguição que se espalha, questionando a legitimidade da reivindicação indígena em geral. Mas, para a especialista, “o indígena violento que quer ocupar metade da Argentina não é real”.
Recentemente, a Lei de Emergência Territorial Indígena foi proposta na agenda do dia do Senado argentino, mas acabou deixada de lado e ficou para uma próxima sessão, ainda sem data definida.
Atualmente, existem pelo menos 623 comunidades registradas sem liberação. De acordo com o Inai, esse dado varia e se expande à medida que o processo de registro da comunidade avança. Do mesmo modo, 303 comunidades ainda não completaram o processo de pesquisa. Existem pelo menos 13 províncias que não iniciaram o processo de pesquisa, ou a pesquisa ainda está em processo. A conclusão desta lei deixaria as comunidades desprotegidas contra a possibilidade de serem despejadas.
A obsessão pelo crescimento, a aposta em megaprojetos e a flexibilização do aparato normativo que protege o meio ambiente estão no cerne das tensões sociais que se assiste envolvendo a questão indígena em todo o continente. Marchas, protestos, ocupações e mobilizações fazem parte do cenário da luta social dos índios na América Latina nos últimos anos e, na maior parte delas, o arranque das mobilizações são os conflitos ambientais ancorados na mineração. Assiste-se, pois a um ressurgimento dos povos indígenas na América Latina, que se postam como novo movimento social, ancorado numa outra cosmovisão, que se manifesta em outra concepção de desenvolvimento.
(Imagem: mapa dos territórios a serem preservados/Anistia Internacional)
Tribos argentinas
Há cerca de quarenta dias, na comunidade mapuche Pu Lof en Resistencia, departamento de Cushamen, província de Chubut, um conflito entre manifestantes e a polícia argentina da Guarda Nacional resultou no desaparecimento do jovem Santiago Maldonado. Alguns dias atrás, a família de Maldonado entregou um pedido ao Ministério da Justiça argentino incluindo uma "investigação independente" sobre o desaparecimento do jovem, que tem cooperação e assistência técnica através de do escritório regional das Nações Unidas e a participação de especialistas independentes.
Outros conflitos com índios mapuche na Argentina ocorrem nas comunidades de Mellao Morales e Huenctru Trawel Leufú, onde eles tentam, desde 2008, anular um contrato para exploração de cobre dentro de suas reservas. Segundo eles, a extração do metal viola legislações indígena e ambiental. As obras foram paralisadas por decisões judiciais até que eles sejam consultados. Já a população de Famatina, na província de Rioja, junto à Cordilheira dos Andes, e o povo da vizinha Chilecito, se organizaram, em janeiro de 2012, com vistas a impedir o acesso à área onde a mineradora canadense Osisko Mining pretende extrair ouro e outros minérios, usando milhões de litros de água misturada com cianeto e soda cáustica. Eles temem que o uso de cianeto contaminará as águas da região, e seus efeitos poderão atingir fontes hídricas que atravessam a Argentina, podendo chegar até o rio Paraná.