Por: Ricardo Machado | 29 Agosto 2017
Se, como no caso dos personagens de Isaac Asimov, no conto A última pergunta, estivéssemos diante de um oráculo digital, exatamente como o Multivac da ficção, e perguntássemos a ele: para onde a revolução 4.0 nos levará, provavelmente sua resposta seria: “Dados insuficientes para resposta significativa”. Se na literatura a questão era sobre como reverter a entropia da terra, na vida real as perguntas são sobre o nosso futuro diante de transformações radicais e exponenciais da revolução 4.0. “Se alguém disser 'vamos por aqui ou por ali', a pessoa está mentindo. É impossível saber para onde vamos”, provoca e alerta Eduardo Mario Dias, professor doutor e pesquisador do Grupo de Automação Elétrica em Sistemas - Gaesi, da Universidade de São Paulo – USP.
Com 42 anos de experiência docente na área da automação, Eduardo Mario Dias tem um jeito calmo e divertido de falar sobre o desenvolvimento das tecnologias. E foi desta maneira que ele prendeu a atenção de mais 250 pessoas no Auditório Central da Unisinos, em São Leopoldo, na noite da segunda-feira, 28-8-2017, durante a conferência A quarta Revolução Industrial. Consequências no modo de produzir e viver, que integra a programação do ciclo Revolução 4.0. Inteligência Artificial e Internet das Coisas. Impactos no modo de produzir e viver. A conferência contou com a participação do professor doutor Vidal Melo.
Auditório Central da Unisinos ficou lotado durante a conferência (Foto: Ricardo Machado/IHU)
Apesar dos processos de automação serem cada vez mais velozes, a aplicação de uma tecnologia que seja, de fato, eficiente e funcional pode levar décadas. “Para automatizar os portos brasileiros foram necessários 20 anos para integrar os sistemas do Ministério da Agricultura e a Receita Federal. Para que um sistema tenha uma boa usabilidade, ele precisa ser funcional para todos os envolvidos no processo. Por isso foi desenvolvido o Canal Azul”, explica Dias.
Outro problema recorrente, na questão tecnológica, é que o dinheiro investido em Tecnologia da Informação – TI não tem retorno se for mal aplicado. “Os recursos para TI precisam ser muito bem pensados, porque se investir errado não se recupera nunca mais. Ao longo de mais de dez anos o Brasil gastou rios de dinheiro em TI que foi em vão, pois não seguiram protocolos internacionais”, critica o professor. Diferentes de outros projetos que foram implementados e não deram certo, com custos altíssimos, o Canal Azul foi desenvolvido pela USP a um custo de R$ 1,5 milhão, o que é baixo levando em conta a economia de tempo e aumento na eficiência dos processos de exportação.
Professor Vidal Melo à esquerda e Eduardo Mario Dias à direita (Foto: Ricardo Machado/IHU)
Ao passar a palavra para o professor Vidal Melo, Eduardo Mario Dias pediu que ele explicasse, como funciona a curva de desenvolvimento tecnológico.
“Na primeira parte da curva (azul), nesta reta mais aguda para cima, ela é cheia de expectativas. No topo da segunda curva (amarelo), ela contém a parte dos testes. Depois temos a chamada 'curva da desilusão' (vermelho), onde, depois dos testes, vemos exatamente o que é possível e o que não é possível de se realizar. Por fim, temos uma curva levemente ascendente (verde), que é a curva mais fiel da potencialidade tecnológica, que é quando começam as aplicações da nova tecnologia”, detalha Vidal, ao esclarecer cada uma das etapas.
Gráfico Gartner (Edição: Ricado Machado)
De acordo com Eduardo, as principais aplicações para as tecnologias desenvolvidas pelo Gaesi se destinam ao agronegócio e à saúde. "Nós precisamos ser mais eficientes nos gastos com a saúde, porque o Brasil gasta muito dinheiro com Sistema Único de Saúde - SUS e o que é investido precisa ser otimizado para que mais pessoas sejam atendidas", propõe Dias.
Ao olhar para a plateia, repleta de olhos brilhantes de centenas de jovens inseguros com o futuro, o professor convocou todos ao trabalho. "Hoje é muito mais difícil saber programar, pois são dezenas de linguagens, elas mudam a todo momento. Mas são vocês são o futuro da tecnologia, são vocês que vão programar as novas tecnologias. Os mais velhos, como eu, ficam com a experiência, com as decisões políticas e o firme propósito de não jogar dinheiro público fora", frisa.
Antes de encerrar a palestra, Vidal Melo apresentou algumas tecnologias que estão sendo desenvolvidas atualmente no Gaesi. "Em Pequim, na China, há um milhão de câmeras que monitoram os principais pontos da cidade. Já que economicamente é inviável para a cidade de São Paulo fazer esse investimento, nós propomos usar dados de câmeras privadas, com usuários que concordassem em ceder o sinal, para monitorar as ruas da cidade e identificar comportamentos não usuais, entre eles o de pessoas ou carros parados por muito tempo em um mesmo local. O próprio sistema identificaria essas situações e acionaria uma viatura da polícia para ir à região", explica Vidal.
Um projeto desenvolvido a pedido do governo do Estado de São Paulo, que visa combater a sonegação fiscal, é um dos cases de maior sucesso do Gaesi em termos de eficiência no cuidado com o dinheiro público. "Em 2010, o governo do Estado de São Paulo procurou a USP para desenvolver um sistema de combate à sonegação no varejo. Desenvolvemos o SAT, utilizando a internet das coisas, para combater sonegação fiscal. A ferramenta está em 300 mil estabelecimentos de São Paulo", conta Vidal.
Assim como no conto de Asimov, em que o Multivac, computador-oráculo, não sabia como reverter a entropia da terra, nós também não somos capazes de prever para onde a revolução 4.0 nos levará. "As fronteiras estão desaparecendo. Além das tecnologias se permearem umas às outras, elas estão indo para além dos limites conhecidos. É por isso que não sabemos dizer, exatamente, para onde vamos, nem sabemos se será bom ou ruim”, pondera Vidal.
"Entre o começo e o fim da Primeira Revolução Industrial, houve um intervalo de 60 anos. Agora, na sequência de nossas tecnologias autofágicas, às vezes não há tempo nem de pagar o investimento e já há algo novo. Agora estamos na revolução 4.0, daqui a pouco será a 5.0, a 6.0, a 7.0. Enfim, não sabemos para onde vamos", complementa o experiente professor Eduardo Mario Dias.
Os desafios são imensos. A esteira da contemporaneidade nos leva direto para o mundo 4.0, com seus limites e potencialidades. No teatro do presente, as cortinas estão abertas e os atores estão no palco – governos, universidades, indivíduos e empresas. Para que o teatro da humanidade não vire tragédia, há que contracenar e construir a história da civilidade e não da barbárie.
Eduardo Mario Dias | Foto: Ricardo Machado/IHU
Eduardo Mario Dias é doutor, mestre e graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo - USP. Desde 1994 é professor titular da USP, onde ministra cursos na graduação e na pós-graduação na Escola Politécnica. Atualmente também é coordenador do Grupo de Automação Elétrica em Sistemas Industriais - Gaesi.
Vidal Melo é graduado em Engenharia de Produção Mecânica pelo Instituto Mauá de Tecnologia, pela Escola de Engenharia Mauá e doutor em automação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP.
Vidal Melo | Foto: Ricardo Machado/IHU
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A Revolução 4.0 nos levará para o futuro, mas qual? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU