15 Fevereiro 2017
“A Igreja poderia admitir à penitência e à eucaristia os fiéis que se encontram em uma união não legítima” e que “desejem mudar tal situação, mas não podem realizar seu desejo”. Esta é a conclusão a que chegou o cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos e autor de um pequeno volume que acaba de publicar a Livraria Editora Vaticana (“O capítulo oitavo da exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia”). Trata-se de um livrinho de 50 páginas, completamente dedicadas à questão da possível admissão aos sacramentos para os que vivem em situações “irregulares”. “Acredito que podemos considerar, com a consciência tranquila e segura, que a doutrina, no caso, é respeitada”, escreveu o cardeal.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 14-02-2017. A tradução é do Cepat.
O cardeal citou os textos da exortação que contêm “com absoluta clareza todos os elementos da doutrina sobre o matrimônio em plena coerência e fidelidade ao ensinamento tradicional da Igreja”. A exortação afirma, em repetidas ocasiões, a “vontade firme de permanecer fiéis à doutrina da Igreja em relação com o matrimônio e a família”.
As páginas mais densas e articuladas do livro são as que se ocupam das “condições subjetivas ou condições de consciência das diferentes pessoas, em diferentes situações não regulares e o consequente problema da admissão aos sacramentos da penitência e da eucaristia”. Coccopalmerio ressalta que os limites e obstáculos não dependem simplesmente de uma eventual ignorância da norma vigente, porque, como já afirmava o Papa Wojtyla, “um sujeito, apesar de conhecer bem a norma, pode ter grandes dificuldades para compreender valores que estão na norma moral ou pode se encontrar em condições concretas que não lhe permitem atuar de maneira diferente e tomar outras decisões, sem uma nova culpa”.
Amoris Laetitia, citando o João Paulo II, refere-se a casais que, inclusive na “consciência da irregularidade da própria situação”, têm “grandes dificuldades para retroceder sem sentir, conscientemente, que cairia em novas culpas”, e há situações nas quais “o homem e a mulher, por sérios motivos “como, por exemplo, a educação dos filhos”, não podem satisfazer a obrigação da separação”. Coccopalmerio observa que o texto, apesar de não afirmar explicitamente, pressupõe implicitamente que estas pessoas têm a intenção de “mudar sua condição ilegítima”. Ou seja, colocam-se “o problema de mudar”, razão pela qual possuem “a intenção ou, ao menos, o desejo de agir assim”.
O cardeal recorda o que estabeleceu João Paulo II em Familiaris Consortio, ou seja, a possibilidade de se confessarem e de comungarem sempre e quando se comprometam a viver como “irmão e irmã”, ou seja, abstendo-se de ter relações sexuais. E também enfatizou que a exceção a esse respeito, apresentada pela Amoris Laetitia, se baseia em um texto da constituição conciliar Gaudium et Spes: “Nestas situações, muitos, conhecendo e aceitando a possibilidade de conviver ‘como irmão e irmã’, oferecida pela Igreja, revelam que, se faltam algumas expressões de intimidade, “não é raro que a fidelidade seja posta em risco e que se possa comprometer o bem dos filhos”.
Então, sugere o autor do livro, “quando o compromisso de viver ‘como irmão e irmã’ se revelar possível e sem dificuldades para a relação do casal, os dois conviventes parecem, em si mesmos, não obrigados, porque se verifica o caso do sujeito expressado no n. 301, com esta clara expressão: ‘pode encontrar-se em condições concretas que não lhes permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa’”.
A Igreja, pois, “poderia admitir à penitência e à eucaristia – conclui Coccopalmerio – os fiéis que se encontram em uma união não legítima, mas que contam com duas condições essenciais: que desejam mudar tal situação, mas não podem realizar seu desejo. É evidente que as condições essenciais apontadas antes deverão ser submetidas a um discernimento atento e autorizado por parte das autoridades eclesiais”. Nenhum subjetivismo, mas, sim, espaço para a relação com o sacerdote. O cardeal afirmou que poderia ser “necessário” ou, ao menos, “muito útil, um serviço na Cúria”, no qual o bispo “ofereça uma precisa assessoria ou uma autorização específica para estes casos de admissão aos sacramentos”.
Contudo, a quem a Igreja não pode, de forma alguma (“seria uma latente contradição), conceder os sacramentos? Coccopalmerio responde: o fiel que, “sabendo que está em pecado grave e podendo mudar, não tenha nenhuma sincera intenção para realizar tal propósito”. É o que afirma a Amoris Laetitia: “Obviamente, se alguém ostenta um pecado objetivo como se fosse parte do ideal cristão, ou quer impor algo diferente ao que ensina a Igreja, não pode pretender dar catequese ou pregar e, nesse sentido, existe algo que o separa da comunidade. Necessita voltar a escutar o anúncio do Evangelho e o convite à conversão...”.
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“Sim aos sacramentos, se os divorciados querem mudar, mas não podem”, afirma cardeal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU