26 Setembro 2018
Com o acordo assinado entre a China e a Santa Sé de 22 de setembro passado, desaparecerão “muitos problemas sobre como dar origem a novos bispos na Igreja na China”. Levará tempo para curar a divisão que afligiu por muitos anos a comunidade católica chinesa, mas desaparece um elemento que alimentava a desunião entre os irmãos. E só quem não sabe o que é a Igreja Católica pode atacar o papa, acusando-o de ter se “rendido ao governo chinês”.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 25-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
José Wei Jingyi, bispo de Qiqihar, na província de Heilongjiang, no nordeste chinês, fala clara e livremente. Sua ordenação episcopal não é reconhecida pelo governo, e ele, desde jovem, teve um papel de primeiro plano na área eclesial chamada de “clandestina”, expressão infeliz e enganosa usada para indicar aquela parte de bispos, sacerdotes e fiéis que não se submetem a órgãos e métodos da política religiosa de Pequim.
Sessenta anos de idade, natural da Diocese de Baoding, José Wei foi consagrado bispo secretamente por Paulo Guo Wenzhi, bispo de Qiqihar, em 22 de junho de 1995. No passado, Wei viveu três períodos de detenção e de restrição das liberdades pessoais. O mais longo deles durou mais de dois anos, de setembro de 1990 a dezembro de 1992.
Com a entrevista concedida ao Vatican Insider, Wei é o primeiro bispo “clandestino” a comentar de forma abrangente o recente entendimento entre a Santa Sé e o governo de Pequim sobre as modalidades de nomeação dos futuros bispos católicos chineses. Também por isso, suas palavras merecem atenção.
Dom Wei, como o senhor soube da notícia do acordo entre a Santa Sé e o governo chinês sobre a nomeação dos bispos católicos chineses?
Eu fiquei sabendo através das mídias sociais. Mas um artigo publicado no Global Times na semana passada me fez imaginar que o acordo estava próximo.
Qual foi a sua primeira reação, como bispo ainda não reconhecido pelo governo? Prevalece a preocupação ou a confiança?
Houve muitas tentativas para se chegar ao acordo, e não foi fácil. Agora, eu não estou preocupado. A minha confiança cresce com o tempo. O presidente Xi Jinping também repete que, quando o povo tem confiança, a nação cresce bem, e o povo têm esperança. A minha confiança está posta no Espírito Santo, que guia a Igreja. E, na Igreja, os homens e as mulheres podem se santificar, como mostram todos os santos e as santas do Senhor há 2.000 anos.
Que bons frutos o senhor espera do acordo? E quais são os possíveis riscos?
Com a assinatura do acordo, não haverá mais tantas preocupações e problemas sobre como dar origem a novos bispos na Igreja na China. A desunião da Igreja pode ser superada e se tornar um fato do passado. As operações para dificultar e obscurecer a Igreja serão menos insidiosas. Naturalmente, é preciso tempo para que as feridas da desunião possam ser curadas. Mas não existe mais um fator que provocava e alimentava a desunião.
Como o povo de Deus, os outros batizados, os padres e os outros bispos que o senhor conhece reagiram?
Todos os fiéis e os sacerdotes que eu conheço esperavam uma melhoria da relação entre a China e o Vaticano. Não só isso, rezavam com perseverança por isso. A assinatura do acordo representa uma melhoria consistente. Por isso, todos o acolhem e lhe dão as boas-vindas com grande alegria.
Alguns criticam o papa pelo acordo entre a China e a Santa Sé, dizendo que se tratou de uma rendição ao “inimigo”. O que o senhor, como bispo chinês, pensa sobre isso?
Alguém que não tem fé em Cristo e critica o papa por ter se rendido ao governo chinês sobre a nomeação dos bispos chineses só pode fazer isso porque não tem fé e, portanto, não pode saber o que a Igreja é realmente. E eu, em relação a alguém assim, deixaria que dissesse o que quisesse, porque não sabe do que está falando. Mas, se eu pertenço à Igreja Católica, não posso ousar ficar lá fazendo julgamentos sobre o papa e atacando cada decisão particular do Santo Padre. Eu não sou o papa e não tenho a graça que Deus lhe concedeu e lhe concede para ser papa. Eu sou chamado a aderir àquilo que o papa indica com o seu magistério. Eu rezo pelo papa em cada missa, junto com os sacerdotes do mundo inteiro.
O senhor ainda não é reconhecido como bispo pelo governo. Agora que o governo reconheceu de fato o papel do papa na Igreja, como isso afeta o seu possível reconhecimento pelas autoridades civis?
Em nível pessoal, para mim, não tem grande importância se o governo me reconhece ou não como bispo. Jesus não era “reconhecido” pelo governo da época. E os apóstolos também não eram “reconhecidos” como apóstolos pelo governo da época. Mas, em nível social, se o governo não me reconhece como bispo, a falta desse reconhecimento não ajuda a harmonia e a tranquilidade. As comunidades clandestinas esperam que o perdão e a acolhida dos bispos eleitos e ordenados de forma ilegítima ocorram paralelamente ao reconhecimento governamental dos bispos ainda não reconhecidos como tais pelo governo.
O fato de adiar para o futuro tal reconhecimento por parte do governo poderia provocar alguma reação negativa entre alguns membros da comunidade clandestina. E isso também poderia ser usado contra o papa. Eu espero que, após o acordo, se avance mais rapidamente no diálogo, por exemplo, para resolver o problema dos bispos Tiago Su Zhimin e Cosme Shi Enxiang (dois bispos idosos dos quais não se têm mais notícias há muitos anos). Eu acho oportuno que o governo chinês diga algo sobre eles. E é bom que o governo acelere também o processo do reconhecimento dos bispos “clandestinos”.
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Com acordo China-Vaticano, divisões entre católicos foram superadas, afirma bispo chinês ''clandestino'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU