"O evangelho deste domingo pertence ao bloco conhecido como 'Jesus e os discípulos' (6,6b–8,30). Para compreendermos bem o trecho que lemos nesta liturgia (6,7-13) e sua conclusão no próximo domingo (6,30-34), é necessário observar que Marcos usa a técnica das intercalações. Esta técnica consiste em inserir, entre o início e o fim de um episódio, outra cena. No nosso caso, ele insere outras duas narrações – Herodes ouve falar de Jesus (6,14-16) e a decapitação de João Batista (6,17-29) – com a finalidade de dar um tempo para que o processo chegue a seu fim: Jesus envia os doze (vv. 7-13), os doze retornam da missão (vv. 30-32)."
Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:
– Dr. Bruno Glaab
– Me. Carlos Rodrigo Dutra
– Dr. Humberto Maiztegui
– Me. Rita de Cácia Ló
– Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Primeira Leitura: Am 7,12-15
Salmo: 84,9ab-10.11-12.13-14
Segunda Leitura: Ef 1,3-14
Evangelho: Mc 6,7-13
O evangelho deste domingo pertence ao bloco conhecido como “Jesus e os discípulos” (6,6b–8,30). Para compreendermos bem o trecho que lemos nesta liturgia (6,7-13) e sua conclusão no próximo domingo (6,30-34), é necessário observar que Marcos usa a técnica das intercalações.
Esta técnica consiste em inserir, entre o início e o fim de um episódio, outra cena. No nosso caso, ele insere outras duas narrações – Herodes ouve falar de Jesus (6,14-16) e a decapitação de João Batista (6,17-29) – com a finalidade de dar um tempo para que o processo chegue a seu fim: Jesus envia os doze (vv. 7-13), os doze retornam da missão (vv. 30-32).
V. 7a: E convocou os Doze e começou a enviá-los dois a dois. Em 3,13-15, Jesus havia constituído sua comunidade com duas finalidades: “para que estivessem com ele, para enviá los a pregar”. Até agora, o evangelho havia narrado o aprendizado com Jesus: “estar com ele”. Chegou o momento de os discípulos partirem em missão.
Por que enviá-los “dois a dois” (v.7b)? Já no Antigo Testamento, para uma afirmação ter credibilidade, era necessário o testemunho de ao menos duas pessoas (Dt 19,15). Tal prática foi assumida no início da Igreja, para dar à palavra proclamada peso e valor. É também um modo de dizer que as comunidades dão testemunho de igualdade e de solidariedade.
Ao enviar seus discípulos, Jesus lhes dá autoridade sobre os espíritos impuros. Devemos notar que não se fala de expulsar demônios, mas apenas de autoridade sobre os espíritos impuros. Ao evitar o termo “demônios”, o autor quer incluir também os próprios enviados: eles devem controlar seu próprio fanatismo e suas pretensões de superioridade sobre o povo. Tais sentimentos são obstáculos para o anúncio da boa nova.
Nos vv. 8-9, um pequeno elenco de recomendações: Ordenou-lhes que não levassem nada no caminho, a não ser um bastão: nem pão, nem sacola, nem dinheiro no cinturão; mas, fossem calçados de sandálias e não usassem duas túnicas. Tais diretrizes podem ser lidas na perspectiva social: bem mais do que despojamento, o que está em jogo é a proteção da vida dos discípulos missionários. Nos tempos de Jesus, as estradas regionais que ligavam as aldeias eram muito perigosas: além de frequentadas também por animais selvagens que poderiam atacar os viajantes, os caminhos eram campo aberto para ladrões, bandidos armados e arruaceiros. Portanto, a sacola com dinheiro e os pertences extras despertariam o interesse dos salteadores, como se vê na parábola do samaritano misericordioso (Lc 10,30). O bastão era para autoproteção, contra animais e eventuais agressores.
V. 10: Onde quer que entreis numa casa, ficai ali até sairdes de lá. Na tradição judaica, a hospitalidade era muito valorizada. O Antigo Testamento apresenta Deus como o anfitrião que protege e alimenta seu povo no deserto (Sl 23). Por tal razão, Israel considera uma obrigação demonstrar hospitalidade para com os estrangeiros. Para o judaísmo antigo, este era um compromisso supremo, que deveria beneficiar sobretudo pobres e estrangeiros. A orientação dada por Jesus supõe que o senhor da casa proteja e alimente os discípulos missionários. Como agradecimento, o hóspede, se tivesses condições, agradecia com um presente; caso contrário, deixava apenas uma oração e uma invocação de bênçãos.
V. 11: Sacudi a poeira da sola dos vossos pés em testemunho contra eles. Trata-se de um gesto de ruptura (At 10,51), isto é, daquela casa, povoado ou cidade que não pratica a hospitalidade e se recusa a receber o Evangelho, não se leva nada, nem mesmo a poeira grudada na sola dos calçados. Esta é uma ação simbólica, feita para levar o povo local a pensar; uma ação simbólica bem mais eficaz do que um ato de violência verbal.
V. 12: E saindo, eles proclamaram que se convertessem. O evangelista não diz o nome das aldeias, nem quanto tempo dura a missão; apenas que se colocam a caminho. Este anúncio, porém, não está explicitado no v. 7, que descreve o conteúdo da missão como “deu-lhes autoridade sobre os espíritos impuros”. O leitor agora é informado que o foco da missão não é a multiplicação de milagres e exorcismos, e sim o arrependimento. As curas e a expulsão dos muitos demônios (citados explicitamente somente no v. 13) são ações potenciadoras do anúncio, mas não o elemento mais importante e necessário.
Nas instruções de Jesus, a rejeição ao anúncio é somente mencionada como possibilidade, porém a primeira leitura nos recorda que essa possibilidade foi e segue sendo muito real.
Por volta do século VIII a.C., o profeta Amós originário do Sul de Judá, foi enviado por Deus a pregar no Reino do Norte, Israel, denunciando as injustiças terríveis que se cometiam favorecidas pela corte e pelo clero. O maior embate de Amós se dá no santuário de Betel, o profeta é expulso. Se continuarmos lendo o v.17, veremos a reação do profeta que foi proferir uma maldição a família do sacerdote Amasias. Aqui está a diferença entre a reação do profeta e a que deve ter as/os discípulas/os de Jesus: Sacudi a poeira da sola dos vossos pés em testemunho contra eles, nenhuma palavra de ameaça a condenação o juízo corresponde a Deus.