04 Julho 2017
Desde o verão passado, vinha se sustentando em voz baixa que havia um certo cansaço e incômodo pelas reiteradas intervenções públicas e operações midiáticas do cardeal Gerhard Müller (69 anos) e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
A reportagem é de Jaime Escobar, publicada por Religión Digital, 02-07-2017. A tradução é do Cepat.
Estes fatos reiterados eram comentados com certa regularidade no âmbito mais íntimo do Papa Francisco e era tema de conversa entre o pessoal que lhe acompanha na Casa Santa Marta.
Neste contexto dos desencontros doutrinais protagonizados pelo Cardeal Müller, temos de destacar um que efetivamente produziu mal-estar e desconcerto em ambientes diversos da Cúria Vaticana. Foi em maio de 2016, quando o Cardeal Prefeito visitava o Seminário de Oviedo e apresentava o livro: Informe sobre a esperança (BAC) e lá, diante de um público seleto, disse sem mais: “As águas da pós-modernidade líquida provocam relações líquidas no matrimônio, cuja definição católica é a de um só homem com uma só mulher e com Jesus presente em seu amor... Para receber a comunhão na eucaristia, essas pessoas – divorciadas sem nulidade canônica – devem abandonar a nova união ou viver com a outra pessoa como se fossem irmãos...”.
O purpurado alemão também teve o cuidado de não parecer estar contradizendo o romano pontífice, com habilidade, destacando que para curar as feridas matrimoniais é preciso considerar as pistas que Amoris Laetitia entrega: “Acompanhar, discernir, integrar. Acompanhar a fragilidade, porque as pessoas em pecado mortal”, no caso destas segundas uniões, “não estão excluídas da Igreja, feita de homens que caem e se levantam, como descrevia Santo Agostinho”. E, “discernimento e integração” para que essas pessoas “mudem sua vida, porque ninguém pode querer o sacramento da eucaristia, sem que deseje que sua vida mude”. Ao mesmo tempo, Müller afirmou que “Francisco não introduziu nenhuma modificação na disciplina dos sacramentos”, ainda que, “sim, deseja conduzir os náufragos a um barco, como o de Noé, mas sem deixar entrar o mal que desintegraria a arca”, ou seja, “sua arquitetura teológica e dogmática”.
Nessa visita a Astúrias, o Cardeal Müller foi mais longe e, antes da conferência, durante uma coletiva de imprensa, diante da pergunta sobre a confusão de muitos católicos pelo choque entre a orientação pastoral do Papa Francisco e a sua, como guardião do dogma católico, Müller destacou que “sabemos que Bento XVI e João Paulo II e nosso Papa Francisco vêm de um mundo de experiências diversas”, que não coincide com a “formação acadêmica a qual estamos acostumados há séculos em nossa Europa”... Acrescentando que “tenho que fazer minha tarefa, que é promover e guardar a fé, mas meu livro não é uma correção ao Papa, ainda que eu não seja uma cópia de Francisco, que possui alguns servis aplaudidores...”.
Outro capítulo vexatório no qual o cardeal alemão esteve envolvido foi quando, em uma entrevista à revista italiana Il Timone, em fevereiro passado, Müller concordou com vários aspectos “doutrinais” expostos pelos cardeais “rebeldes”, que pediam a Francisco para esclarecer cinco dúvidas do capítulo oitavo da Amoris Laetitia, além disso, não considerando as interpretações que algumas conferências episcopais europeias remetiam à Congregação da Fé, em alguns casos nem sequer respondeu as cartas oficiais. Outro embaraço ocorreu quando Marie Collins, vítima de abusos sexuais em sua natal Irlanda, integrava a Comissão Vaticana para a Proteção de Menores e denunciou o pouco interesse nestes temas e uma “vergonhosa e inaceitável reticência” de Müller.
Quando Papa Francisco assume suas altas funções, em março de 2013, não foram poucas as vozes que anunciavam fortes atritos e desencontros entre o poderoso Cardeal guardião da Fé e a aposta do novo Pontífice em tornar a Igreja um espaço global de diálogo, colegialidade, compreensão e acolhida a todas e todos como filhos de Deus. Já na viagem ao Brasil (Jornada Mundial da Juventude), Francisco teve a convicção que, efetivamente, o purpurado alemão poderia ser removido quando completasse seu período de cinco anos na direção de tão importante Dicastério romano.
Por isso, estão certas aquelas pessoas especialistas em temas vaticanos que disseram, uma vez e outra, que o Papa não autorizava a remoção do cardeal Müller em respeito ao seu predecessor, Joseph Ratzinger, que o nomeou para a Congregação, em julho de 2012.
Portanto, em ambientes romanos se sabia que vários cardeais vinham apresentando a necessidade de que se mudasse o cardeal Müller, tanto por suas reiteradas críticas, antes e depois dos Sínodos da Família, convocados pelo Papa Francisco, como por suas constantes declarações e conferências em que, claramente, contradizia aspectos importantes da exortação apostólica Amoris Laetitia, que expõe orientações em matéria de moral familiar e que ainda não são assumidas em plenitude por um setor importante da hierarquia católica conservadora europeia e americana.
Da América Latina, saudamos esta esperada decisão do Santo Padre Francisco que segue em frente com suas tentativas de reforma da Igreja Católica, mudanças que, sem dúvida, eram necessárias pelo bem da missão e a evangelização dos povos do mundo. Do mesmo modo, juntamo-nos àquelas vozes de gratidão pela decisão papal de nomear como novo Prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé Luis Francisco Ladaria Ferrer (73 anos), um jesuíta e teólogo excelso, estudioso do Concílio Vaticano II e conhecedor da Cúria Vaticana. E, como bem disse José María Castillo: “Ladaria é um homem que sabe, é um homem equilibrado, é um crente que só quer o bem da Igreja. Temos, pois, o caminho aberto a um futuro de esperança...”.
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Remove-se um obstáculo para as reformas do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU