"Missão é partir, despojados das seguranças materiais, leves de si mesmos e transformados pela palavra de Jesus e pela proposta do Reino que é capaz de transformar qualquer realidade, inclusive àquelas possuídas por espíritos ruins e doentes. Seguir Jesus é abraçar um estilo de vida despojado, é partir confiando apenas na força transformadora da Palavra anunciada."
A reflexão é de Rosa Maria Ramalho, religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas, é bacharela em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores – ITESP, licenciada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestre em Teologia pela Faculdades EST, São Leoploldo e Mestra em Ciências da Educação, com currículo de Catequética pela Universidade Pontifícia Salesiana, Roma (2022).
1ª Leitura – Am 7,12-15
Salmo 84 (85)
2ª Leitura – Ef 1,3-14
Evangelho – Mc 6,7-13
Não deixe cair a profecia! (Dom Hélder Câmara)
Minhas irmãs e meus irmãos, desde o meu primeiro contato com as leituras propostas para este 15° Domingo do Tempo Comum, a recordação destas palavras ditas por Dom Helder Câmara nos últimos dias de sua vida para o monge Marcelo Barros não saíram mais de minha mente. “Não deixe cair a profecia” é mais que um apelo ou uma recordação feita por alguém que, na sua vida, buscou viver o Evangelho com radicalidade. A profecia deve, pois, ser um estilo de vida e um compromisso de todo discípulo missionário.
Vamos partir da oração coleta onde encontramos uma indicação que nos aponta uma direção para refletirmos as leituras deste domingo: “Ó Deus, que mostrais a luz da verdade aos que erram para retornarem o bom caminho, dai aos que professam a fé rejeitar o que não convém ao cristão, e abraçar tudo o que é digno desse nome”. Assim, a partir desta prece poderíamos elaborar diversas questões. Todavia, escolhemos uma: O que se deve abraçar que é digno do nome “cristão”? Poderíamos responder a essa pergunta de diversas formas, porém nos parece oportuno que as leituras propostas nos ajudem a responder de forma mais concreta.
A primeira leitura (Amós 7, 12-15), nos ajuda a entender que devemos abraçar a profecia como um estilo de vida. Amós, é um homem simples, do campo, pastor de gado e cultivador de sicômoros, não vem de tradição profética, não recebe para profetizar. Isto é, não é um “profeta profissional” e nem é um profeta aliado ao templo. Sua profecia vem de um chamado do Senhor. “Vai profetizar para Israel, meu povo”.
A tarefa de profetizar é incômoda. Causa desconforto aos poderosos. Exige do profeta convicção e ousadia. Amós vive em um período de grandes injustiças. No seu tempo, a terra era o bem mais valorizado. A monarquia, os grandes proprietários e comerciantes abastados dominavam a maior parte das terras e, com práticas injustas tomavam posse das terras de pequenos proprietários e cobravam impostos de forma indevida. Amasias, o sacerdote de Betel, acusa Amós de conspiração e insiste para que ele volte e vá profetizar no Reino do Sul, ao qual Amós pertencia. O profeta não tem medo, ao afirmar que sua profecia não vem de tradição familiar, nem de profissão, mas foi um mandato do Senhor. O Senhor propõe ao profeta deixar a comodidade da vida do campo, partir e profetizar sem medo. A profecia é um grito pela vida. É dar a sua voz ao Senhor e a comunidade para que sejam denunciadas as injustiças e as estruturas que geram desigualdades e opressão.
No Evangelho (Marcos 6, 7-13), também encontramos um chamado. É Jesus que chama os doze, os envia dois a dois e lhes dá o poder sobre os espíritos impuros. As recomendações que o Mestre dá aos enviados estão relacionadas a questões práticas da viagem e como devem se portar quando as pessoas não acolhem as suas palavras.
O enviado parte sem seguranças materiais. As recomendações são claras e concretas. Não levar nada para o caminho a não ser sandálias e duas túnicas, isto é, somente o necessário para se vestir e caminhar pelas estradas pedregosas. O mais, certamente, será dado pelas pessoas como sinal de gratidão aos apóstolos e partilha dos bens.
Quando as seguranças materiais se tornam condição para a realização da missão, corre-se o risco de perder-se em superficialidades e o fim último da missão não ser concretizado. Mais uma vez me vem à mente as palavras do profeta Dom Helder: “Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso Eu. É parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: A humanidade é maior”.
Missão é partir, despojados das seguranças materiais, leves de si mesmos e transformados pela palavra de Jesus e pela proposta do Reino que é capaz de transformar qualquer realidade, inclusive àquelas possuídas por espíritos ruins e doentes. Seguir Jesus é abraçar um estilo de vida despojado, é partir confiando apenas na força transformadora da Palavra anunciada.
O hino que encontramos na segunda leitura (Efésios 3, 1-10), é conhecido como a grande benção, pois todo hino é uma recordação das bênçãos realizadas pelo Senhor em favor dos escolhidos em Cristo. Segundo alguns biblistas, este hino, na sua complexidade é uma síntese de toda a carta, uma luz que nos ajuda a enxergar todos os temas que serão desenvolvidos.
Um ponto que encontramos em comum com as outras leituras deste domingo é a iniciativa, que é sempre do Senhor. Se em Amós e em Marcos se fala de chamado, neste hino se fala de escolha: “Em Cristo, ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor”. Seguir Jesus, portanto, é abraçar a certeza de que o Senhor nos precede em nos escolher para uma missão. Ele primeiro nos escolheu para sermos o “louvor da sua glória e graça”.
A partir destas leituras, reconhecemos que abraçar tudo o que é digno ao nome de cristão, é colocar-se em movimento, em saída, entrar na dinâmica do Reino que é profecia, anúncio, despojamento e louvor. E com o salmista pedimos sem cessar: “Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade, e a vossa salvação nos concedei”.
E com Dom Helder e tantos profetas de ontem e de hoje repetimos: Não deixemos cair a profecia!