Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF: Dr. Bruno Glaab – Me. Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló – Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno
Primeira Leitura: At 1,1-11
Salmo: 46,2-3.6-9
Segunda Leitura: Ef 1,17-23
Evangelho: Mc 16,15-20
O relato da ascensão em Marcos faz parte da aparição de Jesus aos Onze, o grupo ao qual Jesus confia a responsabilidade da missão. Onze pessoas não poderiam “ir ao mundo todo”. Assim, a manifestação aos Onze é um relato simbólico da entrega da missão a todas as discípulas/os.
Pregação e batismo - vv. 15-16: Jesus não diz explicitamente “batizai”, mas o v. 16 deixa claro que o batizar faz parte da missão dos discípulos. Por outro lado, a combinação “fé + batismo = salvação”, e o contrário “não-fé = não-salvação” lembra o diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3) e vários trechos de Paulo. O que temos, então, é um reflexo da pregação e da prática do início da Igreja.
Os sinais que acompanharão os fiéis - vv. 17-18: São cinco sinais e, exceto a resistência ao veneno, todos são atestados na história e na vida da comunidade primitiva. São sinais que acompanharão os fiéis em geral, e não apenas os Onze. Tais sinais confirmam a palavra anunciada. Confirmação que acontece em quem acolhe, e não apenas em quem anuncia. Apenas um comentário: “falar línguas novas” não significa o “falar em línguas inexprimíveis”. É a afirmação de que os discípulos, para levar o evangelho a toda criatura, deverão aprender a língua dos ouvintes....
Jesus foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus - v. 19: Os discípulos podem ter visto Jesus subindo, mas... sentar-se à direita de Deus? Esta é mais profissão de fé do que algo realmente visto. Ressurreição, ascensão/assunção e instalação à direita do Pai são artigos da fé da Igreja. Quem ofereceu o instrumental para crer nisso foi a literatura apocalíptica: Jesus venceu a morte, foi elevado acima dos poderes humanos e cósmicos, e agora é juiz do cosmo e da história.
Jesus, o Senhor, acompanhava os discípulos - v. 20: Parece haver uma contradição: Jesus está nos céus, sentado à direita do Pai, mas ao mesmo tempo acompanha os discípulos na terra. Note-se que não é o Espírito quem acompanha os pregadores, mas o próprio Senhor! Esta “bi locação” de Jesus à direita do Pai e, ao mesmo tempo, junto aos discípulos exprime um ponto forte na fé da Igreja: o fato de Jesus estar no céu, à direita do Pai, permite que ele esteja também com todos os anunciadores do evangelho, algo que seria impossível se ele tivesse permanecido fisicamente na terra. O poder com que operam os anunciadores do evangelho provém, por meio de Jesus, do próprio Deus.
Em outras palavras, a Ascensão não é só o remate necessário para a história terrena de Jesus, mas também o complemento necessário para o milagre da Páscoa: o Homem-Deus, já vitorioso sobre a morte, começa a exercer seu poder de justiça e de paz, e oferece a todos a mensagem da salvação, por meio da pregação das/os discípulas/os.
A primeira leitura deste domingo pode ser dividida em duas partes: o endereçamento do livro (vv. 1-2) e a narrativa propriamente dita (vv. 3-11). De fato, no v. 2, em apenas uma linha, Lucas faz um resumo de todo o evangelho. Mas é necessário notar também que, no v. 4, as palavras do narrador, de repente, se transformam nas palavras de Jesus: mandou “que esperassem ‘a promessa do Pai, a qual de mim ouvistes’”. Trata-se de um recurso literário pelo qual o narrador elimina a distância entre o leitor e os acontecimentos que vai narrar.
No v. 5, a distinção “batismo com água x batismo no Espírito Santo” marca a diferença entre o batismo de João e o batismo da comunidade cristã. No entanto, a comunidade cristã continua batizando com água. Sem água não se batiza! Qual a diferença?
A frase “batismo no Espírito Santo” indica que as profecias foram cumpridas, enquanto “batismo com água” é expressão para falar que essas mesmas profecias estão prestes a se realizar. Em outras palavras, “batismo com água” = preparação para o cumprimento das promessas; “batismo no Espírito Santo” = cumprimento efetivo das promessas.
É por isso que os discípulos se confundem e não entendem nada! Jesus fala de uma coisa, os discípulos perguntam por outra. Jesus fala da promessa do reino escatológico; os discípulos perguntam se é naquele exato momento que se cumprirá a promessa de que Israel voltará a ser um reino poderoso, um império (v. 6).
A resposta de Jesus parece mal-educada: “não é da conta de vocês quando será tempo cronológico exato (chrónos) nem o momento oportuno (kairós)...” (v. 7). Em outras palavras: “vocês têm algo mais importante pra fazer do que se preocuparem com isso!” E o que é mais importante? É o testemunho sobre Jesus. Por isso, o v. 8 já emenda a promessa do Espírito Santo, que dará as condições necessárias para isso.
Enfim, a cena específica da Ascensão. Note-se como o acontecimento é descrito: Jesus FOI ELEVADO, uma nuvem O ENCOBRIU (o levou), ele FOI ASSUNTO (vv. 9.11). É necessário lembrar que o mesmo acontece a respeito da ressurreição: é dito que “o Pai ressuscitou Jesus”, isto é, Jesus foi ressuscitado, e não ressuscitou por si mesmo! Convém repetir: trata-se da primeira compreensão da comunidade cristã. Só num segundo momento (mas que não vai demorar muito) é que se passa a enfatizar a ação própria de Jesus: ele ressuscitou (e não “foi ressuscitado”) dos mortos e subiu (e não “foi elevado”) aos céus.
No livro dos Atos, a Ascensão/Assunção de Jesus é descrita em tons apocalípticos: uma nuvem encobre Jesus e aparecem dois homens vestidos de branco.
A nuvem é o típico elemento das manifestações de Deus. Mas é também, na apocalíptica, o veículo do Filho do Homem (cf. Dn 7,13). Paulo acredita que, no dia da parusia, Jesus VOLTARÁ e, com ele, todos os mortos ressuscitados e os vivos irão surfando sobre uma nuvem sabe-se lá para onde (1Ts 4,16-17)!
Os homens de branco são os anjos que sempre aparecem em visões apocalípticas para explicar o sentido dos acontecimentos. Normalmente, quem tem a visão não entende nada e um mensageiro divino precisa explicar tudo. Mas os homens-anjos não explicam nada, e sim fazem uma pergunta e uma promessa: “Por que vocês ficam olhando o céu? Ele voltará da mesma maneira como partiu!”
Em outras palavras, a ascensão-sumiço de alguém provoca a esperança de que tal personagem voltará. As palavras dos homens-anjos garantem que tal esperança será realizada.
Mas, Jesus voltará sobre as nuvens? A apocalíptica diz que sim! No entanto, o importante é o contraste: “não fiquem aí olhando para o alto e babando... voltem o olhar para a terra, porque é a hora da missão...”