21 Fevereiro 2017
Luciana Biffi tem 59 anos, é casada e tem dois filhos. A ex-professora sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA) e pediu para não ser submetida à traqueostomia. Está internada no setor para portadores de ELA no residencial assistencial geriátrico da Villa dei Cedri, na cidade de Merate, no norte da Itália. Tetraplégica, não fala mais e interage através de um comunicador ocular. Ele acaba de escrever um livro sobre sua doença. "Luciana optou por ir se apagando lentamente, até os pulmões pararem de funcionar", conta Laura Campanello, filósofa e consultora ética na Villa dei Cedri. "Os familiares aceitaram sua escolha e a apoiam, o que não é tão natural porque muitas vezes nos encontramos frente a parentes que recusam essa atitude, considerando que é uma renúncia à vida". Luciana escreveu uma carta que publicamos abaixo.
A carta é de Luciana Biffi, publicada por Corriere della Sera, 18-02-2017. A tradução de é de Luisa Rabolini.
Eis a carta.
“Eu tenho ELA! Alguém me ouve? Eu tinha uma vida normal, mas depois comecei a tropeçar seguidamente, caia, tinha dificuldade para respirar... até que chegou o diagnóstico, inapelável: “Você tem ELA”. Isso significa esclerose lateral amiotrófica: uma doença da qual eu tinha ouvido falar apenas vagamente e sobre a qual nunca tinha maior interesse ou preocupação. Meu mundo desabou. É a doença de alguns jogadores, eu tinha visto algumas vezes, no campo, Stefano Borgonovo (jogador e treinador italiano, diagnosticado com ELA e falecido em 2013), em uma cadeira de rodas, paralisado e com o corpo transformado por uma doença que me parecia terrível. À medida que a doença progredia e piorava, comecei a refletir e informar-me para descobrir o que eu poderia fazer, e surgiram mil preocupações e dúvidas quanto ao futuro: poderei ser cuidada em minha casa? O que vai acontecer comigo? E quando eu parar de falar ou comer, o que faremos? E quando a respiração falhar e o corpo parar completamente? A única coisa certa é que não perderei a lucidez e a consciência: a mente permanece lúcida e alerta até o final. Isso é o verdadeiro tormento!
Agora, estou quase imóvel, tenho dificuldade para falar, não posso sequer coçar meu nariz... Mas, eu sou uma pessoa, com minha dignidade, minhas preferências, meus valores. A ELA, ao contrário de outras doenças, obriga a enormes escolhas que você precisa tomar se não quiser que os outros as tomem por você, talvez até mesmo com a melhor das intenções, mas ainda assim são decisões que depois você é que vai precisar levar adiante, em sua pele, dia após dia, lutando com a vida e a morte 18 horas por dia, como disse o meu colega de quarto, porque, felizmente, pelo menos durante seis horas por noite a gente dorme! Você deve decidir se quer ser alimentado artificialmente quando não será capaz de fazê-lo mais sozinho, se quer a traqueostomia, que é aquele furinho em sua garganta por onde passa uma sonda ligada a um respirador que lhe permitirá respirar quando não será mais capaz de fazê-lo sozinho porque seus músculos estarão cada vez mais incapacitados. E você tem que escolher entre a vida e a morte, ou melhor, entre qual tipo de vida e qual tipo de morte. Eu vi e vejo meus companheiros de sofrimento que fizeram escolhas diferentes entre si: quem voltou para casa e organizou-se de acordo com o atendimento existente em sua região, quem permaneceu aqui onde eu estou, mas não quis nenhuma terapia invasiva e quando foi acometido por uma crise respiratória aguda foi sedado - a seu pedido - pelos médicos e acompanhado a uma morte menos angustiante, quem solicitou ir para a Suíça para morrer porque considerava intolerável a vida que estava vivendo ... na realidade, algumas complicações surgiram mesmo antes que essa pessoa realmente decidisse ir para lá ... sempre me perguntei se teria mesmo a coragem ... Em suma, vejo que a vida é diferente para todos, assim como a doença e a morte. A vida tem um sentido e um significado diferente e único para cada um de nós. O importante não é ser abandonado, sozinho e humilhado, por ser incapaz de cuidar de si mesmo. O importante é ser respeitado: então tudo é mais tolerável e administrável, você se sente em casa mesmo se já não está mais lá, consegue até sorrir, se seus músculos faciais ainda o permitirem!
Eu pedi há tempo e também escrevi que quando tiver um sintoma que vai me levar ao fim da vida, quero estar dormindo, eu quero morrer dormindo, eu quero a paz de espírito para mim e meus entes queridos que estarão comigo naquele momento”.
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"Eu, a ELA e minha respiração que vai parar. Não quero morrer sozinha e humilhada" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU