24 Julho 2018
Marc Gasol, um dos melhores jogadores da NBA, é um dos protagonistas de resgate de Josefa, a mulher camaronesa abandonada ao próprio destino nas águas do Mediterrâneo. O pivô dos Memphis Grizzlies, que responde pelo telefone de navio Astral, experimentou em primeira pessoa a tragédia diária dos milhares de migrantes que arriscam e muitas vezes perdem a vida tentando fugir das guerras e da miséria em seus países.
A entrevista é de Robert Alvarez, publicada por La Repubblica, 19-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que você estava fazendo a bordo do Astral, com membros da ONG Open Arms?
Há pouco mais de um ano conheci Óscar Camps, fundador e diretor da ONG Proactiva Open Arms. Eu havia acompanhado suas iniciativas e estava interessado no que ele estava dizendo. Nós o convidamos para fazer um discurso no campus do meu time de basquete, a Basket Girona. Eu gostei muito do que ele disse. No ano passado não pude embarcar porque tive que jogar na Eurobasket. Desta vez consegui.
O que aconteceu?
Ouvimos uma conversa entre um barco de patrulha da Líbia e um navio de carga que pediu que esta rumasse para um ponto preciso onde havia um barco em perigo. Depois, soubemos que o barco de patrulha da Líbia trouxe os náufragos de volta depois de destruir o barco em que estiveram por duas noites. Pelo menos três pessoas, porém, foram abandonadas.
E vocês, o que fizeram?
"Nós seguimos um protocolo de pesquisa. No início da manhã, por volta das seis e meia ou sete, encontramos um bote semi submerso. Nós fomos até o lugar. Um socorrista, Javier Filgueira, foi o primeiro a mergulhar. A água estava cheia de gasolina e com o sal fica muito corrosiva. A princípio, parecia que não havia sobreviventes. Mas chegando mais perto, vimos que havia uma mulher. Ela se agarrava com um só braço a um pedaço de madeira de meio metro de comprimento, não mais que isso. Havia também outra mulher e uma criança mortas.
O que vocês fizeram?
"Nós os trouxemos a bordo do nosso barco e depois no navio. Ali a mulher foi confiada aos médicos. Estava em estado de choque. Nós dissemos a ela que a ajudaríamos. Descobrimos que seu nome é Josefa e que vem de Camarões.
Por que faz tudo isso?
A situação é tal que está acima dos meus sentimentos pessoais. Estamos falando de atos desumanos, criminosos. Essas pessoas poderiam ter sido salvas. A guarda costeira afirma ter resgatado 158 pessoas. E se não tivéssemos chegado, tudo teria se encerrado ali. Ninguém saberia de nada. Mas percebemos que havia corpos ali, que haviam deixado várias pessoas em uma situação inacreditável.
O que você sente?
Um sentimento de frustração. Eu sinto raiva, impotência. É a sensação de ter ajudado a salvar uma vida. Se não fosse pelo nosso grupo, ninguém saberia o que havia acontecido. Teria sido dito que salvaram 150 pessoas e a realidade é que eles deixaram as pessoas vivas no meio do mar. Eu sei como essas pessoas estavam. Se tivéssemos chegado antes, talvez pudéssemos ter salvado mais pessoas. E se tivéssemos chegado quinze ou vinte minutos depois, Josefa teria morrido.
O que motivou você a participar dessas iniciativas?
A fotografia de Aylan, o menino sírio que morreu na costa turca em 2015 provocou em mim um sentimento de raiva e, ao mesmo tempo, me fez perceber que cada um de nós deve fazer a sua parte, para que determinadas coisas não voltem a acontecer. Foi então que conheci Óscar Camps. Fiquei impressionado com a sua convicção, pela forma como ele disponibilizou para essa causa todos os seus recursos econômicos, logísticos e pessoais para ajudar essas pessoas. Admiro quem faz alguma coisa e não espera que os outros façam.
Seus filhos têm algo a ver com esse aspecto de sua vida?
Eu tenho dois, Julia e Luca. Eu quero ser um exemplo para eles. Imagino a situação de um pai que enfrenta viagens em que abundam extorsões, assassinatos, perigos de todos os tipos em que se arrisca tudo para chegar a um país onde se possa viver em paz e com dignidade. Eu me coloco no lugar deles e acho que gostaria que alguém me ajudasse com seu tempo, com seu dinheiro, que me desse uma mão. Acredito que todos nós deveríamos contribuir colocando nosso grão de areia. É muito diferente ouvir ou ler que há um número de mortes aqui ou ali. Mas quando você vê aquela pessoa morta, você sabe que ela era o centro do mundo na vida de alguém. E não está mais ali. Tem gente que quer diminuir e desvalorizar o trabalho das organizações humanitárias que se dedicam a isso. Acho isso inacreditável, uma falta de humanidade vergonhosa.
Você é um jogador profissional da NBA, um jogador muito importante para o Memphis Grizzlies. Arrisca-se em dobro ao se dedicar a essa tarefa.
Devemos dar o exemplo, mostrar como é grave o que está acontecendo. Eu quero ser uma testemunha direta e salvar as pessoas. O risco que eu posso correr pelo fato de ser um jogador da NBA passa para o terceiro plano. Não há melhor exemplo dos voluntários que estão aqui, com os quais estou convivendo. Eles são uma equipe excepcional e você vê que eles fazem tudo pelo bem comum.
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"Depois do drama do pequeno Aylan percebi que eu tinha que ajudar aqueles que fogem" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU