16 Mai 2017
"Os níveis de pobreza mundial são estarrecedores. Segundo a Oxfam que anualmente mede os níveis de desigualdade no mundo, concluiu em janeiro de 2017 que somente 8 pessoas possuem igual renda que 3,6 bilhões de pessoas, quer dizer, cerca da metade da humanidade. Tal fato é mais que a palavra fria “desigualdade”. Ético-politicamente traduz uma atroz injustiça social e, para quem se move no âmbito da fé judaico-cristã, esta injustiça social representa um pecado social e estrutural que afeta Deus e seus filhos e filhas", escreve Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.
Eis o artigo.
Nada mais humanitário, social, politico, ético e espiritual que saciar a fome dos pobres da Terra.
Um mistico medieval da escola holandesa John Ruysbroeck (1293-1381) bem disse: “Se estiveres em êxtase diante de Deus e um faminto bater à sua porta, deixe o Deus do êxtase e vá atender o faminto. O Deus que deixas no êxtase é menos seguro do que o Deus que encontras no faminto”. Daí se deriva o caráter sagrado do pobre e do faminto.
Jesus mesmo, encheu-se de compaixão e saciou com pão e peixe a centenas de famintos que o seguiam. No núcleo central de sua mensagem se encontra o Pai Nosso e o Pão Nosso, na famosa oração do Senhor. Somente está na herança de Jesus quem mantem sempre unidos o Pai Nosso com o Pão Nosso. Só esse poderá dizer Amém.
Os níveis de pobreza mundial são estarrecedores. Segundo a Oxfam que anualmente mede os níveis de desigualdade no mundo, concluiu em janeiro de 2017 que somente 8 pessoas possuem igual renda que 3,6 bilhões de pessoas, quer dizer, cerca da metade da humanidade. Tal fato é mais que a palavra fria “desigualdade”. Ético-politicamente traduz uma atroz injustiça social e, para quem se move no âmbito da fé judaico-cristã, esta injustiça social representa um pecado social e estrutural que afeta Deus e seus filhos e filhas.
A pobreza é sistêmica, pois é fruto de um tipo de sociedade que tem por objetivo acumular mais e mais bens materiais sem qualquer consideração humanitária (justiça social) e ambiental (justiça ecológica). Ela pressupõe pessoas cruéis, cínicas e sem qualquer sentido de solidariedade, portanto, num contexto de alta desumanização e até de barbárie.
No Brasil, por mais que se tenha feito, tirando o país do mapa da fome, existem ainda 20 milhões vivendo em extrema pobreza. Com seu programa “Brasil carinhoso” a presidenta legítima Dilma Rousseff se propunha tirar esta multidão desta situação desumana.
São múltiplas as interpretações que se dão à pobreza. A mim é esclarecedora a posição do prêmio Nobel de economia, o Indiano Amartya Sen que criou a economia solidária. Para ele a pobreza, inicialmente, não se mede pelo nível de ingressos, nem pela participação dos bens e serviços naturais. O economista define a pobreza no marco do desenvolvimento humano que consiste na ampliação das liberdades substantivas, como as chama, vale dizer, a possibilidade e a capacidade de produzir e realizar o potencial humano produtivo de sua própria vida. Ser pobre é ver-se privado da capacidade de produzir a cesta básica ou de aceder a ela. Desta forma sente negados os direitos de viver com um mínimo de dignidade e com aquela liberdade básica de poder projetar seu próprio caminho de vida.
Esse desenvolvimento possui um eminente grau de humanismo e de uma decidida natureza ética. Daí o título de sua principal obra se chamar “Desenvolvimento como liberdade”. A liberdade aqui é entendida como liberdade “para” ter acesso ao alimento, à saúde, à educação, a um ambiente ecologicamente saudável e à participação na vida social e a espaços de convivência e de lazer.
A Teologia da Libertação e a Igreja que lhe subjaz nasceu a partir de um acurado estudo da pobreza. Pobreza é lida como opressão. Seu oposto não é a riqueza, mas a justiça social e a libertação. A opção pelos pobres contra a pobreza é a marca registrada da Teologia da Libertação.
Distingamos três tipos de pobreza. A primeira é aquela dos que não têm acesso à cesta básica e aos serviços sanitários mínimos. A estratégia tradicional era fazer com que os que têm, ajudem aqueles que não têm. Daí nasceu uma vasta rede de assistencialismo e paternalismo. Ajuda pontualmente os pobres mas os mantém na dependência dos outros.
A segunda leitura do pobre afirmava que o pobre tem, possui inteligência e capacidade de profissionalizar-se. Com isso é inserido no mercado de trabalho e arranja sua vida. Essa estratégia é correta mas politicamente não se dá conta do caráter conflitivo da relação social, mantendo a saída da pobreza dentro do sistema que continua produzindo pobres. Reforça-o inconscientemente.
A Terceira interpretação parte de que o pobre tem e quando conscientizado dos mecanismos que o fazem pobre (são empobrecidos e oprimidos), se organizam, projetam um sonho novo de sociedade mais justa e igualitária, transformam-se numa força histórica, capaz de, junto com outros, dar um novo rumo à sociedade. Desta perspectiva nasceram os principais movimentos sociais, sindicais e outros grupos conscientizados da sociedade e das igrejas. Destes podem-se esperar transformações sociais.
Por fim, para uma percepção da fé bíblica, o pobre sempre será a imagem desfigurada de Deus, a presença do pobre de Nazaré, crucificado que deve ser baixado da cruz. E por fim, no entardecer da história universal, os pobres serão os juizes de todos, porque, famintos, nus e aprisionados, não foram reconhecidos como a presença anônima do próprio Juiz Supremo face ao qual, um dia, todos comparecerão.
Leia mais
- Os ricos e a desigualdade no Brasil
- Desigualdade de renda no Brasil: os 10% mais ricos e a metade mais pobre. Entrevista especial com Marcelo Medeiros
- O desafio do combate à desigualdade econômica
- “A Internet está nos tornando mais ignorantes e narcisistas”. Jornalista acusa 'web' de favorecer desigualdade, monopólios e vigilância
- "Houve mobilidade social. Mas a desigualdade social não foi reduzida. Agravou-se". Entrevista especial com Waldir Quadros
- O novo salto global da desigualdade
- Pobreza na América Latina aumenta e atinge 175 milhões de pessoas
- A pobreza evangélica segundo Francisco de Assis
- Quase 385 milhões de crianças vivem na pobreza extrema
- Erradicação da pobreza começa no campo
- Número de crianças na pobreza no Brasil equivale à metade da população Argentina
- Pobreza da e na Igreja: o Concílio hoje
- Três milhões de pessoas morrendo de fome no norte do Quênia
- Seca e Resiliência na África Oriental – Como os camponeses e pastores enfrentam a fome
- O ritmo da fome não é o da burocracia
- Fome zero depende da adaptação ao clima
- Lei de 'aborto por pobreza' opõe Igreja e governo na Bolívia
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A fome como desafio ético e espiritual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU