13 Abril 2018
“Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles…” (Lc 24,36)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 3° Domingo da Páscoa - Ciclo B (15/04/2018) que corresponde ao texto bíblico de Lucas 24,35-48.
Lucas descreve o encontro do Ressuscitado com seus discípulos como uma experiência fundante. O desejo de Jesus é claro. Sua missão não terminou na Cruz. Ressuscitado por Deus depois da execução, entra em contato com os seus para pôr em marcha um movimento de “testemunhas” capazes de contagiar a todos os povos com sua Boa Notícia: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Não é fácil converter em testemunhas aqueles homens afundados no desconcerto e no medo.
Ao longo da cena do evangelho deste domingo, os discípulos permanecem calados, em silêncio total. O narrador só descreve seu mundo interior: estão cheios de medo, só sentem perturbação e incredulidade; tudo aquilo lhes parece muito bonito para ser verdade.
É Jesus quem vai regenerar a fé dos seus discípulos. O mais importante é que não se sintam sozinhos; devem senti-Lo cheio de vida no meio deles. Estas são as primeiras palavras que escutam do Ressuscitado: “A paz esteja convosco!”. “... Por que tendes dúvidas no coração?”
Para despertar a fé dos seus discípulos, Jesus não lhes pede que olhem Seu rosto, mas suas mãos e pés; quer que vejam suas feridas de crucificado, que tenham sempre diante dos olhos seu amor entregue até a morte.
Não é um fantasma: “Sou eu mesmo!”. O mesmo que conheceram e amaram pelos caminhos da Galileia.
Apesar de vê-los cheios de medo e de dúvidas, Jesus confia em seus discípulos. Ele mesmo lhes enviará o Espírito que os sustentará. Por isso, recomenda-lhes que prolonguem sua presença no mundo.
Eles não ensinarão doutrinas sublimes, mas hão de contagiar com sua experiência. Não vão pregar grandes teorias sobre Cristo mas irradiar seu Espírito. Hão de despertar a fé com a vida, não só com palavras.
Com sua presença compassiva, Jesus desperta nossa vida, arrancando-a de seus limites estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos horizontes. Pois a vida autêntica é a vida movida, iluminada, impulsionada pelo amor.
O Ressuscitado nos precede, nos sustenta e, na liberdade de seu amor, nos impele a ampliar nossa vida a serviço. Toda peregrinação, em clima de admiração e assombro, se revela rica em descobertas e surpresas, e desperta o coração para dimensões maiores que a rotina de cada dia.
Marcados pela ressurreição, passamos a nos relacionar de maneira diferente com os outros; brota em nós mais ternura, somos mais sensíveis à dor e à injustiça.
Quando acolhemos a presença do Ressuscitado, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
A “pedra pesada” da nossa impotência diante da dor, do fracasso e da morte, foi retirada pelo Mestre, que, diante de nós, chama-nos pelo “nome” e nos desafia a viver como ressuscitados.
Quem se experimenta a si mesmo como “Vida” é já uma pessoa “ressuscitada”.
Somos já “seres ressuscitados”, e isso faz a grande diferença, pois tem um impacto no nosso modo de viver e de nos relacionar com os outros. “Viver como ressuscitados” implica esvaziar-nos do “ego”, para deixar transparecer o que há de divino em nosso interior
Quando esquecemos a presença viva de Jesus no meio de nós, quando O fazemos opaco e invisível com nossos protagonismos e conflitos, quando a tristeza nos impede sentir tudo menos sua paz, quando nos contagiamos uns aos outros com pessimismo e incredulidade... estamos pecando contra o Ressuscitado. Assim não é possível uma Igreja de testemunhas.
Sempre que pretendemos fundamentar a fé no Ressuscitado com nossas elucubrações, O convertemos em um fantasma. Para encontrar-nos com Ele, temos de percorrer o relato dos Evangelhos: descobrir suas mãos que abençoavam os enfermos e acariciavam as crianças, seus pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; descobrir suas feridas e sua paixão. Esse é Jesus que agora vive, ressuscitado pelo Pai.
Cremos que Jesus ressuscitou não “depois” de sua morte, mas em toda sua vida, incluída a morte. A vida comprometida de Jesus ressuscitava na plenitude eterna de Deus quando curava enfermos devolvendo-lhes a confiança vital, quando partilhava a mesa com os excluídos pela religião, quando proclamava ditosos os pobres campesinos e pescadores da Galileia, quando contava parábolas que ativavam a misericórdia e provocavam surpresa, quando subvertia as hierarquias e consagrava a fraternidade. Jesus ressuscitou em sua vida, quando vivia e intensamente e despertava a vida bloqueada nos outros; e, quando morreu entregando tudo, ressuscitou totalmente, como todos aqueles que morrem dando a vida, pois dar a vida é viver plenamente. Por isso Jesus ressuscitou também na cruz, quando entregou totalmente seu alento vital.
Cada dia é o “terceiro dia” pascal. Desde que nasceu até que morreu, Jesus viveu ressuscitando para a vida.
Nesse sentido, a Páscoa não se demonstra com argumentos de razão; a Páscoa só é possível manifestá-la com o testemunho da vida. Jesus não dá explicações; Ele mostra os sinais de seu amor para com a humanidade, ou seja, as chagas de suas mãos, de seus pés e a refeição.
As chagas de suas mãos, feridas e cravadas de tanto abençoar, elevar, sustentar... os mais frágeis; as chagas de seus pés, feridos de tanto caminhar em busca de quem estava perdido; a refeição, como expressão de fazer-se pão para quem tem fome.
Qual é o testemunho da nova vida de ressuscitado do cristão hoje? Os joelhos calejados de tanto rezar?
Ou também nós precisamos apresentar ao mundo nossas mãos, nossos pés e nosso pão!!!
Nossas mãos feridas na doação, feridas de tanto abrir-se àquele que está caído, de tanto ajudar a quem está cansado, de tanto estendê-las a quem está só, a quem se sente excluído. Precisamos mostrar as mãos feridas pela generosidade da caridade, do amor; mãos cristificadas que abençoam, curam, elevam, apontam horizontes...
E precisamos mostrar as chagas dos pés; Pés cristificados que rompem distâncias, que vão ao encontro do diferente, daqueles que ninguém busca, que transita pelos ambientes excluídos levando a mensagem da vida plena; pés que andam caminhos visitando os enfermos, os anciãos que vivem sozinhos, os presos sem liberdade, que andam caminho buscando aqueles que se extraviaram, que se afastaram...
É curioso que hoje os grandes sinais que nos identificam como seguidores(as) ressuscitados(as) não sejam precisamente nossas explicações, mas nossas mãos e nossos pés.
Frente a uma “cultura da indiferença” que impera entre nós, ser testemunhas da Ressurreição significa viver a “cultura do encontro”; e só vive a “cultura do encontro” quem prolonga as mãos e os pés do Crucificado-Ressuscitado; Anunciar a Páscoa com as mãos e com os pés!
Uma mão esconde entre suas linhas a espessura profunda e o valor impenetrável de uma vivência única e irrepetível; exprime autoridade, elegância, dignidade, credibilidade, bênção...
Uma mão se faz encontro. Vai aproximando, oferecendo, interrogando, esperando, indicando, saudando, acolhendo, bendizendo... Uma mão se abre, se oferece, se doa...
Ponha um pouco de amor em tuas mãos e tudo o que tocares tornar-se-á benção.
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Ressurreição: encontros re-construtores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU