Por: André | 02 Mai 2014
Fortalecidos pela experiência eucarística, nossa missão consiste em juntar-se às mulheres e homens no caminho das suas vidas, passar de estranho a amigo(a) que faz arder o coração com o fogo da Palavra e manifestar o Cristo ressuscitado pela partilha do pão – que nós somos e devemos ser – e, por meio deste pão, também eles podem agora encontrar e reconhecer o Cristo da Páscoa.
Fonte: http://bit.ly/R6XqYZ
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 3º Domingo da Páscoa – Ciclo A do Ano Litúrgico. A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: At 2,14.22b-33
Evangelho: Lc 24,13-35
Eis o texto.
A festa da Páscoa continua durante todo o ano, mas de maneira particular nesse que é chamado de Tempo Pascal e que nos leva ao Pentecostes. E por que esse tempo pascal? Simplesmente porque as primeiras comunidades necessitavam de tempo para assimilar que o Cristo não vive mais “segundo a carne”, isto é, num Jesus de Nazaré reanimado; ele vive, agora, “segundo o Espírito” e se revela àquelas e àqueles que, assim como os discípulos de Emaús, aceitam pôr-se no caminho e deixam aquecer o coração no fogo da Palavra.
O evangelho de hoje, que encontramos somente em Lucas, é o mais belo relato de todo o evangelho de Lucas. É uma catequese sobre a missa, sobre a Eucaristia, como lugar privilegiado do encontro e do reconhecimento do Ressuscitado... lugar sempre acessível hoje para encontrar o Cristo e se deixar transformar por ele.
Este relato, esta catequese, coloca em cena dois discípulos: Cléofas, sem dúvida um discípulo da primeira comunidade cristã, e o outro, anônimo, que o pintor Rembrandt mostra de costas, para significar que aquele discípulo representa a todas e todos nós, os cristãos de todos os tempos. Este relato, portanto, nos faz descobrir a importância de estar em movimento: há muitos verbos de ação: fazer caminho, caminhar, ir... para caminhar na sua fé e a importância de estar atento e na escuta da Palavra de Deus, que se expressa nas pessoas que encontramos (aqui o estranho) e no gesto da partilha do pão, que somos nós, nesse pão partido e partilhado das nossas eucaristias... como se o pão se tornasse, por sua vez, Palavra de Deus, porque ele nos diz algo do Ressuscitado (referência à Ceia na noite da Quinta-Feira Santa).
Este relato é um caminho em três etapas:
1ª etapa: no caminho
Os discípulos de ontem e de hoje estão a caminho. Ao longo das nossas vidas, nós caminhamos, avançamos, às vezes, recuamos, mas caminhamos rumo a um objetivo, e nessa longa caminhada nós contamos e choramos os nossos sofrimentos e partilhamos as nossas decepções e as nossas desesperanças. O Cristo ressuscitado já não é mais perceptível pelos nossos sentidos: “Mas seus olhos estavam cegos e não o reconheceram” (Lc 24,16). O Cristo vem, pois, ao encontro dos discípulos no caminho das suas vidas, em um estranho que eles encontram ou, melhor, que se junta a eles no caminho.
Este estranho que parece ignorar os acontecimentos que se deram em Jerusalém, que são a causa da confusão dos dois discípulos (Lc 24,28), permite-e reler as Escrituras à luz da sua fé pascal; sua interpretação e sua atualização das passagens de Moisés e dos Profetas fazem nascer uma nova Palavra de Deus que faz arder o coração dos dois discípulos: “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32). Esta sucinta frase diz que o Cristo ressuscitado só pode ser visto com o coração. As passagens bíblicas relidas, reinterpretadas e atualizadas tornam-se Palavra de Deus que faz arder o coração e que prepara para o verdadeiro encontro com o Cristo Pascal. É, em suma, a liturgia da Palavra da missa, das nossas eucaristias cristãs.
2ª etapa: a parada na mesa
Os discípulos acolhem o estranho na sua mesa. Eles praticam a hospitalidade evangélica para com ele. Aquele que é acolhido torna-se aquele que preside, aquele que parte o pão, isto é, o que ele é, para partilhar com seus hóspedes, que se tornaram seus amigos. O gesto os reenvia à Ceia, à última refeição de Jesus com os seus amigos. O evangelista vai inclusive utilizar a fórmula que encontramos nos relatos da multiplicação dos pães: “Ele tomou o pão, abençoou-o, depois o partiu e o deu a eles” (Lc 24,30). Não há mais dúvida: é o Cristo ressuscitado que está vivo no meio deles. É a eucaristia, a partilha do pão que permite reconhecê-lo verdadeiramente.
Mas, atenção! Como o Ressuscitado não pode ser visto pelos olhos, como podemos ver Jesus de Nazaré antes da sua morte, Lucas precisa, mais uma vez, que no momento em que os discípulos o reconhecem, ele desaparece: “Nisso os olhos dos discípulos se abriram, e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles” (Lc 24,31), isto é, que o estranho retoma seu rosto de estranho e o Ressuscitado não pode ser apossado. É uma experiência de fé que precisamos fazer incessantemente.
Temos aí a segunda parte da missa: a eucaristia, a partilha do pão. Podemos verdadeiramente dizer que não é com os olhos que descobrimos o Ressuscitado: os discípulos veem claramente no momento em que não veem mais o Cristo. É meditando as Escrituras e partilhando o pão que o Cristo se torna presente e se faz reconhecer àquelas e àqueles que participam da assembleia. É evidente que há outras maneiras de encontrar e reconhecer o Ressuscitado, mas a Eucaristia permanece sendo o lugar privilegiado do encontro e do reconhecimento do Cristo Pascal.
3ª parte: pôr-se a caminho
Os discípulos retomam o caminho. Eles retornam, primeiramente, para Jerusalém, onde os Onze Apóstolos e seus companheiros estão reunidos (Lc 24,33), para autenticar sua experiência do Ressuscitado, porque a fé pessoal deve ser confrontada com a fé da Igreja apostólica (Lc 24,34)... e, como o relato permanece em aberto, os discípulos irão mundo afora, partilhar sua experiência do Ressuscitado, a fim de fazer nascer a esperança em todas e todos. Esta é a missão da Igreja e esta é a missão de todos os discípulos: em nossos caminhos de decepção, tristeza, angústia, todas e todos nós precisamos de esperança, e o Cristo vem juntar-se a nós através dessas mulheres e desses homens que deixam aquecer o coração no fogo da sua Palavra e que o reconheceram na fração e na partilha do pão.
Como diz tão bem Simão Pedro na primeira leitura de hoje: “Ele foi exaltado à direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito prometido e o derramou: é o que vocês estão vendo e ouvindo” (At 2,33). É por isso que nós nos tornamos capazes, pelo batismo, de pregar e manifestar a presença do Cristo ressuscitado ao mundo. Com outras palavras, fortalecidos pela experiência eucarística, nossa missão consiste em juntar-se às mulheres e homens no caminho das suas vidas, passar de estranho a amigo(a) que faz arder o coração com o fogo da Palavra e manifestar o Cristo ressuscitado pela partilha do pão – que nós somos e devemos ser – e, por meio deste pão, também eles podem agora encontrar e reconhecer o Cristo da Páscoa.
Para terminar, eu gostaria simplesmente de citar o teólogo francês Gérard Bessière, que escreve: “Quantos caminhos, pelo mundo, nos quais os homens caminham tendo perdido a esperança. Quantos sonhos e esperanças desfeitos! A presença e as palavras podem ajudar, mas são insuficientes para reanimar a esperança. É a partilha que faz ressurgir a vida e o gosto de viver. Em outro lugar, Jesus nos disse que quando fazemos algo a todo ser humano que está na miséria é a ele que fazemos: eu tive fome e me destes de comer... Quando partilhamos, é quando nos damos, sem mesmo o saber. Um Outro está aí, que estende a mão e abre a nossa. Jesus vive para sempre o dom. Emaús é em todos os lugares e é aqui, hoje”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Uma verdadeira missa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU