Por: Jonas | 21 Junho 2016
Acaba de escrever seu último livro, que em português se chama “A desordem mundial”, e logo será lançado na Argentina, editado por Corregidor, “La Segunda Guerra Fría”. Sua obra mais conhecida até agora é “A formação do Império americano”. Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira (foto), um brasileiro que dá aula em seu país e é professor convidado de centros acadêmicos da Europa, é um dos maiores especialistas latino-americanos em política internacional e um dos especialistas nas relações com os Estados Unidos. Está convencido, segundo disse ao jornal Página/12, que é muito difícil mudar radicalmente a política exterior, objetivo do atual chanceler José Serra. Também recomenda prestar atenção no cotidiano do governo interino de Michel Temer, que “tenta adotar a mesma linha do presidente argentino Mauricio Macri, mas pode cair a qualquer momento, antes das eleições gerais de 2018.
Fonte: http://goo.gl/wMTqph |
Baiano, 80 anos, Moniz é um intelectual ativo que já superou os 20 livros e, além de seu trabalho universitário, participa do debate político cotidiano. Da Alemanha, onde reside há duas décadas, concedeu entrevista a este jornal.
O pesquisador brasileiro disse que, segundo suas informações, as bases ou quase-bases norte-americanas (centros de apoio para movimentos militares) estão em processo de negociação entre Washington e o governo de Mauricio Macri. Explicou como e por que os Estados Unidos estimularam o golpe contra Dilma Rousseff.
A entrevista é de Martín Granovsky, publicada por Página/12, 20-06-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Há um padrão comum que una a política empregada por Macri e o golpe no Brasil?
Sim. Faz muito tempo que os Estados Unidos buscavam uma mudança de regime na Argentina e Brasil, dois países que em 2005 frustraram a formação da Área de Livre Comércio das Américas. Procuraram fazê-la pela via eleitoral. Alcançaram seu objetivo, na Argentina, com a vitória de Mauricio Macri. No Brasil, não. Dilma Rousseff venceu, ainda que por pequena diferença de votos, o candidato neoliberal Aécio Neves. Contudo, a crise econômica, a recessão agravada pelos erros políticos da presidenta Dilma Rousseff, a queda de sua popularidade, as denúncias de corrupção na Petrobras, etc., criaram o clima para que a oposição pudesse promover o processo de impeachment, que ainda deve ser confirmado pelo Senado. No entanto, o governo do presidente provisório Michel Temer, desde então, passou a atuar como definitivo e a desenvolver uma política para atender os interesses de Washington e Wall Street.
Você estudou com muita dedicação a relação entre os Estados Unidos e Brasil. Há indícios ou provas de uma participação dos Estados Unidos no golpe de Michel Temer?
Os indícios são muitos. Tanto o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, como o promotor da República, Rodrigo Janot, mantêm contato com organismos dos Estados Unidos. O promotor Janot esteve lá em reuniões com o Departamento de Justiça, o FBI e funcionários da Securities and Exchange Comission (SEC) buscando dados sobre a Petrobras. Moro realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007. Em 2008, passou um mês em um programa especial de treinamento na Escola de Direito de Harvard, acompanhado por sua colega Gisele Lemk. E, em outubro de 2009, participou da conferência regional sobre “Illicit Crimes” promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. Mas, não há indício mais evidente de suas conexões que o fato de Moro ter sido eleito um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista Time, em 2015. Além disso, a Operação Lava Jato teve e tem como alvo companhias como Petrobras e Odebrecht, que promove a construção do submarino nuclear com tecnologia francesa.
Impactou na relação Brasil-Estados Unidos a construção de um submarino junto com a França?
É que essa iniciativa não convém de modo algum aos Estados Unidos, que mantêm a 4ª Frota navegando no Atlântico Sul, perto das reservas de petróleo que estão debaixo do pré-sal, o conjunto de formações rochosas localizadas na zona marítima de boa parte do litoral da América do Sul. Principalmente, ao longo do Brasil e com um grande potencial de geração e acumulação de petróleo.
Também na Argentina?
As reservas petrolíferas da companhia inglesa Lockhopper’s North Falkland duplicaram até maio de 2016, até chegar a mais de 300 milhões de barris. As estimativas as quais tive acesso indicam que o potencial na área é de quase um bilhão de barris. Outras duas companhias inglesas estavam por operar nas reservas petrolíferas das Malvinas. A vitória de Mauricio Macri aumentou o apetite de investimentos dos Estados Unidos na região. Este é possivelmente um dos fatores que levam os Estados Unidos a travar negociações para a implantação de uma base militar em Ushuaia, na Patagônia, e mais perto da Antártida, além de outra na Tríplice Fronteira, onde está parte do Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000 km2. É um manancial fronteiriço, que abarca Brasil (840.000 km2), Paraguai (72.500 km2), Uruguai (58.000 km2) e Argentina (225.000 km2).
Mas, as bases não existem. Ou sim?
As bases ainda não existem, mas tenho informação de que estão sendo negociadas com Macri. É uma velha intenção dos Estados Unidos e agora aproveitam a situação política favorável. As bases têm uma tipologia comum. Chamam-se “quase-bases”, módulos que possam servir em caso de emergência. No Paraguai, começaram com a construção uma grande pista de aeroporto em Mariscal Estigarribia. Essa “quase-base” foi iniciada, em 1980, com a construção de módulos para alojamento de 16.000 soldados, e depois ampliada com a pista do aeroporto, radares e hangares. Depois, em grande medida, frearam em razão das pressões do Brasil e não estacionaram nenhum contingente militar, ainda que já possuíssem a garantia de imunidade aos soldados, por parte do Senado do Paraguai, desde 2005.
Que tipo e profundidade de vínculos os Estados Unidos mantêm com as Forças Armadas do Brasil?
As Forças Armadas do Brasil mantêm relações cordiais e de colaboração, em diversos setores, com as Forças Armadas dos Estados Unidos. Mas, há desconfiança. Desde a guerra das Malvinas, em 1982, a primeira hipótese de guerra em estudo pelo Estado Maior das Forças Armadas do Brasil é a de um conflito com uma potência tecnologicamente superior, por exemplo com os Estados Unidos, na Amazônia. E os altos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são conscientes de que os Estados Unidos não querem o desenvolvimento do Brasil como potência militar, com um papel internacional. Por isso, o Pentágono insiste em que as tarefas das Forças Armadas brasileiras sejam apenas de polícia interna. Nossos militares não aceitam isto. As contradições são muitas. E as condições no Brasil e no mundo não são as mesmas de 1964, ano do golpe militar. O último ministro da Defesa de Dilma, Aldo Rebelo, era do Partido Comunista do Brasil. Não houve nenhum problema.
Existe um plano continental dos Estados Unidos?
Há um plano geopolítico e estratégico de Washington com a instalação de uma base em Ushuaia e outra na Tríplice Fronteira, como já comentei. Seu objetivo é recuperar e aumentar a presença militar na América do Sul, que parece ter se reduzido desde que perderam a base de Manta, no Equador, e desde que a Corte na Colômbia considerou inconstitucional a instalação de sete bases. Bases reconhecidas como tais existem em El Salvador (Comalpa), Cuba (Guantánamo), Aruba, Curaçao e Porto Rico. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mantêm na América Latina bases informais e legalmente ambíguas. O Pentágono as chama quase-bases para evitar tanto o escrutínio do Congresso, como a reação dos países. As quase-bases estão no Peru, Honduras, Costa Rica, Panamá, Equador e Colômbia, entre outros países, ao longo do litoral do Pacífico. As quase-bases na Antártida e na Tríplice Fronteira representam uma ameaça à soberania da Argentina e à segurança do Brasil. O presidente Lula havia rejeitado o acordo para que Estados Unidos fizessem as bases de lançamentos de foguetes em Alcântara, ao norte da Amazônia.
Como se articulam o poder do dólar, o militar, o do comércio e o ‘soft power’ da cultura, consumo e seriados?
Os Estados Unidos usam pressões comerciais, manipulam o mercado mundial e emitem sanções econômicas, enquanto os meios corporativos de comunicação empregam sua propaganda e se converte em instrumentos de ‘psy-ops’, operações de guerra psicológica.
Você citou a USAID, a agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional. O presidente Evo Morales a expulsou.
O peso da USAID é muito variável nos diferentes países. Bolívia foi o segundo país, depois da Rússia, a expulsar a USAID. E agiu assim porque esta tinha um papel chave no estímulo à oposição. O presidente do Equador, Rafael Correa, ameaçou fazer o mesmo. A USAID coopta jornalistas, financia a instalação da imprensa e rádio contra o governo do país, etc.
Os Estados Unidos tomaram alguma medida específica sobre América do Sul ou aproveitaram a fragilidade dos regimes populares e progressistas?
Parece que, agora, os Estados Unidos voltaram sua atenção para América do Sul, que não estava nas prioridades de sua política exterior. No entanto, sua perspectiva é incerta pela possibilidade de vitória de Donald Trump, nas eleições de novembro. Igualmente, com ou sem ele na Casa Branca, tampouco é segura a aprovação por parte do Congresso dos tratados de livre comércio já ratificados pelo presidente Barack Obama.
Há alguma novidade geopolítica no mundo?
Nenhuma recente. Segue o impasse entre os Estados Unidos e Rússia no conflito da Ucrânia e na guerra da Síria. Enquanto isso, a OTAN continua se movimentando perto das fronteiras da Rússia. Há uma guerra híbrida entre as grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China -, mas não acredito que possa ocorrer um confronto militar direto. Alemanha, França e alguns outros países não querem guerra na Europa. Por outro lado, as movimentações da OTAN, alegando a ameaça da Rússia a Polônia e aos Estados Bálticos, passam a ser um grande pretexto para alimentar uma indústria bélica da qual dependem milhares de empregos nos Estados Unidos.
Que papel Rússia e China desempenham na América do Sul?
O papel da Rússia não é muito relevante. Está envolvida com a Ucrânia e Síria. Venezuela, desde o governo do ex-presidente Hugo Chávez, tentou uma aproximação com a Rússia. Porém, não havia nenhuma possibilidade de que Moscou quisesse intervir na América do Sul. A respeito da China, a situação é diferente. Possui mercado e enormes recursos financeiros para investir. Mais que os Estados Unidos. Seu papel é cada vez mais relevante. É a maior sócia comercial e a principal investidora de capital no Brasil, com números previstos superiores aos 54 bilhões de dólares, e a segunda maior sócia comercial da Argentina, depois do Brasil.
Quando se analisa o golpe no Brasil, Eduardo Cunha foi a cabeça de uma conspiração?
Cunha serviu somente como instrumento para a apresentação do pedido de impeachment. É um corrupto, já bastante desmoralizado, e logo será descartado, expulso do Congresso e possivelmente preso. O governo de Temer é fraco. Carece de legitimidade e apoio popular. É um governo totalmente podre, corrupto. E serve aos interesses antinacionais.
Se Cunha foi só um instrumento, de onde veio o plano?
No Brasil, houve e continua havendo uma aguda luta de classes, fomentada principalmente com recursos financeiros que chegaram não somente das organizações empresariais de São Paulo e de outros lugares do país, como também do exterior, por meio de ONGs financiadas, direta ou indiretamente, com recursos de grandes capitalistas como George Soros e David e Charles Koch. Os irmãos Koch são a base do Tea Party. Também financiaram as ONGs ricas como Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do atual chanceler, José Serra, na sorveteria Diletto. Não se pode deixar de considerar o eventual papel de organizações vinculadas ao governo dos Estados Unidos, entre as quais cito a National Endowment for Democracy (NED) e a USAID.
Que fator acelerou o ataque contra o governo de Dilma Rousseff?
No Brasil, há uma poderosa facção empresarial. Somou-se o setor da classe média que sempre odiou as políticas de Lula mantidas por Dilma. Acrescentemos que Washington nunca gostou da política exterior que o Brasil desenvolveu, desde 2003. A esperança de Washington era influenciar para mudar o rumo do país, caso Aécio Neves vencesse, em 2014, e voltasse ao poder o partido que se intitula como Social-Democracia Brasileira (PSDB), de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, antes das eleições de 2014, era visível que Dilma Rousseff seria eleita. Por isso, a campanha contra ela já começou em 2013, com as manifestações de junho em São Paulo, Brasília e outras cidades e as vaias a funcionários durante a Copa do Mundo, uma estratégia baseada no manual do professor Gene Sharp, ‘Da Ditadura à Democracia’, para o treinamento de agitadores e ativistas, em cursos nas universidades americanas e inclusive nas embaixadas dos Estados Unidos. Os grandes meios de comunicação corporativos, pertencentes à oligarquia, atuaram com força decisiva para a derrubada da presidente em estreita aliança com o juiz Moro e o promotor Janot, que a nutriam com informações capciosas, seletivas, contra o PT e o ex-presidente Lula.
Que elementos foram chave na queda de popularidade de Dilma?
Não se deveu só à campanha da imprensa, como também aos erros da política econômica que implementou, quando imaginava que assim poderia conter a oposição do empresariado. Dos protestos, com o pretexto de combater a corrupção, participaram sobretudo brancos e ricos das camadas médias e médias altas. E hoje está claro que os mais corruptos são os que assumiram o governo com Temer, cujo programa é, sobretudo, a privatização das empresas estatais e a supressão ou redução dos benefícios sociais em busca da austeridade.
Mas, foram muitos os fatores que levaram Washington a trabalhar com as camadas médias e altas do Brasil na campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O Brasil denunciou nas Nações Unidas a espionagem da National Security Agency (NSA) monitorando as comunicações da Presidenta e a Petrobras. Dilma chegou a cancelar uma visita de Estado aos Estados Unidos, em sinal de protesto. Comprou aviões na Suécia, o que representou duro golpe à divisão de defesa da Boeing, com a perda de um negócio no valor de 4,5 bilhões de dólares. Continuou com o programa de construção do submarino nuclear e outros convencionais, com transferência para o Brasil de tecnologia francesa. Não compra mais qualquer equipamento militar nos Estados Unidos, porque o programa nacional de defesa, formulado e aprovado pelo governo de Lula, somente permite isto com transferência de tecnologia para o Brasil, coisa não autorizada por uma lei do Congresso dos Estados Unidos. O Brasil é membro fundador do novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, instituído em Shangai. E aos Estados Unidos interessa acabar com o Mercosul, a Unasul e outros órgãos sul-americanos criados juntamente com Argentina.
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“Os Estados Unidos querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU