Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui e Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno.
Temos aqui uma manifestação gloriosa de Cristo que, de forma simbólica, antecipa a ressurreição do Senhor. Este relato foi escrito já à luz da páscoa e tem como pano de fundo Ex 24,1-18 onde Deus se manifesta em forma luminosa e esta forma aparece muitas vezes nas Escrituras (Sl 57.6.12; 67,2; 80,4; Eclo 42,16). O rosto brilhante de Jesus se apresenta como o sol em Eclo 17,31. A nuvem é pano fundo constante nas teofanias do Antigo Testamento: isto se lê muitas vezes nos textos do Antigo Testamento: Ex 13,21; 16,10; 24,15-16; 40, 34-35; Lv 16,2; Nm 11,25. Deus fala por meio da nuvem (Dt 5,22). Percebe-se, ainda, na versão de Mateus, em grandes linhas o texto de Dn 10,1-10. Tanto quanto ao brilho, como quanto ao medo e ao cair no chão, bem como, quanto ao encorajamento (Mt 17,7 = Dn 10,10).
Está aqui um retrato falado da teologia do Novo Testamento. Jesus é relido à luz das teofanias acima citadas e assim antecipa sua glória pela transfiguração. Mas nesta antecipação gloriosa, não se pode esquecer a cruz. Moisés e Elias (a lei e os profetas, todo Antigo Testamento) conversam com Jesus sobre sua cruz em Jerusalém (Lc 9,31). Moisés e Elias são atraídos pela glória de
Jesus e dão testemunho dele. O Antigo Testamento se cumpre na paixão, morte e ressurreição de Jesus, por isto, Moisés e Elias se retiram. A missão do Antigo Testamento (Moisés e Elias) desemboca na Glória de Jesus, por isto mesmo, se retira e Jesus permanece e é confirmado pelo Pai: “escutai-o”, como outrora dissera: “Escuta, Israel” (Dt 5,2; 6,4), pois o Pai conhece o Filho e o revela (Mt 11,27). Jesus é o novo Moisés como já fora predito em Dt 18,15, e assim como este teve o rosto transfigurado, causando medo em Aarão e nos israelitas (Ex 34,29-30), Jesus se transfigura.
Pedro quer fazer três tendas, ou seja, ele pensava ficar na glória de Jesus, sem passar pela cruz. Ele imaginava que os tempos messiânicos tinham chegado, mas não entendia que estes tempos conheceriam a cruz. Buscar a glória sem passar pela cruz é não entender a pessoa de Jesus, nem seu messianismo, como já ocorrera no primeiro anúncio da paixão, morte e ressurreição (Mt 16,21-23), quando Pedro repreende Jesus e é reprovado duramente pelo mestre (Mt 16,23b). Muitos querem um messias glorioso, mas têm medo das consequências. Os fiéis que receberam o anúncio da ressurreição de Jesus ficaram fascinados, mas corriam o risco de ficar apenas na glória da ressurreição, esquecendo a cruz de Jesus, bem como, não estavam dispostos a enfrentar as dificuldades da missão. Muitos, diante da cruz, desanimavam. Desta forma, na figura de Pedro, Tiago e João, a comunidade pode antever um pouco a glória de Jesus, à luz das teofanias do Antigo Testamento, como visto acima, atestadas pela Lei e pela Profecia (Moisés e Elias), mas sem nunca perder de vista a cruz. A voz do Pai (Mt 17,5b) encontra vestígios em Dt 5,2; 6,4 e pede para ouvir Jesus, mesmo quando este anuncia a cruz. Assim, o silêncio imposto por Jesus de falar da transfiguração antes da ressurreição mostra isto com toda clareza: só se pode entender a glória de Jesus, a partir da cruz. A glória de Jesus, que aqui é apresentada como a coroação de todos os anúncios de teofania do Antigo Testamento, é confirmada pelo Pai. Ele (Jesus) é, agora, a realização de toda revelação do Pai, ele é o cumprimento de todas as Escrituras.
O relato deve ser lido como uma montagem teológica muito bem elaborada, não como um fato histórico. Por isto, duas experiências teológicas devem sempre estar presentes ao ler o texto: a cruz e a páscoa. Não há páscoa sem cruz, nem cruz sem páscoa. Só quem experimentou a páscoa pode ler o relato da transfiguração, sem, no entanto, esquecer a sexta-feira santa. Assim sendo, à luz da páscoa, o relato da transfiguração, antecipa na história o mistério da pessoa de Jesus. É, já, ter uma pequena visão do que acontecerá no futuro, quando se lê o evangelho nas narrativas anteriores ao relato da paixão, morte e ressurreição.
Dn 7,9-10.13-14: o texto de Daniel reflete o judaísmo tardio, nos tempos da perseguição selêucida (século II a.C.). Os reis maus, representados como feras (Dn 7,1-7) recebem agora o julgamento. Deus é o Senhor e juiz da história sentado em seu trono glorioso. Este julgamento de Deus se realiza mediante uma figura humana, ou filho do homem, que recebe de Deus todo poder, isto é, diferente das quatro feras. Ele praticará a justiça. O Novo Testamento relê a pessoa de Jesus como este Filho do Homem que recebe a confirmação do Pai.
2Pd 1,16-19: as cartas de Pedro, provavelmente foram escritas quando este apóstolo já não vivia mais. Alguém, valendo-se do testemunho dos apóstolos, escreve e atribui a Pedro. Dois pontos merecem destaque: 1) o testemunho de Pedro (apóstolos) sobre a transfiguração (vv.17-18). 2) o testemunho da mensagem profética das Escrituras (v.19). Jesus, que se transfigurou é relido à luz do Antigo Testamento, testemunhado pelos apóstolos e confirmado pela profecia.
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